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13
Mar24

A luta continua

 

 

"Viemos com o peso do passado e da sementeEsperar tantos anos, torna tudo mais urgenteE a sede de uma espera só se estanca na torrenteE a sede de uma espera só se estanca na torrente
 
Vivemos tantos anos a falar pela caladaSó se pode querer tudo quando não se teve nadaSó quer a vida cheia quem teve a vida paradaSó quer a vida cheia quem teve a vida parada
Só há liberdade a sérioQuando houver
A paz, o pão, habitaçãoSaúde, educaçãoSó há liberdade a sério quando houverLiberdade de mudar e decidirQuando pertencer ao povo o que o povo produzirE quando pertencer ao povo o que o povo produzir"
 
Liberdade, Sérgio Godinho

publicado às 10:29

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Estou contente com esta temporada dos Óscares. Vi muitos filmes de que gostei bastante e entre eles estão alguns dos nomeados ao Óscar de Melhor Filme. São eles:

1. Os Excluídos

2. Assassinos da Lua das Flores

3. Anatomia de uma Queda

Na minha modesta opinião, qualquer um destes filmes seria um bom vencedor. Mas não deve acontecer. Tudo indica que este será o ano de Oppenheimer. Quanto aos outros filmes nomeados na categoria principal, estão mais ou menos assim ordenados:

4. Vidas Passadas 

5. Zona de Interesse

6. Maestro

6. Oppenheimer

7. Barbie

7. Pobres Criaturas

8. American Fiction

Sinto-me um bocadinho a falhar enquanto feminista, uma vez que não gostei dos dois filmes alegadamente feministas da lista (Barbie e Pobres Criaturas). Mas, enfim, é o que é. Mencionei vagamente o Maestro num outro post, acho que é um filme bem feito, com pormenores muito bons, mas aquelas personagens não me tocaram minimamente. Sobre o American Fiction não cheguei a escrever - gostei do ponto de partida, mas não me encheu as medidas e odiei o final, isso irritou-me e deixou-me uma sensação de frustração que não consegui ultrapassar. De resto, está tudo explicadinho - basta seguir os links.

Também escrevi sobre os candidatos a melhor filme internacional.

Dos documentários, só vi o 20 Dias em Mariupol mas, por mim, já ganhou.

E, pronto, "that's all, folks". Já sabem, vão ler críticas decentes, escritas por gente que saiba do que está a falar. Isto aqui é só conversa de café. E não fiquem acordados que não vale a pena. Dormir bem é muito importante e, além disso, o mais divertido dos Óscares é sempre ver os filmes. Depois, assim como assim, de manhã, as partes melhores vão estar todas na internet 

(na foto, que também encontrei na net, está o Charlie Chaplin. só porque sim)

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publicado às 10:26

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Nas primeiras eleições após o 25 de Abril, "o número de eleitores recenseados passou de cerca de 1 milhão e 800 mil para 6 milhões e 200 mil, e foram as eleições mais participadas de sempre, com uma taxa de abstenção de apenas 8%". As eleições foram uma festa, as pessoas estavam felizes por poder finalmente exercer o seu direito de voto e, livremente, decidir o futuro do país.

Como é que em menos de 50 anos chegámos aqui, a uma taxa de abstenção de cerca de 40%, com um partido populista e anti-democrático a ser a terceira força política no Parlamento?

Vão votar. Não deixem que os outros decidam por vocês.

publicado às 00:20

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Ferrari é a história de um homem em conflito com o seus desejos e ambições. Ele quer ser grande nas pistas, mas para isso precisa de muito dinheiro. Ele quer ganhar corridas, para isso precisa de pilotos que estejam dispostos a arriscar tudo. Ele quer ser feliz com a sua amante, mas isso implica enfrentar a mulher que é também sua parceira de negócios. Estamos em 1957 e o senhor Enzo Ferrari encontra-se num momento decisivo.

Devo dizer que não sou a maior fã de corridas de carros (nem de motas, nem de bicicletas, já agora), nem tenho qualquer interesse por este mundo, por isso já não parti para Ferrari, de Michael Mann, com o maior dos entusiasmos. Mas, honestamente, acho que nem foi isso. O que me atrapalhou verdadeiramente foram os estereótipos (sobretudo as mulheres, claro, a esposa e a amante, mas, na verdade, toda a representação de uma certa "italianidade" idealizada), a interpretação distanciada de Adam Driver, a interpretação exagerada da Penélope Cruz e aquele sotaque "italiano" ridículo de todos eles.

Nem tudo foi mau. Achei as cenas com os carros muito bem feitas. Surpreendentemente, foram, de longe, as minhas preferidas. Mas, pronto, se calhar tenho mesmo que admitir que este filme não era para mim.

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publicado às 12:06

A primeira coisa que me impressionou em A Sala de Professores, o filme de Ilker Çatak, foi a escola. Uma escola alemã com tão boas condições. Sem janelas partidas, sem portas estragadas. Um ginásio bonitinho. Uma sala de aulas agradável. Sem pavilhões pré-fabricados nem amianto. Uma escola verdadeira em Hamburgo. Com muitas bicicletas. Uma escola que disponibiliza produtos higiénicos para as raparigas (num contraste absoluto com as nossas escolas onde muitas vezes nem papel há nas casas de banho). Depois, é inevitável simpatizarmos com aquela professora (interpretação de Leonie Benesch), tão novinha mas tão disponível, com tanta vontade de agir bem e de fazer o melhor pelos seus alunos. E, depois, quase sem darmos por isso, por causa de uns roubos que acontecem na escola e da investigação para tentar descobrir quem será o responsável, aquilo transforma-se quase num thriller e só queremos que acabe depressa porque parece que a cada cena as coisas tendem a correr pior. Sabem aquela expressão "de boas intenções está o inferno cheio"? Acho que se aplica bem aqui. No filme não há moralismos. Só acções e suas consequências. 

Mas, apesar da tensão toda, já agora aproveitávamos e reflectíamos um pouco sobre as escolas que temos e como gostaríamos que fossem, em especial no que toca às relações de poder que existem e aos preconceitos que estão por trás de alguns comportamentos. Além desta necessidade urgente, que toda a gente sente hoje em dia, de fazer julgamentos.

A categoria de Melhor Filme Internacional é sempre uma das mais interessantes nos Óscares e este ano não é excepção. Não vi o filme espanhol, A Sociedade da Neve, de J.A. Bayona - sim, está na Netflix, mas não consegui encontrar o mood certo para mergulhar neste filme, talvez mais tarde, logo se vê - mas todos os outros são óptimos e até tenho dificuldade em dizer de qual gostei mais. Além deste A Sala de Professores, também gostei muito de Eu, Capitão, Dias Perfeitos e Zona de Interesse

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publicado às 22:54

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Calhou estar a ler Um Cão no Meio do Caminho, de Isabela Figueiredo, na mesma altura em que vi o filme All of Us Strangers, de Andrew Haigh. São obras sobre a perda daqueles que amamos e sobre orfandade. Em ambas, os protagonistas acabam por enterrar a dor numa vida solitária, à margem, incapazes de se dar aos outros, porventura incapazes de amar. Como se a ferida aberta pela perda dos pais numa idade muito precoce (na infância, na adolescência) contaminasse tudo o resto que vem a seguir - e o que vem a seguir é uma vida inteira.

É engraçado pensar que talvez se estas duas obras não tivessem coincidido no mesmo momento da minha vida eu não tivesse dado tanta importância a este aspecto. Até porque não há muito mais semelhanças entre elas.

Em All of Us Strangers, Adam (interpretado por Andrew Scott) é um jovem gay que cresceu nos anos 80 sentindo-se incompreendido e mal amado, sem nunca conseguir ser completamente honesto com os pais, que entretanto morrem num acidente, e, por isso, sem nunca ter a aceitação que desejaria, ainda que os tempos mudem e a sociedade pareça estar mais tolerante - ou talvez não, como comprovará Harry (Paul Mescal). Não quero revelar demais. Só dizer-vos que é tudo muito bonito. Até a tristeza de Adam, o medo com que resiste a entregar-se, o modo como ele imagina o amor e como os seus corpos se vão entrelaçando cada vez mais e deixando cair as defesas. Amar, seja qual for o tipo de amor, é colocar-se numa situação de enorme fragilidade e estar disponível para sofrer mais uma perda. É preciso estar disposto a correr o risco.

Mas é um risco necessário - ou, então, corremos um outro risco, o de passar pela vida sem nos ligarmos verdadeiramente a ninguém e sem sentirmos essa felicidade da partilha. Como se lê na contra-capa de Um Cão no Meio do Caminho: "Precisamos de alguém com quem falar. Não interessa de quê. Precisamos de uma voz humana". 

publicado às 20:22

Quem ganhou? O jornalismo e o comentariado políticos estão reduzidos a isto: quem ganhou o debate? quem ganha nas sondagens (bem ou mal feitas)? quem ganha nas redes? Veja ao minuto, agora, instantaneamente. Não vale a pena pensar muito, nós dizemos-lhe já. E quem ganha nem sequer é quem diz mais verdades ou quem tem propostas mais exequíveis, é quem conseguiu gritar mais alto, calar o adversário, ser mais fanfarrão, dizer a frase mais orelhuda. Quem ganha é quem consegue mais aplausos no Twitter, esse mundinho à parte, onde os jornalistas e comentadores vivem e se degladiam, mas que representa muito pouco do que é o país real. 

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É verdade que já não tinha grandes expectativas sobre o jornalismo que fazemos no nosso dia-a-dia, mas nunca julguei que pudéssemos descer tão baixo como está a acontecer nesta campanha eleitoral. Isto não quer dizer que não haja trabalhos bons, que também os há, atenção. Mas ficam geralmente ofuscados por este festival de comentários e avaliações à la minuta. E é uma pena. Sinto mesmo que não estamos a prestar um bom serviço à democracia - nem aos nossos leitores/ouvintes/espectadores. Mas sinto-me impotente. Limito-me a tentar não contribuir para este barulho.

Infelizmente isto não acontece só em Portugal, felizmente já há muita gente a pensar sobre isto e até já há algumas pessoas a tentar fazer diferente. Através do Jay Rosen , autor do PressThink (só o nome já é bom, juntar imprensa e pensamento é sempre um bom princípio), encontrei este texto, que me parece resumir bem algumas das preocupações que - como descobri recentemente - não são só minhas:

"(...) Horse race political journalism is the shallow end of the craft. It’s easy to do, carries no burden in terms of input or consequence and can spawn a day or so of equally lazy follow ups. It is usually based on polling. A poll of inconsequential quality is used to measure the possible outcome of a looming political contest – usually on the fundamental metrics of voting intention and leadership approval/disapproval. (...) It is always worth remembering and repeating that opinion polling is no more than what it is – the sampling of opinion at a moment in time on a single issue or confined basket of issues. (...) Other factors counting against horse race polling are that it contributes to the prevalent and increasing distrust in politicians – if all the news is focused on the competitive nature of contests and doesn’t delve into the issues voters actually talk about, people will believe politicians don’t care about things like health and education. (...) Pages of stories on horse race aspects of elections and little if any examination of what is at stake in any contest means the voters are ill-informed and slip into not caring. It’s a self perpetuating and self fulfilling problem at once. The ill informed nature of so much political reporting – fed by the horse race obsession – creates an electorate which really doesn’t care because they do not believe anything has any meaning or any election outcome has any consequence. (...) The fundamental criticism of horse race political journalism is the tendency to give emphasis to colour and movement, to drama and shock, over anything or substance or consequence. Substance takes a back seat. (...)".

publicado às 22:31

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Andei a evitar Pobres Criaturas, de Yorgos Lanthimos. Há sempre um filme assim, daqueles que toda a gente gosta e que eu, só pelo que vou vendo aqui e ali, já sei que não será o meu pedaço de bolo. Confirmou-se. O ponto de partida até é interessante: o filme pergunta-nos o que é a liberdade, a liberdade plena, e se alguma vez conseguimos ser verdadeiramente livres; e faz-nos ter consciência de como a sociedade nos forma, enforma e deforma de mil maneiras - sobretudo se formos mulheres.

Bella Baxter é uma criança num corpo de mulher. E, no início do filme, é completamente livre. À medida que cresce, que vai aprendendo coisas, descobre o mundo e toma consciência de si e dos outros, a sua liberdade fica diminuída. Mas ela luta contra isso com unhas e dentes. É, segundo algumas opiniões, um modelo feminista. Afinal, estamos todas, nós, mulheres, nessa batalha por conseguirmos sermos quem somos sem ligar ao que nos rodeia e sabemos bem como é um objectivo difícil de alcançar.

A interpretação de Emma Stone é, de facto, bastante boa. 

O momento em que se ouve Carminho a cantar o fado O Quarto é realmente bonito -  e é a primeira vez em que Bella parece sentir alguma emoção.

Dito isto, não tenho paciência. Nem para cientistas dispostos a encontrar a essência do humano (por muito que adore o Willem Dafoe), nem para filosofias da treta sobre homens e mulheres (por muito que um desses homens seja o Mark Ruffalo), nem para cidades e tempos imaginários, nem para mundos visualmente maravilhosos mas absolutamente artificiais, nem sequer para as infindáveis cenas de sexo - vai sempre tudo dar ao sexo, não é? a verdadeira liberdade é a liberdade de fornicar com quem se quer e como se quer? a prostituição - e a submissão ao desejo dos homens - é um caminho para o auto-conhecimento? vamos ignorar o facto de a madame (que diz umas frases tão "profundas" que até foram escolhidas para o trailer) explorar as raparigas que passam dificuldades? E o facto de o filme terminar com uma vingança maldosa de Bella sobre o homem que a tratou mal (à la Barbie) também não me parece lá grande coisa feminista. 

Valham-nos os pastéis de nata, mas com moderação. Nada a ver com etiqueta, é só mesmo para evitar as dores de barriga.

publicado às 12:23

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Interrompo esta série de publicações sobre filmes oscarizáveis para vos falar de Baan, o filme de Leonor Teles. Confesso que não ia com muitas expectativas, mas acabou por ser uma agradável surpresa. A protagonista, Carolina Miragaia [uma revelação], encarna toda a inocência, as incertezas e as angústias mas também as esperanças de uma jovem adulta, em Lisboa, no seu dia-a-dia entre trabalho, casa, amigos, e que, tal como outras pessoas da sua geração, está em busca de um sítio  - e um sítio também pode ser uma pessoa ou pode ser só um sentimento - a que possa chamar casa. Também há uma história de amor e uma ligação a Bangkok ("baan" quer dizer casa em tailandês). E não sendo perfeito é muito bonito.

Baan está no cinema. Vão que não se vão arrepender.

Como bónus, saímos do cinema a trautear esta música:

 

Owner of a Lonely Heart, dos Yes (1983)

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publicado às 14:43

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Um professor pouco popular (falhado seria uma expressão mais correcta), um jovem complicado e a responsável da cantina são os únicos que permanecem num colégio interno na Nova Inglaterra, EUA, durante as férias de natal e, por isso, são forçados a conviver durante duas semanas. Podia ser um filme de natal, e até é em alguns momentos. Mas é sobretudo um olhar sobre as diferentes solidões e a necessidade que tomos temos de amar e ser amados, mesmo quando insistimos em usar carapaças e fingir que estamos bem sozinhos. É um dos meus filmes preferidos da temporada: The Holdovers - Os Excluídos, de Alexander Payne. É um filme aparentemente tão simples, acontecem poucas coisas, vive muito das personagens - e das excelentes interpretações do grande Paul Giamatti, de Da’Vine Joy Randolph e Dominic Sessa - e de como elas se vão revelando em gestos e diálogos mais melancólicos ou cómicos ou sentimentais. The Holdovers navega sempre ali entre o bitter-sweet, ora puxando à lágrima, ora fazendo-nos rir. A acção passa-se nos anos 70 e todo o filme respira o ambiente, a música e o cinema dos anos 70, o que também é algo de que gostei muito. E no final aprendemos que a vida tem mesmo de seguir em frente, é melhor ganhar coragem, ultrapassar os nossos falhanços e sair de baixo da tal carapaça. Ou como diria o professor Paul Hunham: atravessar o Rubicão.

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publicado às 18:03


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