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O meu filho deve ser o único menino da sua idade que não sabe quem é o Cavaco nem nunca ouviu falar do Sócrates. Verdade. À mesa não se fala de porcarias, ensinaram-me, e eu, como menina bem educada, não discuto política à hora do jantar. Nem sequer vemos os telejornais. Mas isso vai mudar. Porque ele já tem seis anos, decidi aproveitar as próximas eleições presidenciais para lhe explicar algumas coisas sobre o nosso país e sobre a democracia, dizer-lhe que a nossa participação conta (vou tentar dizê-lo sem me rir), que somos todos responsáveis, levá-lo comigo no dia do voto. Vai ser uma lição para ele e também para mim - que ando a modos que afastada destas coisas.

Houve uma altura em que gostei de política. Lembro-me perfeitamente da minha primeira campanha, de andar de carro com o meu pai, as estradas enlameadas, a chuva miudinha e eu a distribuir folhetos pelas aldeias para que Eanes voltasse a ser presidente. E por aí fui. Caravanas. Comícios. Jotas. Campanhas. Congressos. Com cartão de militante e tudo. Autocolantes ao peito. Bandeiras ao vento. Gritar até ficar rouca. Esperar ansiosamente pelos resultados e ficar triste, quase sempre. Ou ir festejar. Como festejei em 1995 a vitória de Guterres. Foi a última vez. A desilusão foi tão grande que acho que ainda não me recompus. Ou então foi a idade adulta que me deu alguma clarividência. Palpita-me que, desde então, só voltei às urnas para votar nas autárquicas da minha terra e nos referendos pelo sim ao aborto. Como ainda estava inscrita no Alentejo e entretanto comecei a trabalhar, tornou-se difícil ir lá e, sinceramente, nunca considerei que valesse realmente a pena. Deixei de acreditar na política e nos políticos de um modo geral - demagógicos, cínicos, corruptos. Mentirosos. Ainda me custa a crer na minha própria transformação. Não acompanho a política, não quero saber o que dizem, não leio as notícias, não vejo as entrevistas. Claro que não estou alheada do mundo. Sou capaz de discutir ideias. Tenho a minha própria opinião sobre a regionalização, sobre os impostos, sobre o estado social, sobre o serviço nacional de saúde, sobre o rendimento mínimo, sobre as privatizações, sobre a política de imigração. Serei de esquerda até morrer. Interessam-me os fenómenos internacionais, o Obama e a Dilma, o inenarrável Berlusconi, o perigoso Sarkozy. Mas deus me livre de dar atenção aos nosso partidos, às tricas, ao diz-que-diz, aos deputados, às conferências de imprensa à hora do jantar, às eleições internas, às facções, aos ministros que vão para dirigentes de empresas, aos que se enchem à nossa conta.

Porque ser mãe também é isto, pelo meu filho e para lhe dar o melhor dos exemplos, irei então votar nas presidenciais, está decidido. Só me resta perceber em quem.

publicado às 22:36

03
Nov10

Faz-de-conta

Em casa da vovó Ana podíamos calçar sapatos de salto alto e pontas bicudas. Também havia vestidos de dama antiga, vestidos de noiva e combinações acetinadas que usávamos como se fossem vestidos de noite. Brincos de mola, colares, pregadeiras. E, às vezes, um baton para nos tornarmos verdadeiras senhoras. Em casa da vovó Ana era carnaval sempre que queríamos e nunca ouvimos um não faças, não mexas, não estragues. Brincávamos ao faz-de-conta tardes inteiras e brincámos até muito tarde nas nossas vidas, o que, aparentemente, não nos fez mal nenhum.
Cá em casa não há vestidos de dama antiga mas também não precisamos. Temos outras coisas. Roupas de batman, super-homem e homem aranha, roupas de bruxo e de palhaço, mais chapéus, capa de vampiro, correntes, pulseiras, tintas para a cara. De vez em quando, um deles lembra-se de ir à gaveta das máscaras. Espalham tudo pelo quarto. Vestem e despem. Experimentam. O António fica triste porque há fatos que já não lhe servem. Improvisam. Inventam. Com um pouco de imaginação e uma espada, o batman transforma-se em zorro. Vão buscar luvas, gorros e cachecóis. Isto para não falar dos equipamentos do sporting e do brasil e até do fato do karaté, que também entram neste rol.
Deixá-los brincar. Claro que nem sempre me apetece, ou não me dá jeito. Há dias em que preferia mesmo que ficassem quietinhos, que não desarrumassem. Mas depois lembro-me que eles não têm uma vovó Ana nem um armário cheio de sapatos de salto alto que já ninguém usa. Deixá-los brincar. Pôr um chapéu de bruxa na cabeça e entrar na brincadeira. Controlar os danos, para que não haja muitas asneiras. E o resto logo se vê.

publicado às 10:22


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