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19
Abr20

Luxos

Não sou propriamente maníaca das limpezas, pois que não sou, mas tenho as minhas pequenas obsessões (todos as temos) e uma delas é o chão. Eu sou aquela pessoa que varre e aspira e lava o chão várias vezes, isto já em tempos normais, quanto mais agora que estamos todos em casa a migalhar e a patear. Na cozinha, então, nem se fala. Passo o dia de vassoura na mão, ou com o aspirador pequenino, ou com o aspirador grande, e depois com a esfregona e depois a seguir a zangar-me com os miúdos porque já está tudo sujo outra vez. Com o resto não sou assim tão stressada. Vamos fazendo. De vez em quando dá-me uma fúria de limpar a despensa ou os armários ou de limpar o pó aos livros todos, mas isso é mesmo só de vez em quando. Desde que estamos de quarentena, para além da manutenção, uma vez por semana fazemos uma limpeza geral, e digo fazemos porque eles já sabem que têm de arrumar o quarto e mudar os lençóis das camas e que também lhes compete limpar o pó e aspirar o resto da mansão, com excepção da cozinha que é o meu território. Também já informei os rapazes que na próxima semana os ia ensinar a lavar casas-de-banho - "que nojo, mãe, eu não lavo a sanita", dizem eles, fazendo caretas, e é aí que eu percebo que devo estar a errar completamente na educação que lhes estou a dar e que é urgente mudar isso. Que a quarentena nos sirva para alguma coisa de útil.

Isto para dizer que não, não tenho quaisquer problemas em limpar a casa, desde miúda que estou habituada a fazer tudo e, já na minha casa, vivi muito tempo sem ter ajuda. Mas sei que me vai custar bastante, quando isto tudo voltar ao "normal", ter que perder horas da minha vida a limpar em vez de ir esplanadar para algum lado ou ficar simplesmente no sofá a olhar para a televisão. Não é só o luxo de não limpar, é também aquele luxo burguês que é ter tempo livre. (isto está tudo estudado, não estou a inventar nada)

Também vou ter saudades de chegar a casa e, como por magia, estar tudo limpo e cheiroso. O dia da empregada era sempre o melhor dia da semana.

Mas a verdade é esta. Os luxos são para quem os pode ter.

publicado às 11:42

Quando a habitação deixa de ser vista como um lar de alguém e passa a ser vista como "um activo financeiro", as pessoas deixam de ser vistas como pessoas e passam a ser empecilhos, obstáculos a grandes negócios, gente sem nome que é preciso expulsar rapidamente para se poder ganhar mais dinheiro. É isto que está a acontecer actualmente em Lisboa: aquilo que devia ser um direito básico de qualquer pessoa passa a ser um luxo apenas acessível a alguns. E, por arrasto, estraga-se uma cidade.

Não sou muito adepta de discursos radicais, não venho aqui dizer que as casas deveriam ser gratuitas e que toda a gente tem direito a um T3 no Saldanha. Mas há mínimos. E esses mínimos estão a ser ultrapassados em Lisboa, onde o boom turístico, a especulação imobiliária, o crescimento dos mercados do "arrendamento curto" e do luxo, a falta de regulamentação e a muita corrupção estão a pôr em causa a capacidade de muitas pessoas para pagar uma casa. E, reparem, eu já nem estou a dizer para terem uma casa. Não se trata sequer de ser proprietário (ainda que eternamente devedor ao banco). Trata-se apenas de conseguir pagar a renda de uma casa para morar. E já nem estou a falar do direito a permanecer na casa ou no bairro onde sempre moraram, junto das pessoas que conhecem, integrados na sua comunidade. É mesmo só ter um teto, sabem?, uma cozinha, um esquentador, essas coisas básicas.

É disto que fala o filme O que vai acontecer aqui?, do colectivo Left Hand Rotation, que estreou esta semana no DocLisboa mas que está disponível na íntegra online. Este é o trailer:

Eu sei que ao verem este filme algumas pessoas vão achar que esta realidade não é a sua. Às vezes temos dificuldade em sair do nosso lugar de privilégio. Mas é necessário que o façamos. Pois a verdade é que já não estamos só a falar de uma margem da sociedade, estamos a falar de trabalhadores (se preferirem, da classe média). De pessoas que vivem do seu ordenado num país onde o salário mínimo é de 600 euros e o ordenado médio é de 943 euros (brutos). E mesmo que ganhem um pouco mais é complicado. Já viram os preços das casas? 

Se pensam que ficar sem casa é coisa que acontece só aos outros, imaginem o que seria se, um dia, a empresa onde trabalham entrasse em falência e ficassem desempregados aos 40 anos, ou se se divorciassem e tivessem que procurar uma outra casa e pagar a renda (e todas as outras despesas) sozinhos, ou se, de repente, for a vossa a casa a ser vendida para ser transformada num hostel.

Ou até uma situação menos dramática: todos nós conhecemos histórias de pessoas que, nos últimos anos, tiveram de sair da sua casa devido ao súbito aumento da renda. Deixaram o centro da cidade e mudaram-se para as periferias, para os arredores, para a outra banda, para algum sítio onde os preços das casas ainda são acessíveis - até deixarem de ser, porque a lei do mercado funciona assim e quando a procura aumenta os preços também aumentam. E também não sei se já ouviram falar da falta de professores nas escolas da Grande Lisboa - porque é tão caro mudar para aqui que, feitas as contas, os professores preferem ficar onde estão, sem trabalhar e sem receber o seu miserável ordenado.

Isto está tudo ligado. Os velhinhos da Mouraria e os professores que não querem vir para Lisboa são todos vítimas desta mesma situação. Estamos todos a ser expulsos da cidade. E ainda só estou a falar das pessoas, mas não podemos deixar falar das consequências disto para as cidades.

Sobre esse assunto, porque isto não está a acontecer só em Lisboa e porque é mesmo algo que nos devia preocupar, aqui fica mais um trailer de um filme que ainda não estreou em Portugal e ainda não vi mas sobre o qual estou bastante curiosa: Push, de Frederik Gertten.

publicado às 17:53

Durante seis anos tivemos uma e outra criança no nosso quarto. Agora voltámos a ter um quarto só para nós, o que é bom por várias razões e mais uma: poder ler deitada na cama, tapada com o edredão e encostada na almofada. Mesmo que seja só por duas ou três páginas.

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publicado às 20:33

15
Mar10

Barulho

O meu vizinho de baixo acha que os meus filhos fazem muito barulho. Provavelmente ele tem razão. Os meus filhos são, como dizê-lo?, um pouco enérgicos. Indomáveis, mesmo. Correm, saltam, gritam, um atrás do outro, um à frente do outro, empurrando-se um ao outro. Tentamos minimizar os estragos. Em casa só podem jogar com bolas de pano e andam sempre descalços. Tentamos impedir (embora nem sempre consigamos) que eles arrastem as cadeiras ou que batam com as raquetas no chão. Não os deixamos ligar os brinquedos barulhentos às sete da manhã nem permitimos que andem de bicicleta no corredor. Não somos assim tão desleixados. Verdade seja dita, também não estamos assim tanto tempo em casa. A coisa resume-se a duas horas de manhã e duas horas à noite, a partir das nove e picos entramos em modo silêncio. E ao fim-de-semana, desde que não chova, passamos o máximo de tempo na rua.
Mas eu percebo-o. Deve ser irritante ouvir aqueles pézinhos pequeninos a correrem de um lado para o outro em cima da nossa cabeça. Eu percebo-o mas, como não tenho dinheiro para comprar uma casa com quintal, não posso fazer nada.
Da última vez que o encontrámos no elevador, o meu vizinho de baixo disse-nos, com toda a sua arrogância, que acha que isto é um problema de educação. Provavelmente ele tem razão. Talvez se eu ligasse a televisão para eles verem desenhos animados logo de manhã eles não corressem tanto. Talvez se eu os habituasse a jogar computador antes de dormir a vida do meu vizinho fosse mais fácil. Mas essa não é a educação que eu lhes quero dar. Cá em casa brinca-se. Tanto quanto for possível. E brincar faz barulho, lamento. Os meus filhos têm seis e dois anos (nem isso) e, por isso, é normal que gritem, que corram, que lutem, que brinquem com os carrinhos, que joguem à bola. São crianças.
Se quer mesmo paz e silêncio, meu querido vizinho, acho melhor que compre uns tampões para os ouvidos. Ou então que tente encontrar outro sítio para morar.

publicado às 10:02

30
Mar09

A-dias

A bem da nossa sanidade mental e da saúde do nosso filhote que agora já gatinha por todo o lado decidimos, depois de feitas e refeitas as contas, contratar uma empregada. Empregada não, mulher-a-dias, corrigiu-me a Neusa ainda à porta de casa. E depois entrou e bisbilhotou por todo o lado, inspeccionou o ferro de engomar, espreitou nas casas-de-banho, olhou de soslaio para os brinquedos espalhados pelo chão da sala, franziu a testa no fogão e concluiu isto está a precisar de uma geral. Eu baixei os olhos como que pedindo desculpa e só não fiquei mais envergonhada porque estava entretida com os meus pensamentos a imaginá-la a entrar por ali adentro sem mim, rodando a sua própria chave na minha fechadura, sentindo-se livre para abrir as minhas gavetas, gozando, talvez, do meu parco guarda-roupa, desdenhando dos restos no meu frigorífico, folheando a minha vida nos álbuns das fotografias - cada um é como cada qual, costuma dizer o meu pai, e eu posso não ter cremes nem perfumes caros para ela usar enquanto limpa o pó mas custa-me imaginar que alguém, esta ou outra Neusa, ande por ali a cuscar nos meus preciosos álbuns de memórias. Não sei até que ponto lhe hão de interessar as fotografias da viagem a Paris no 12º ano ou os bilhetes do espectáculo da disney no gelo que vimos no ano passado, mas espero bem que entre um e outro ela arranje tempo para passar os lençóis.

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publicado às 14:06

23
Dez08

Quase no natal

Aconteceu pouco depois de sair da auto-estrada. Os miúdos vinham a dormir, a Marisa Monte a cantar e eu a deliciar-me com os tons verdes e castanhos da terra do Alentejo. É a paisagem mais linda do mundo, pensei, é a minha paisagem. A minha casa. Estamos quase a chegar ao natal. E sem querer até carreguei um bocadinho mais no acelerador.

publicado às 21:55

04
Ago08

Agosto

Para manter a casa fresquinha deve-se semi-fechar as persianas deixando os quartos na penumbra e abrir as janelas em sítios estratégicos para criar pequenas correntes de ar. Aprendam com quem cresceu com 40º à sombra.

publicado às 15:42

27
Jun08

Sol e sombra

A minha casa é como uma praça de touros. Do lado da cozinha bate o sol e o calor não se aguenta. Do lado da sala corre uma aragem fresquinha que nos faz espirrar.

publicado às 14:16

06
Fev08

O meu palacio

A nossa casa foi uma herança da revolução. Os donos eram uma das famílias mais ricas da terra mas, quando o verão começou a aquecer de verdade, eles decidiram sair dali o mais rapidamente possível e foi um dos advogados que percebeu que seria preferível alugar a casa, mesmo que a tuta e meia, do que ficar à espera da ocupação. Ele foi esperto. O meu pai aproveitou. E foi assim que nos mudámos para um quase-palácio. Dois andares, um quintal, uma escadaria em mármore digna de filme. Uma sala de estar, uma sala de jantar, uma sala de visitas, um escritório, uma cozinha, uma despensa maior do que muitas salas modernas, um quarto para nós, o quarto dos pais, o quarto dos avós, o quarto das visitas e, qual cereja no topo de um bolo carregado de chantilly, o quarto dos brinquedos. Feitas as contas eram dez assoalhadas. Eu ainda não sabia contar até dez mas aprendi depressa a correr pelos corredores e a deslizar de rabo sentado pelas escadas (as crianças às vezes têm brincadeiras muito parvas). Havia um sistema de campainhas que permitia tocar do quarto ou da sala e aparecia um número num pequeno quadro perto da cozinha - para chamar a criada, já se vê. Para brincar também. Numa casa assim não tínhamos que nos preocupar em deitar coisas foras. Havia sempre um cantinho para guardar qualquer coisa. Um armário, uma arca, uma cómoda. Numa casa assim as festas de aniversário ganhavam outra dimensão, com uma manada de crianças em movimento de uma divisão para a outra. Tínhamos as bonecas todas expostas em estantes e a casinha sempre montada com a cozinha, o cabeleireiro, o quarto. Nunca nos chateávamos uns dos outros, nem mesmo quando a adolescência chegou, porque podia estar cada um no seu canto. Era a casa ideal para receber os amigos. Por mais barulho que fizessemos na sala não se ouvia nada no quarto, nem vice-versa. O pior foi quando os cantos começaram a ficar vazios. Aos poucos. Primeiro foi a minha irmã. Depois eu. Depois a avó. E o avô. E agora chegou a vez dos meus pais. As dez assoalhadas tornaram-se grandes demais para eles e eles, resignados mas contrariados, estão a mudar-se para um apartamento. Lentamente. Resistindo cada dia. E onde é que eu vou pôr aquele móvel? Mas tens a certeza que queres mesmo deitar fora os livros da primária? Será que os tachos vão caber na cozinha? Alguém consegue imaginar a tralha que se acumula ao longo de mais de 30 anos na mesma casa? Os meus pais vão mudar-se e a mim, que já lá não moro há mais de quinze anos anos, que até já tenho uma casa a que chamo minha, que sei que esta é a decisão mais racional e sensata, a mim custa-me, o que querem que diga? Não é por deitarem fora a roupa que eu deixei para trás, para quando lá fosse ao fim-de-semana, mesmo sabendo que nunca a iria usar. Não é por deixar de ter a minha cama, pois se já há muito tempo que tinha trocado o meu quarto de miúda pelo quarto das visitas, com cama de casal. Não é por deitarem para o lixo os bibelôts que me ofereceram quando eu tinha 12 anos e os postais de parabéns que recebi ao longo de uma vida e a minha colecção de calendários, três dossiers pesadíssimos, ou as bonecas de que já não me lembro o nome. É por tudo isto junto. Pela tralha e pelas memórias e pelo facto de aquela ter sido a nossa casa. Nossa. Não era a casa dos meus pais, era a nossa. Mesmo quando eu deixei de saber onde era a gaveta dos talheres e me surpreendia por encontrar roupa desconhecida no meu guarda-fato. Mesmo assim. Era ali que eu sabia de cor o lugar dos interruptores e até podia, se quisesse, optar por não acender nenhuma luz e ir do quarto à cozinha, descendo as escadas, sem tropeçar em nada, nem nos móveis nem nas portas, sem fazer barulho, sem ter medo de monstros escondidos, dando passos determinados na escuridão. E isso só conseguimos na nossa casa.

publicado às 22:54

07
Dez07

Mudanças 3

Precisava de um livro. Procurei na estante, revolvi as caixas que ainda estavam fechadas. Voltei a procurar na estante. E a revolver as caixas. Quase desesperei. Haveria mais caixas com livros no outro quarto? Sinto-me perdida na minha própria casa. Tenho que ir ao Ikea comprar prateleiras e arrumar o escritório de uma vez por todas. Está decidido. Depois do Natal, bem, o mais certo é que seja depois do ano novo, mas está decidido, logo que tenha tempo vou comprar prateleiras. Posso não saber onde estão os sapatos mas não conseguir encontrar o principezinho é um pouco demais.

publicado às 11:09


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