Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]


Dez anos.

Dizer o quê? 

Estar sozinha com filhos é difícil. Não vale a pena desvalorizar isso. É difícil por motivos logísticos e emocionais. É exigente de muitas maneiras. E aviso já que não melhora quando eles crescem. Quero dizer, sim, melhora numas coisas, mas piora noutras. Eu achava que já dominava a cena e depois veio a adolescência e depois veio a pandemia e depois. Estar sozinha com filhos é difícil, sobretudo se o pai for ausente e não houver semanas partilhadas nem nada disso. Se nos perguntarem, a gente diz que está tudo bem, e está, e põe fotos bonitas no instagram e somos tão convicentes que as outras pessoas até acreditam que é fácil. Mas não se iludam, é muito difícil. 

Educar filhos é difícil de qualquer maneira, sozinha piora um pouco. Porque não há ninguém com quem partilhar. Não há folgas. Não dá para ir ali apanhar ar e já venho. É necessária muita organização. Não acho que faça sacrifícios pelos filhos, não lhes chamo sacrifícios, limito-me a fazer o que acho correcto, o que escolho fazer. Mas sei que é importante definir muito bem as nossas prioridades e estar disposta a acordar às sete da manhã de um domingo para ir a um jogo de futebol e depois correr para deixar o outro numa festa de anos e depois correr para ir buscar um e depois o outro e pelo meio ir às compras e fazer o almoço e manter a calma porque ainda temos de estudar as equações de segundo grau. E é difícil porque és só tu, para decidir, para conversar, para zangar e para dar colinho, és só tu e não há ninguém com quem dividir dúvidas e preocupações e frustrações. És só tu para tudo. É muito pesado.

E ainda há a culpa. Ah, pois, a culpa, essa maldita que atormenta a vida de todas as mães mas que, estou em crer, atormenta mais as mães sozinhas. A culpa por não ter escolhido um pai melhor para eles. A culpa por não lhes ter proporcionado uma vida familiar estável. A culpa por não conseguir ser melhor, por não lhes poder dar tudo o que gostaria (e não estou a falar só de coisas materiais mas outras coisas, como tempo ou paciência). A culpa não vai passar nunca, pois não?

Estar sozinha é difícil. Há os amigos, há a família e são todos importantes e maravilhosos e ainda bem que existem. Mas é legítimo que queiramos ter alguém especial na nossa vida. Porque é bom ter com quem conversar conversas de adulto ao fim do dia e é bom ter com quem ir jantar fora e ir ao teatro sem ter que andar a ver qual é a amiga solteira que vamos chatear esta sexta-feira, é bom ter alguém que gosta de nós e nos dá miminhos, é bom gostar de alguém e sentir aquela vontade de fazer essa pessoa feliz. Podemos viver sem isso, que podemos, mas é melhor quando se tem. E não é fácil ter tempo e disponibilidade mental e emocional para arranjar alguém quando se está sozinha com os filhos. Ou então sou eu que sou muito esquisita (o que é verdade) e não tenho lá muita sorte (o que também é verdade) e se calhar não sou uma pessoa muito gostável (o que pode ser verdade) e depois o tempo passa e cada vez parece mais difícil. Apetece desistir mas cá dentro não consigo desistir. É como se faltasse sempre qualquer coisa.

Reparo agora que a palavra que mais vezes escrevi neste texto é "difícil". E é verdade. É difícil. Mas não é só difícil. Não posso ser injusta. Também aconteceram coisas muito incríveis e muito boas na minha vida, muitas delas com os meus filhos e outras tantas sem eles. Não tenho dúvidas de que por estarmos só os três existe entre nós uma relação super-especial e íntima. Mesmo quando foi mais difícil. Mesmo no meio das correrias e das zangas e das febres e dos choros e das idas às urgências e dos trabalhos de casa e da playstation e de todas as angústias, conseguimos, ainda assim, viver momentos mesmo fixes. Além disso, tenho que reconhecer que sou uma pessoa muito privilegiada e que, apesar de tudo ser tão difícil, consegui manter uma vida social minimamente aceitável e estar com muitas das pessoas que são importantes (e até outras que nem por isso) e fazer muitas das coisas que gosto de fazer. Com esforço, sim, com sentimentos de culpa vários, claro, mas não posso dizer que tenham sido dez anos maus, que não foram, não foram mesmo. 

Passaram dez anos. Nunca, nem por um momento, me arrependi de ter tomado a decisão de me divorciar. Por mais difícil que seja a vida assim, sei que teria sido muito mais infeliz (e não teria sido necessariamente mais fácil) se tivesse continuado casada. Tenho muitas dúvidas sobre muitas coisas, e sobre mim, mas disto tenha a certeza.

Seguimos, sorrindo.

dois.jpg

publicado às 08:18

18
Nov21

Casamentos

Scenes from a Marriage, a série da HBO com Jessica Chastain e Oscar Isaac, não é, ao contrário do que o título indica, sobre um casamento mas sim sobre um divórcio. Algo que também acontecia, aliás, com Marriage Story. Acho isto curioso.

Gostava de ter gostado mais destas cenas de um casamento. Os actores estão óptimos - e são lindos, os dois - e é tudo muito bem feito, os cenários, os diálogos, a realização claustrofóbica. O primeiro episódio até começa bem. Sentimos perfeitamente que aquela relação tem problemas embora todos digam que são felizes. Mas, depois, não sei, fui-me desligando daquelas personagens demasiado confusas, sem saberem bem o que querem, incongruentes até. Deve ser um problema meu que já estou numa fase da minha vida em que não tenho grande paciência para dramas (acho que nunca tive, mas agora tenho ainda menos, suponho). Comecei a enervar-me com as personagens que ora sim, ora não, ora nim. O quarto episódio, então, foi um martírio. E no quinto já estava mais do que aborrecida a desejar que aquilo acabasse.

(Também dispensava perfeitamente as cenas no backstage, não percebi qual era o objectivo, acho que não sou suficientemente intelectual para alcançar.)

publicado às 18:59

10
Mai21

Nove anos

Bernardo Sassetti (1970-2012)

Haverá um ano em que deixamos de contar os anos? Talvez. Mas isso não quer dizer que esqueçamos.

Há feridas que, mesmo cicatrizadas, deixam marcas que são para sempre.

publicado às 09:42

10
Mai20

Oito anos

Bernardo Sassetti (1970-2012)
Noite (Alice)

publicado às 13:57

21
Jul19

Privilégios

O vídeo aparece de vez em quando partilhado nas redes sociais. A primeira vez que o vi (há uns dois anos?) doeu-me a alma mas ainda estava na fase do não querer acreditar que isto ia ser mesmo assim. Da última vez que o vi (na semana passada) já não consegui evitar emocionar-me. A "corrida do privilégio" começa com todos os jovens alinhados mas, antes de ser dada a partida, o juiz faz algumas perguntas a que cada um deve responder. Se a resposta for positiva, dão dois passos em frente. Se a resposta for negativa, ficam no mesmo lugar. São perguntas sobre privilégios (do tipo: se estudaram em escolas privadas, se estão sempre seguros sobre a próxima refeição, etc.). No final, há uns que estão mais à frente, outros que ficaram lá para trás. E esta corrida - que é a vida - ainda nem começou. Há um grupo de jovens que ainda nem teve que fazer nada e já está em vantagem. É isso o privilégio. Isto já seria coisa para mexer com o meu coração de esquerda mas o que me doeu mais foi que as perguntas começam assim:

Dêem dois passos em frente se...

1) os vossos pais ainda são casados

2) cresceram com uma figura paterna em casa

Portanto, à segunda pergunta os meus filhos já ficaram bem para trás.

(momento para engolir em seco e ter aquele sentimento de culpa)

(seguido de momento para acordar para a vida e dizer culpa de quê? quem tem de sentir culpa não és tu, tu estás aqui todos os dias)

(seguido de momento para arregaçar as mangas e continuar em frente)

Cá em casa corremos atrás do prejuízo. Permanentemente. Já há uns tempos que tenho plena consciência disso. Não é fácil. As coisas nem sempre são como eu gostaria. Às vezes temos assim uns tropeções e uns trambolhões. Mas damos o nosso melhor. E não desistimos nunca.

publicado às 22:11

10
Mai19

Sete anos

bd6c956b33f1c087a091ae4d56bf475a.jpg

publicado às 18:46

05
Nov18

To be alone

“You have to have a very strong sense of yourself to be alone,” she says. “It’s hard work and I don’t recommend it. It’s not like you can have a lovely moment sitting over a cup of coffee discussing the ordinary pleasures of everyday life.”

Chrissie Hynde, dos Pretenders, a dizer verdades, outra vez.

É isto mesmo. Às vezes, comento que passo muito tempo calada. As pessoas não acreditam. Tu? Calada? Tu? Aquela que está sempre a rir? Pois claro. Calada. Hei de falar com quem? Tirando aqueles momentos, quando estamos à mesa e converso com os meus filhos, querem que fale com quem? Caladinha. Um domingo inteiro. A ver chuva lá fora. E a arrumar as peças do puzzle na minha cabeça para não dar em maluca. Uma pessoa tem mesmo de ter a cabeça arrumada para conseguir estar sozinha. E isso, como ela diz, dá muito trabalho.

publicado às 00:03

10
Mai18

Seis anos

Não chorei. Desliguei o telefone e não chorei. Passei a noite em claro. Não dormi um minuto que fosse e, depois, às sete da manhã fui tomar banho e acordar os miúdos e levá-los à escola como se não se passasse nada. O pai ficou a trabalhar, disse-lhes, ou outra coisa do género, e eles acharam normal porque já era normal o pai não estar. Lembro-me que caía uma chuvinha parva e eu andei muito a pé. E depois de ter a certeza que as coisas eram como eram e de perceber como as coisas seriam daí para a frente, só depois disso, fui para casa e chorei. O telefone entupido de chamadas perdidas e mensagens de amigos a falarem-me do Bernardo Sassetti. Também eles choravam. Há pessoas que morrem mas que na verdade continuam vivas em nós. E também há pessoas que continuam vivas mas que na verdade morrem para nós. Limpei os olhos e fui buscar os miúdos à escola. Estava estranhamente tranquila naquele momento, enquanto caminhávamos pela estrada de benfica e falávamos da escola, da festa do amigo do Pedro no dia seguinte e das coisas do costume.

Como nos espectáculos, a vida tem sempre de continuar.

E continuou.

Somos capazes de até ter dado umas gargalhadas.

publicado às 09:58

Ainda a propósito do filme de Clint Eastwood. Dois dos rapazes da história vivem só com as mães. Quando começam a ter problemas na escola, os professores dizem-lhes que talvez se trate dos efeitos da ausência do pai. Estatisticamente, os filhos de pais sozinhos têm mais problemas na juventude, diz uma professora. O meu deus é maior do que as suas estatísticas, responde uma das mães. Os rapazes têm de facto vários problemas na sua juventude. Mas, no final, a boa formação acaba por se revelar no momento em que põem em risco a própria vida para evitar um massacre.

A verdade, porém, é que a estatística é bastante lixada para as crianças que crescem em famílias monoparentais.

Entre outras coisas: 

Statistically, a child in a single-parent household is far more likely to experience violence, commit suicide, continue a cycle of poverty, become drug dependent, commit a crime or perform below his peers in education. (EUA, 2012)

Children from broken homes are almost five times more likely to develop emotional problems than those living with both parents, a report has found. Young people whose mother and father split up are also three times as likely to become aggressive or badly behaved, according to the comprehensive survey carried out by the Office for National Statistics. (UK, 2008)

Children of single-parent households are more commonly involved in delinquent activities than those living in two-parent households. With the parent working one or more jobs to provide for the family, adolescents have more opportunity to be without supervision and to engage in delinquent acts, such as alcohol and drug consumption, violence, truancy and property crime. Research published in the “Journal of Research on Adolescence” by Cynthia Harper found that adolescent males who live in father-absent households are more at risk for delinquency and youth incarceration than those living in father-mother households. (EUA, 2015)

Portanto, para além de todas as dificuldades logísticas e emocionais inerentes ao facto de estar sozinha com os putos e da adolescência que nunca é fácil em nenhuma família, ainda tenho que estar mais super-alerta porque há mais factores de risco nesta equação. E o que é pior é que isto é palpável a cada dia que passa. Ainda no outro dia tive uma conversa parecida com a do filme com uma professora que me perguntou pela existência de uma figura paternal cá em casa. Infelizmente não sou religiosa e não tive como lhe garantir que contava com a ajuda de deus para conseguir dar conta do recado. A única coisa que posso garantir é que farei o meu melhor.

E que darei luta. Sozinha. Contra a estatística. 

publicado às 10:59

10
Mai17

Cinco

Penso sempre no Bernardo Sassetti neste dia.

(Sassetti toca Alice)

publicado às 15:54


Mais sobre mim

foto do autor