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A primeira coisa que me impressionou em A Sala de Professores, o filme de Ilker Çatak, foi a escola. Uma escola alemã com tão boas condições. Sem janelas partidas, sem portas estragadas. Um ginásio bonitinho. Uma sala de aulas agradável. Sem pavilhões pré-fabricados nem amianto. Uma escola verdadeira em Hamburgo. Com muitas bicicletas. Uma escola que disponibiliza produtos higiénicos para as raparigas (num contraste absoluto com as nossas escolas onde muitas vezes nem papel há nas casas de banho). Depois, é inevitável simpatizarmos com aquela professora (interpretação de Leonie Benesch), tão novinha mas tão disponível, com tanta vontade de agir bem e de fazer o melhor pelos seus alunos. E, depois, quase sem darmos por isso, por causa de uns roubos que acontecem na escola e da investigação para tentar descobrir quem será o responsável, aquilo transforma-se quase num thriller e só queremos que acabe depressa porque parece que a cada cena as coisas tendem a correr pior. Sabem aquela expressão "de boas intenções está o inferno cheio"? Acho que se aplica bem aqui. No filme não há moralismos. Só acções e suas consequências. 

Mas, apesar da tensão toda, já agora aproveitávamos e reflectíamos um pouco sobre as escolas que temos e como gostaríamos que fossem, em especial no que toca às relações de poder que existem e aos preconceitos que estão por trás de alguns comportamentos. Além desta necessidade urgente, que toda a gente sente hoje em dia, de fazer julgamentos.

A categoria de Melhor Filme Internacional é sempre uma das mais interessantes nos Óscares e este ano não é excepção. Não vi o filme espanhol, A Sociedade da Neve, de J.A. Bayona - sim, está na Netflix, mas não consegui encontrar o mood certo para mergulhar neste filme, talvez mais tarde, logo se vê - mas todos os outros são óptimos e até tenho dificuldade em dizer de qual gostei mais. Além deste A Sala de Professores, também gostei muito de Eu, Capitão, Dias Perfeitos e Zona de Interesse

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publicado às 22:54

Recebemos as directrizes para mais uma maratona de ensino à distância. Desta vez já é a sério, dizem-nos as directoras de turma. E, como tal, os horários à distância são exactamente iguais aos horários presenciais. Ou seja, os miúdos têm um bloco de cinco horas por dia de aulas no computador e há pelo menos dois dias por semana em que há mais um bloco de uma hora e meia de aulas. Os intervalos são de dez minutos. Isto sem contar com o tempo para fazer trabalhos de casa ou ter explicações, também em videochamada. 

Tem tudo para correr bem, não tem?

Parece que ninguém se lembrou que o nível e tempo de concentração online é muito mais reduzido. E que em casa, sozinhos, em frente ao computador, os miúdos não têm momentos de relaxamento a falar com os amigos, a apanhar ar e a parvejar todos juntos. 

Já para não falar do cansaço extremo que isto vai implicar para os professores.

Qualquer pessoa que já tenha participado em reuniões por zoom sabe que estes horários são de loucos. Menos o ministro da Educação, claro, que continua fechado no seu gabinete e a dizer que está tudo a correr maravilhosamente.

Ah, e também tivemos de comprar mais um computador. Estive até agora à espera dos tais computadores anunciados para todos os alunos mas... nada. Nem de uma escola nem de outra. Ainda estão à espera de computadores para os alunos mais carenciados, portanto quando chegarem à classe média já os putos devem estar à procura de emprego ou assim.

Nem acredito que estamos outra vez a ter esta conversa.

publicado às 11:07

ci·da·da·ni·a
Qualidade de cidadão.
 
ci·da·dão
1. Indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um estado livre.
2. Habitante de cidade. = CITADINO
3. Que é relativo aos indivíduos de um estado livre no gozo de direitos civis e políticos = CÍVICO
 
i·de·o·lo·gi·a
1. Ciência da formação das ideias.
2. Tratado sobre as faculdades intelectuais.
3. Conjunto de ideias, convicções e princípios filosóficos, sociais, políticos que caracterizam  o pensamento de um indivíduo, grupo, movimento, época, sociedade (ex.: ideologia política).

(do Dicionário Priberam)

Diz a famosa petição que "a disciplina de cidadania e desenvolvimento aborda assuntos que abusivamente se podem substituir aos pais na educação dos filhos, o que é inconstitucional". De acordo com as explicações que li por aí, a escola deve limitar-se a ensinar os factos, a ciência, sem transmitir qualquer ideologia.

Sobre isto tenho três coisas a dizer:

1. Eu gostava que me explicassem como é possível educar (ou sequer viver) sem ideologia.

A escola pública, como todas as escolas, está impregnada de ideologia. E ainda bem. Ensina-se ali a ideologia que está explícita na nossa Constituição e em toda a legislação (nada do que é ensinado na escola, seja sobre ecologia, regras de trânsito, igualdade ou casamento contraria as leis em vigor). Assim como a ideologia que está expressa na Declaração dos Direitos Humanos. Ensina-se a ideologia que é dominante ou aceite no momento. E que vai mudando, com o tempo. Porque as sociedades e os pensamentos vão evoluindo (nem sempre para melhor, mas pronto, isso já é outra conversa). A ideologia está presente nas aulas de História, de Ciências, de Português, de Cidadania e provavelmente até nas aulas de Educação Física e de Educação Visual. 

2. Não sei se já viram o programa de cidadania - deviam ir ver antes de falar. Eu, que acompanho de perto as aulas dos meus filhos, posso garantir-vos que a disciplina tem servido para eles tomarem contacto com ideias radicais e subversivas, como por exemplo perceber porque é que não se deve fazer bullying, como usar a internet em segurança, porque é que temos de lavar bem as mãos para nos protegermos do coronavírus, e outras coisas assim altamente controversas. 

3. Embora não o digam explicitamente, o problema dos senhores da petição não é com a cidadania nem sequer com a ideologia. O problema é com o sexo. É sempre. O sexo, esse grande papão.Tenho uma certa pena destas pessoas. Coitadas. São pessoas que acham que vestir um bebé de cor-de-rosa pode influenciar a sua orientação sexual. Ou que explicar aos adolescentes como se usa um preservativo pode fazer deles uns prevertidos. Deve ser muito triste viver assim, no pânico de ser contagiado por uma ideia mais arejada apenas com uma aula de 45 minutos por semana que lhes vá estragar todo o investimento no bolor com que estão a encafuar a cabeça dos filhos.

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publicado às 13:55

Estamos a dias do fim das aulas. Finalmente. Os miúdos estão oficialmente fartos da escola e esta semana já está a ser muito difícil convencê-los a trabalhar. Mas, respiremos, está quase.

Desde o início, fui muito crítica deste sistema de telescola. Por vários motivos. Desde as questões práticas (ter computadores, internet e espaço de trabalho para todos) até às questões familiares (isto só é possível com pais que tornam o ensino viável) e, sobretudo, porque me parece que este sistema pode até funcionar com alguns bons alunos (que os há e devem ser incentivados) mas é insuficiente para todos os outros e aprofunda ainda mais a já grande desigualdade social que existe nas escolas.

Está tudo explicado NESTE post e ainda NESTE, NESTE e mais NESTE.

Ainda assim, acho importante voltar ao assunto, em jeito de balanço. 

Para mim, o grande erro foi cometido logo no início. Aquela ânsia de continuar, de não dar descanso aos preguiçosos dos professores e aos ainda mais preguiçosos alunos, de continuar as aulas e os programas como se tudo estivesse dentro da normalidade. Não houve sequer um momento para parar e pensar nas circunstâncias especiais em que estávamos (estamos) todos. Dos efeitos que uma pandemia e que um confinamento prolongado poderiam ter nas nossas vidas. Nada disso. O mundo pode parar mas a escola continua, dê lá por onde der. Distribuam-se computadores e ensine-se os professores a usar o zoom e siga. Como se fosse assim fácil. 

Portanto, isso é o que deveria ter sido feito naquelas duas semanas no fim do segundo período. Parar. Pensar. Estabelecer prioridades. Equacionar soluções. Dar orientações às escolas e aos professores.

Do meu ponto de vista, o Ministério da Educação preocupa-se excessivamente (não é de agora, é de sempre) com aquilo que não deveria ser uma prioridade: cumprir programas e fazer avaliações. E preocupa-se de menos com a educação entendida de uma maneira abrangente: na formação de pessoas que estão a crescer, no seu enriquecimento intelectual e emocional. A escola não deveria ser um sítio onde se empinam calhamaços e conceitos que se despejam em exames para obter graus académicos. A escola deveria ser um lugar de aprendizagem, de crescimento. Sobretudo para aqueles que têm na escola a sua única (ou principal) forma de aprender e de cumprirem os seus sonhos. 

Posto isto, a primeira coisa que deveria ter sido feita era suspender os programas e as metas curriculares. Já que estão sempre a dar tudo a correr, olha que bom momento para parar, para consolidar as matérias já dadas, explicar outra vez, com calma, aquilo que se deu à pressa em janeiro. Retirar aos professores esse fardo - dando-lhes a autonomia para, se quisessem, se vissem que tinham condições e que os alunos respondiam positivamente, poderem de facto dar matérias novas. Mas nunca fazendo disso uma obrigatoriedade. 

E depois dar indicações aos professores para serem, naquele primeiro momento, mais do que tudo, facilitadores, comunicadores, companheiros em vez de serem professores de matemática ou de química. Sinceramente. Em cada nível de ensino deveria ter havido essa preocupação. Antes de mais, de perceber como estão os miúdos - como estavam eles a viver esta situação e o que poderia ser feito para ajudá-los. São crianças e adolescentes e jovens fechados em casa, privados das suas rotinas, dos seus amigos, das suas brincadeiras e dos seus desportos. Como é que os professores, atrás de uma câmara, poderiam ajudar? (e ajudar também as suas famílias - porque os miúdos estão em casa com irmãos, com pais, com outros familiares e todos eles estão a viver os seus próprios dramas, todos juntos, ou não).

A seguir: ter plena noção de que dar aulas à distância não é como dar aulas presenciais e, portanto, não insistir em querer fazer tudo igual. As aulas não podem ser dadas da mesma maneira, os trabalhos não podem ser os mesmos, têm de ser outros. Sozinhos em casa, sem a supervisão do professor, sem colegas, sem horários, os miúdos não podem sentar-se a ler manuais e a responder a fichas. Não resulta, ok? Talvez precisem de ver filmes, de fazer desenhos, de fazer trabalhos de pesquisa, de fazer jogos, não sei, os especialistas em pedagogia que se pronunciem, mas sei que não se pode tentar reproduzir o método de trabalho da sala de aula em casa. 

E ainda: não teria feito mal nenhum esquecer as matérias que estão nos currículos e falar com os miúdos do que realmente interessa que é isto que estamos a viver. Desde explicar-lhes o que é um vírus e porque é que estamos em casa, até discutir com eles os efeitos do fechamento económico e do isolamento, sei lá, dependendo da idade e da disciplina, este é um assunto que dá pano para mangas. Pô-los a pensar no mundo em que vivemos. (E talvez, quem sabe, isso ajudasse a que hoje não houvesse tantos miúdos na rua, sem qualquer sentido de responsabilidade)

Assim como foi sinto que foi um enorme desperdício. Que se aprendeu pouco. Muito pouco. Fosse da matéria ou de outra coisa qualquer. 

Os erros foram cometidos. Resta-nos tirar as devidas lições e esperar que durante este tempo - em que alunos, professores e pais se esfalfaram para fazer cumprir os planos mirabolantes dos senhores sentados no Ministério da Educação - esse senhores tenham aproveitado para pensar como vai ser em setembro (eu sou uma eterna optimista).

Estamos em junho. Os miúdos estão em casa há mais de três meses (em muitos casos, famílias inteiras estão em casa desde essa altura). Faltam ainda mais três meses de férias (dos alunos, não dos pais) em que, pelo que se vê, deveremos continuar todos em casa. Miúdos entregues a televisões, computadores, tablets, telemóveis e playstations, praticamente 24 horas por dia. Sem poderem ir passar umas semanas com os avós ou sequer brincar com os amigos. Não sabemos que efeito isto vai ter nos miúdos e nas famílias (em todos nós). Mas sabemos que temos de agir rapidamente para que não seja ainda mais catastrófico.

publicado às 11:05

A professora de matemática do meu filho que está no 6º ano dá, todas as semanas, cinco aulas de 45 minutos cada. Duas síncronas (ou seja, em videochamada) e três assíncronas (ou seja, trabalho autónomo dos miúdos em casa).

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Vocês já experimentaram assistir a uma das aulas síncronas dos vossos filhos? Eu evito. Porque é penoso. Há sempre algum miúdo que não ouviu ou que está distraído ou que não tem rede ou qualquer coisa. O meu filho, por exemplo, distrai-se com uma mosca. Às vezes, entro na sala, e ele está ali, de phones nos ouvidos, muito quieto, mas com o olhar perdido no horizonte. Completamente a leste. Imagino que na sala de aula também seja assim, com a diferença que aqui ou sou eu ou não há ninguém que o traga de volta à realidade. A professora, coitada, dá o seu melhor. Apresenta uns powerpoint ou mostra uns vídeos, lá explica a matéria, dá uns exemplos, sempre a ser interrompida, ò professora, não ouvi, ò setôra, pode repetir?, ò professora, o não sei quantos tem o microfone ligado. Se se aproveitarem 20 minutos da aula já é bom. Tempo em que estão a dar matéria nova - claro. Todas as aulas há matéria nova.

Depois, fazer exercícios, praticar e consolidar tem de ser nas tais aulas assíncronas. Ora bem, são miúdos de 12 anos. Estão a imaginá-los a trabalhar sozinhos, concentrados, durante 45 minutos? (45 minutos para esta disciplina mais 45 para outra e mais 45 para outra...) Não sei como são os vossos, mas o meu e outros que conheço têm muita dificuldade nisto. E o mais provável é que em vez de 45 minutos demorem uma hora e meia a fazer o que tem de ser feito (ou desistir a meio). Tem de haver um adulto por perto que diga, vá, fica sentado, vá, lê lá o exercício, vá, agora presta atenção. Portanto, mesmo que o trabalho em si seja autónomo e o miúdo faça tudo sozinho, precisa de um "capataz" - esta é uma das minhas funções neste sistema de telescola.

Superado este problema, vem o problema seguinte. Há matérias que são mais simples, outras mais complexas. Escolhi o exemplo da matemática porque me parece ser das mais complicadas para se estudar sozinho. Porque para eles trabalharem autonomamente têm de ler o manual e entender o que está lá escrito. Ora ler os manuais de matemática é uma tarefa árdua. Vejam só:

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A matéria em si não é extraordinariamente complexa. E eu nem sequer estou a dizer que os manuais são maus. Estou só a dizer que não são feitos para serem lidos autonomamente por miúdos de 12 anos. O mais provável é que os miúdos leiam isto e lhes pareça chinês e desistam. Portanto, mais uma vez, é preciso um adulto que, mesmo que não seja barra a matemática, perca uns minutos a olhar para estas páginas e a decifrar o que ali está escrito para depois explicar ao aluno. Sim, ler e "traduzir" manuais e explicar as matérias é outra das minhas funções por estes dias. 

Matéria entendida, passamos aos exercícios. Ali está o puto a fazer contas com mais e menos, números inteiros e fracções, parêntesis curvos e retos e de valores absolutos (estes só aprendi este ano, nunca é tarde para aprender coisas novas) e depois vai ver as soluções porque tudo é feito em sistema de autocorrecção, o que também é uma coisa que resulta muito bem com os miúdos desta idade. Se calha de o exercício estar certo, óptimo. Se estiver errado... ora bem, é preciso ir ver toda a operação até encontrar o erro, que pode ser só um sinal errado, uma coisa de nada que estragou tudo. Mas a questão é: quem é que acham que faz isso? Os putos? Não, claro. São os pais. Assim como são os pais que pegam em todas as "propostas de resolução" de todos os trabalhos que todos os professores mandam e vão verificar se o trabalho dos seus filhos está certo ou errado. Eu percebo, claro, os professores não têm capacidade para corrigir individualmente aquela quantidade enorme de trabalho que pedem aos alunos (que, se fosse feito em sala de aula, seria corrigido no quadro), mas alguém tem de o fazer, ou acham mesmo que são os alunos que autocorrigem todos os seus trabalhos? Corrigir os trabalhos, chamar a atenção do puto para os erros que fez e explicar-lhe como fazer bem é também minha função neste sistema.

Isto digo eu do meu lugar de mãe privilegiada que (1) graças ao layoff (todas as coisas más têm um lado bom) tem tempo para acompanhar os trabalhos do seu filho mais novo e (2) tem estudos e capacidade para ajudar com alguma facilidade. É preciso nunca esquecer que há pais que não têm estas condições e que, só por isso, esses alunos já estão em desvantagem neste sistema.

Mas nem tudo são más notícias. O Pedro informou-me esta semana que já chegaram ao último capítulo do manual de matemática e que, portanto, vão conseguir dar a matéria toda. Em história e ciências também vão lançados, quase, quase nas últimas páginas. Não se preocupem. No final do ano, os relatórios dos professores vão ser maravilhosos, com todas as metas curriculares cumpridas, e os senhores do ministério podem fazer "check" nos seus objectivos.

Os pais, esses, vão dar em malucos. Mas isso não interessa nada.

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publicado às 15:17

As aulas do meu filho mais velho, que está no 10º ano, têm sido TODAS assim:

Os professores mandam lindas mensagens, na classroom ou no mail, a anunciar bom dia, meus queridos hoje vamos estudar *qualquer coisa*, vejam por favor o manual da página x à página y. Depois, no dia seguinte, perguntam: já leram? têm dúvidas? Resolvam agora os exercícios da página z. E há uns que mandam mais uns power point ou uns pdf. E no dia seguinte mandam uma ficha ou um questionário ou outra coisa qualquer para eles fazerem e mostrarem que estão a acompanhar. E depois concluem: muito bem, agora que já terminámos esta unidade, vamos avançar para a unidade seguinte.

Juro. 

É isto.

E com este método fantástico os miúdos já deram a guerra entre absolutistas e liberais e estão agora a dar o setembrismo e o Costa Cabral (em História), também já deram montes de coisas sobre a inflacção, em Economia, e agora estão a dar "A atividade produtiva e a formação dos rendimentos; Rendimento e valor acrescentado. A repartição funcional dos rendimentos. A remuneração do trabalho. O salário. A remuneração do capital – renda, juro e lucro. Rendimentos primários e seus destinatários." (estou a copiar o sumário de uma das aulas); em Filosofia tem sido um ver-se-te-avias  com direito, ética e política, Kant e John Stuart Mill, e agora belos textos sobre o contratualismo e o naturalismo. E por aí fora. 

Tudo coisas simples, como se vê. Tudo assim, com textos que, como devem imaginar, todos os alunos lêem com a maior das atenções e todos entendem, claro. Raramente há alunos a dizer que têm dúvidas. Imagine-se. E os professores acham isto normal. Já leram? Óptimo. Se não leram, paciência. Avançamos. Sem explicações, sem debate, sem cá conversas, que os professores servem é para dar textos e material de apoio, não sabiam? Pois, eu também não.

Quantos alunos vão efectivamente aprender alguma coisa? Três ou quatro em cada turma? Provavelmente só aqueles bons alunos que se interessam realmente pela escola e que têm objectivos definidos. Muitos deles neste momento já desistiram de acompanhar. E a grande maioria está a cumprir os mínimos, a ler os textos na diagonal, a responder mal e porcamente aos questionários, a dizer "bom dia, professora" para marcar o ponto virtual ao mesmo tempo que diz piadas no chat da turma no WhatsApp.

Se já antes era complicado, agora então é ainda mais difícil ensinar o que quer que seja. Se já antes, eu tinha dúvidas (mil dúvidas) sobre esta escola que temos, agora eu já não tenho dúvidas, tenho certezas.

Repito as palavras que escrevi no outro dia e vou repeti-las as vezes que forem necessárias:

Na escola da pandemia, o importante é poder escrever no sumário que a aula existiu e que a matéria foi dada. O importante é cumprir os objectivos de secretaria. Os alunos são meros figurantes nesta fantochada.

Isto não é escola. Isto não contribui em nada para a vida dos alunos. Isto não serve para nada. Isto é uma perda de tempo.

É uma palhaçada. 

publicado às 11:09

Voltamos ao assunto? Voltamos, pois, é necessário voltar, agora que já sabemos exactamente o que é isto e como é que funciona, temos que voltar. E denunciar todas as absurdidades que estão a acontecer. 

Comecemos por aqui:

As aulas de educação física do mais novo. Começaram por ser videochamadas com aulas teóricas, o professor a mostrar slides sobre aptidão física e a mandar-lhes questionários para eles resolverem. Os putos rapidamente se fartaram. Na última aula, a videochamada resumiu-se a "bom dia, estás bom? hoje não há aula, vou só marcar a tua presença e podes sair". E pronto. Para quê? Com que objectivo? O que é que estamos a ensinar aos miúdos com isto? Que temos de ser obedientes e picar o ponto, mesmo que isso não sirva para coisa nenhuma?

As aulas de educação física do mais velho são igualmente hilariantes. A professora manda vídeos a explicar exercícios e pede aos miúdos que pratiquem e façam um vídeo. Por exemplo, as várias técnicas de manipular a bola no basquetebol, desporto que, como se sabe, eles estão proibidos de praticar. Para quê? Para os alunos praticarem exercício físico? Para se mexerem e manterem saudáveis? Não. Para provar que fizeram. Que são bem mandados e cumpridores e certinhos, que a gente não quer saber se tu sabes jogar basquete, a gente quer é que tu cumpras as ordens.

O importante é poder escrever no sumário que a aula existiu e que a matéria foi dada. O importante é cumprir os objectivos de secretaria. Os alunos são meros figurantes nesta fantochada.

Isto não é escola. Isto não contribui em nada para a vida dos alunos. Isto não serve para nada. Isto é uma perda de tempo.

É uma palhaçada. 

publicado às 10:23

Foi logo na segunda-feira. O ministro da educação avisou os professores de que as escolas fechavam mas eles não estavam de férias (deus nos livre de antecipar as férias da páscoa duas semanas, os calões dos alunos e dos professores iam-se ficar a rir de nós, não podemos deixar que isso aconteça), e os professores, obedientes, desataram a mandar mails para os pais, trabalhos para os alunos, fichas disto e daquilo, indicações para irmos à escola virtual e à google classroom e até, claro, a marcar avaliações, porque o país pode estar a entrar em estado de emergência mas ai jesus se não se fazem as avaliações que, como toda a gente sabe, é o grande objectivo do ensino em Portugal.

Antes de mais, quero deixar claro: eu não sou contra o ensino à distância nem o uso das novas tecnologias no ensino. Nada disso. Se é assim que tem de ser, vamos fazê-lo.

Mas vamos fazê-lo como deve ser. Não podemos ter num dia uma escola do século XIX, com turmas de 30 meninos obedientes, sentados a ouvir o mestre e a decorar matérias para fazerem exames e, no dia seguinte, uma escola moderna, com miúdos muito autónomos em suas casas a terem aulas virtuais e a estudarem sozinhos, felizes e contentes. Não é possível. Ou melhor, será possível para meia dúzia, mas não para a grande maioria.

A escola pública à distância precisa de condições - tecnológicas, mas não só. Precisa de novos métodos de ensino e novos materiais. Precisa que as famílias percebam como é que vai acontecer e como podem colaborar. Que se estabeleçam regras, orientações, metas. E que os alunos aprendam a ser alunos de uma maneira diferente. E isto leva tempo. Exige uma orientação superior e uma uniformização, ou corremos o risco de aprofundar ainda mais as diferenças sócio-económicas que já existiam antes.

Mas vamos por partes.

Os computadores.
Não estou a ver como será possível ter um ensino à distância sem computadores. Há os tablets e os telemóveis, certo. Todos podem assistir a aulas virtuais num telemóvel. Mas para fazer pesquisas e trabalhos, para escrever é preciso um computador. Nem todas as casas têm computador e, mesmo que tenham, é preciso ter em conta que há pais que precisam do computador para teletrabalhar e há famílias com vários filhos. Podemos estabelecer horários (como eu estou a fazer) mas se isto for para continuar não vai ser fácil. E não temos impressora, por exemplo. Quantas pessoas têm impressora em casa?

O básico: comunicação e orientação.
Ora bem, há os alunos que se interessam e os que não se interessam, há os pais que acompanham geralmente a escola dos filhos e o que não sabem quando é que eles têm testes. Sempre foi assim. A obrigatoriedade de ir à escola atenua (em parte) estas diferenças. Mas se mandam os miúdos para casa e, de um dia para o outro, sem qualquer informação prévia, os professores começam a fazer exigências aleatórias, sem se perceber bem o que está a acontecer, ora mandando mails aos pais, ora falando diretamente com os alunos, oram mandando fichas, ora pedindo vídeos, como garantir que a informação chega ao seu destino, que todos sabem o que está a ser feito, que estamos todos a remar para o mesmo lado? Se nem sequer os professores da mesma escola (nem sequer os da mesma turma) estão a trabalhar em conjunto, como garantir que todas as escolas estão a fazer o mesmo? E como garantir que se chega a todos os alunos? Há pais quem nem falam português, há pais que não têm mail, há casas onde não há internet. Há miúdos que recebem o trabalho e vão fazê-lo a correr, há outros que vão pura e simplesmente ignorar os trabalhos, outros que vão fazê-los contrariados depois de um raspanete dos pais. A gente zanga-se e insiste, temos que cumprir as nossas responsabilidades, explicamos. Mas afinal estes trabalhos servem para quê?, perguntam eles, e muito bem. Alguém explica? Vai ser assim o resto do ano? Os trabalhos são obrigatórios ou só para matar o tempo? Isto conta para a nota? É óbvio que não estando acautelado o princípio de igualdade não pode contar para a nota, mas se não conta para a nota como é que se convence os alunos mais preguiçosos a trabalhar? Ajudem-nos aqui, professores, há pais que até querem colaborar mas assim fica complicado.

Cada casa é diferente.
Além das habituais diferenças sócio-económicas, esta situação cria novas desigualdades. Há famílias onde só há uma criança, há famílias com três ou quatro ou mais crianças. Há famílias em que só há um adulto. Há pais que estão em casa sem trabalhar e que têm como principal tarefa nesta quarentena cuidar da sua família e da casa e da sanidade mental de todos. Já não é pouco, diria eu. Há pais que estão em tele-trabalho e que, a juntar ao anterior, ainda têm o stress de trabalhar a partir de casa. E depois há pais que continuam a trabalhar na rua, a sair todos os dias. Enquanto isso, os miúdos ficam sozinhos em casa ou estão com familiares. Conseguem imaginar o grau de ansiedade destas famílias? O caos que é a sua vida por estes dias? Mesmo que sejam miúdos atinados, mesmo que sejam pais dedicados. 

Os miúdos precisam dos pais para estudar?
Os miúdos têm idades e necessidades diferentes. Os mais pequenos precisam de acompanhamento e de ajuda, agora e depois - até mesmo no tempo da tele-escola, se bem se lembram, havia um professor que, depois de desligada a televisão, acompanhava o trabalho na sala de aula. Mas não só nem todos os pais têm disponibilidade para o fazer como nem todos têm a capacidade. Uma coisa é ensino à distância, outra é ensino doméstico. Não temos de ser todos professores dos nosso filhos (digo-o convictamente, apesar de eu até ser uma daquelas mães que ajuda os filhos a estudar quando é preciso e, se tivesse tempo, juro que seria mais presente). E os mais crescidos também precisam de ajuda, pelo menos numa primeira fase. Porque nem todos são assim tão autónomos nem tão responsáveis e porque é preciso aprender a trabalhar de maneira diferente. Mesmo. Ter método. Ter um horário. Ter um espaço de trabalho. Isto não é só juntar água e está pronto.

Os professores estão preparados?
Uns estarão, a maioria não. As aulas virtuais não podem ser iguais às aulas presenciais. Não podem ter a mesma duração nem podemos exigir que eles fiquem uma manhã inteira a olhar para o computador. E os materiais terão de ser diferentes (aconselho-vos a pegarem nos manuais dos vossos filhos e a lerem aquilo com atenção, são na sua maioria incompreensíveis). Se isto é para durar, tudo terá de ser diferente. As exigências terão de ser diferentes. Provavelmente os alunos nem conseguirão estudar tantas disciplinas nem irão cumprir as metas curriculares (e agora? será o caos e o horror e a tragédia. lol)

E o mais importante de tudo: é preciso ser razoável.
O país está parado, o mundo está parado. Estamos todos à espera de ver o que vai acontecer. Estamos a viver uma crise de saúde pública sem precedentes. Isto nunca aconteceu antes. E mais. Há famílias que estão a passar por enormes dificuldades nesta altura - e vai piorar. Pessoas que estão sem ordenado, que não sabem como vão sobreviver no próximo mês. As famílias estão fechadas em casa, sem sair à rua, os miúdos não podem brincar com os seus amigos, os pais estão a ficar deprimidos. Isto não é uma situação normal. Porque é que é assim tão importante que, nestas semanas de absoluto caos, os miúdos continuem a fazer fichas sobre verbos e a estudar as equações? 
Sou completamente a favor de ir dando alguns trabalhos aos alunos que os possam e queiram fazer. Ok, não conseguimos ir todos mas vamos tentar que o máximo de miúdos se junte a isto. Já sabemos que as elites estão mais bem preparadas para fazer face a este novo desafio mas vamos tentar que o fosso para com o resto da malta não seja ainda maior. Vamos tentar levar isto com alguma leveza, sim? Gostava que os professores se organizassem entre si e que pedissem trabalhos diferentes, talvez juntando matérias de várias disciplinas. Sejam imaginativos. Seria mais divertido para todos. Gostava que estes trabalhos servissem mais para estimular os alunos. Para os manter em contacto com a escola e com os colegas. Neste momento de tensão, isso seria uma ajuda aos pais.
E, por favor, parem de se preocupar com a avaliação. Estamos proibidos de sair de casa para ir ao café, e todos sabemos que a normalidade não vai voltar tão cedo. Acham mesmo que é agora o momento de marcar testes?

publicado às 15:21

Todos os anos, chego a esta altura do ano com aquela sensação de que não sei se irei aguentar mais um ano disto. Que atingi o limite das minhas forças. Todos os anos é mais difícil. Todos os anos há problemas novos. E discussões. E dores de cabeça. Todos os anos me sinto a pior mãe do mundo ao longo de nove longos meses. Todos os anos suspiro de alívio quando, finalmente, isto acaba - e acaba cada vez mais tarde. Desta vez só acabou esta semana com a publicação das notas dos exames do 9º ano e a confirmação de que o rapaz lá conseguiu ser "aprovado", porque ele quando se esforça até consegue, o problema é que na maior parte do tempo não lhe apetece esforçar-se muito. Portanto, prova superada. 

Para o ano logo se vê.

Até lá, respiramos.

A vida não fica perfeita só porque já não temos que pensar na escola mas fica mais leve, com menos obrigações, com menos stress, com menos motivos para nos zangarmos. É aproveitar. É aproveitar mesmo, o máximo possível, ainda que este ano a cabeça continue cheia de milhentas outras preocupações e a respiração se faça com dificuldade. Não temos muitos motivos para sorrir nos dias que correm, mas temos este: os rapazes estão de férias. 

publicado às 19:59

Quando vejo os vídeos das festas dos estudantes universitários, estejam eles alcoolizados e a fazer figuras tristes, ou mascarados de veteranos e a mandarem os mais novos rastejar no chão, não sinto qualquer tipo de empatia por aquelas pessoas. Pelo contrário. Sinto repulsa. E até alguma vergonha. Porém, antes de produzir algum discurso sobre aquilo, é preciso lembrar duas verdades:

- aqueles jovens não são todos os jovens. aqueles estudantes universitários não representam todos os estudantes universitários. há quem consiga tirar um curso e nunca tenha mostrado as mamas para beber um shot à borla nem qualquer coisa do género.

- as bebedeiras e as figuras tristes dos estudantes nas semanas académicas não são uma novidade do novo milénio. o que é novidade é que agora há lives no facebook e no instagram que mostram a todo o mundo (incluindo aos paizinhos que juravam que o meu filho nunca) o que sempre aconteceu.

Eu também já fui estudante universitária. Tenho ideia que houve uma aula de praxe e que depois de nos terem enganado os veteranos pintaram-nos a cara em grande galhofa. Mas o que mais recordo daquela primeira semana de aulas na faculdade é que fizemos um piqueninque no parque Eduardo VII em que partilhámos croquetes e pastéis de bacalhau e que depois houve um jantar de curso, que éramos muitos na sala dos fundos de um restaurante de segunda ao pé da universidade, que nos levaram a beber ginjinha e ao Intendente que nessa altura ainda não era uma zona recomendável e ao Bairro Alto para dançarmos ao som dos Cure e dos Violent Femmes e que para aqueles que, como eu, vinham de fora, foi a primeira vez que saímos à noite em Lisboa. E também me lembro que nessa semana - que terminou com um grupo de malta a cantar-me os parabéns numa das "famosíssimas" festas de Comunicação Social da Nova - conheci pessoas do 2º, do 3º e até do 4º ano, colegas com quem passei a almoçar na cantina, amigos com quem passei horas a conversar ao sol na esplanada, alunos mais velhos que nos passaram apontamentos e fotocópias e que, alguns deles, se juntaram aos caloiros tardes inteiras a estudar lógica nas mesas do Continental. 

Tive sorte, é verdade. Porque aquele curso e aquela faculdade eram especiais. Mas depois fiz as minhas escolhas porque sou dona do meu nariz. Nunca fui veterana nem veneranda, nunca praxei nem humilhei nenhum caloiro. Ignorei ostensivamente todas as semanas académicas. Estava demasiado ocupada com outras coisas que me interessavam mais do que ir a um concerto do Quim Barreiros ou participar no rally das tascas. Não me vesti de preto nem arranjei uma capa quentíssima para me pavonear pelas ruas da cidade em pleno calor de maio, as meninas de saia, pois claro, que as meninas têm de usar saias e sapatos, não se podia usar ténis com o traje, não era permitido. E eu sempre odiei uniformes e carneiradas. Não cantei nunca que a mulher gorda a mim não me convém. Não fui à bênção das fitas porque nunca percebi para que é que precisava de uma missa para terminar o curso em beleza. Nem sequer tive fitas - mas tenho álbuns com fotografias das pessoas que me acompanharam nesses quatro anos. Não tenho anel de curso e nunca ninguém me tratou por senhora doutora. Não faço ideia onde tenho (ou sequer se tenho) um canudo que comprova a minha passagem pela faculdade. 

E no entanto foram belos os tempos. De grandes aprendizagens (nas aulas e fora delas), de grandes divertimentos, de grandes amizades. De boas memórias.

A tradição académica é o que nós fizermos dela. Como todas as tradições, aliás. Estão sempre a tempo de se renovarem.

publicado às 19:49


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