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Uma das coisas que eu descobri acerca dos homens através das aplicações de encontros é que são todos muito aventureiros. Não fazia ideia. Tenho andado distraída, certamente. A mim a maioria dos homens que encontro no meu dia-a-dia parece-me extremamente cinzenta e acomodada. Mas a verdade, está lá escrita no perfil, é que os homens, além do cliché clássico "uma boa conversa acompanhada de um bom vinho" (momento para revirar os olhos), também gostam de aventura. Quase todos fazem surf e outros desportos aquáticos, fotografam-se a saltar de paraquedas e a pilotar barcos, em trilhos de bicicleta, com motos potentes. E melhor ainda se isto acontecer em lugares exóticos e distantes, como desertos, montanhas, selvas, praias de água muito azul. Porque a aventura também é isso. Viagens. Toda a gente gosta de viajar e está à procura de companhia para descobrir o mundo, querem alguém disponível para fazer as malas e ir por aí. Dizer que se gosta de viajar é uma maneira de dizer que se é uma pessoa muito interessante. Vejam, eu sou muito interessante, já fui à Tailândia e a Marraquexe (este ano, é Marraquexe que está na moda, não sei se já repararam), já mergulhei entre peixinhos e já dormi no deserto. As pessoas que viajam são melhores pessoas do que as outras, porque têm "a cabeça aberta", são "espíritos livres", são "pessoas do mundo". Não queremos cá matches com pessoas tacanhas. 

Claro que viajar é bom. Como não? Tirando a Fran Lebowitz, acho que todos concordamos com isso. Não é assim uma coisa muito original para se dizer. Para já porque se está de férias e só isso já é maravilhoso. Depois porque temos oportunidade de descansar e sair da rotina e, muitas das vezes, de ir a sítios bonitos ou de fazermos coisas de que gostamos, de estarmos sozinhos se nos apetecer estar sozinhos ou estarmos com pessoas com quem queremos estar, sem horários, sem constrangimentos. Eu gosto de viajar. Ou gostaria, se tivesse mais condições para fazê-lo. Eu também tento viajar, sempre que possível. Adoro ir a sítios diferentes, descobrir novas culturas, falar com as pessoas, provar as comidas, aprender coisas que não sabia. Eu também sou essa pessoa, acreditem. Mas a minha vida não é isto. Não é isto que me define. Não é isso que quero pôr no meu perfil. E fico sempre a pensar para quantas daquelas pessoas (e são muitas) que ali se declaram amantes de aventura e de viagens isso é realmente uma coisa assim tão importante na sua vida de todos os dias, naquilo que eles são.

"Vamos?", pergunta o rapaz da fotografia, piscando-me o olho. Fico na dúvida. Esquerda ou direita? Por muito que queira um companheiro de aventuras (sobretudo se me pudesse pagar viagens às Maldivas ou ao Grand Canyon, isso é que era), queria mesmo era um companheiro para ir ao teatro, para ir jantar a um restaurante indiano ou só para ficar encostado a mim no sofá.

Está visto, nunca serei uma pessoa interessante.

 

A propósito de viagens, um texto para nos fazer pensar da próxima vez que apanharmos o avião. De Agnes Callard, na New Yorker:

Tourism is marked by its locomotive character. “I went to France.” O.K., but what did you do there? “I went to the Louvre.” O.K., but what did you do there? “I went to see the ‘Mona Lisa.’ ” That is, before quickly moving on: apparently, many people spend just fifteen seconds looking at the “Mona Lisa.” It’s locomotion all the way down.

publicado às 11:05

20
Mar22

Fantasmas

Ghosting. Não sabia o que era até há uns tempos. Uma amiga disse-me: "Deram-te ghosting". E eu fui à internet procurar. Ghosting. Parece que isso existe mesmo. É uma cena identificada, definida pelos dicionários urbanos e explicada pelos psicólogos. Ghosting é quando uma pessoa desaparece da tua vida sem dar qualquer explicação. Toma chá de sumiço, como se diz na minha terra.

Foi isso que fez o Zé Pedro. Um rapaz simpático, querido, culto. Conhecemo-nos na aplicação, falámos no whatsapp, conversámos ao telefone. Fomos tomar um café numa manhã de sol num desses sítios hipsters num bairro histórico de Lisboa. Depois fomos beber um gin e ver o pôr-do-sol junto ao rio. Depois fomos jantar num restaurante pacato. Depois fomos à praia. Era junho. A vida corre-me sempre melhor no verão, quando os miúdos estão de férias e os dias são compridos e parece que o tempo dá para tudo. Durante três meses fizemos companhia um ao outro. Fomos ao teatro, vimos filmes no sofá, passeámos o cão, fomos ver uma exposição, cozinhámos jantares e até fomos ao Algarve. Era bom ter alguém com quem fazer programas ao fim-de-semana e adormecer em conchinha. O Zé Pedro tinha lá as suas coisas, como toda a gente tem, mas era carinhoso e de esquerda e gostava de música alternativa. Não estávamos perdidamente apaixonados e não fizemos juras de amor nem nada que se parecesse mas tínhamos um entendimento de que continuaríamos a encontrar-nos enquanto fosse bom. Depois, chegou o outono e ele ficou muito ocupado. Hoje não, amanhã não sei. Até que um dia disse: passo aí ao meio-dia. E não passou. E não respondeu às mensagens. E não atendeu o telefone. Nunca mais. Eu, que não estava nada familiarizada com isto do ghosting, achei que o rapaz tinha tido um piripaque qualquer, fiquei morta de preocupação, fui lá tocar-lhe à campainha e já estava disposta a ir procurar a família para lhes dar os pêsames quando ele, provavelmente assustado com a minha insistência, decidiu descansar-me com uma mensagem que dizia qualquer coisa como "desculpa, tive uns problemas para resolver, depois falo contigo". Não falou. Mas eu entendi a mensagem. Não lhe tinha acontecido nada. Ele simplestemente não queria falar mais comigo.

"Deram-te ghosting", disse-me uma amiga.

Ainda nos rimos um bocado à conta desta história. 

Os anos passaram. Não faço ideia o que aconteceu ao Zé Pedro. Se conheceu outra pessoa, se estava com medo que eu o pedisse em casamento, se simplesmente estava farto de mim. Matutei um bocadinho na coisa, na altura, porque odeio não compreender algo. Gosto de pôr tudo em pratos em limpos, sem dúvidas nem zonas cinzentas. Por isso, custou-me admitir que há adultos com mais de 40 anos que não têm maturidade para chegar ao pé de uma pessoa e dizer: "olha, não quero mais". Não me parece complicado. E eu entenderia. 

As pessoas são estranhas.  

publicado às 12:22

No meu perfil do Tinder (nas fases, raras, em que tenho o perfil do Tinder activo), em vez de uma auto-descrição tenho um excerto de uma canção do Chico, que está identificado como autor assim mesmo, (Chico), entre parêntesis. Vamos deixar para lá o porquê de eu não saber auto-descrever-me e vamos concentrar-nos nisto: um dia, um tal de Pedro, que até tinha bom ar e uma auto-descrição catita, mandou-me uma mensagem em que tentava meter conversa: "olá, quem é o Chico?". Fui incapaz de lhe responder. Dir-me-ão que é um pouco de soberba da minha parte. De preconceito, até. Será. Mas é o que temos. Não lhe exigiria que conhecesse a música, que até nem é das mais óbvias (se bem que pode consultar o amigo google e fazer boa figura, não é?, sempre mostra um esforço), mas não saber quem é o Chico é too much. Não consigo lidar.

Lembrei-me desta história porque estive a ver o documentário sobre Chico Buarque que está na Netflix e pensei que é incrível como mesmo sendo um documentário fraquinho, sem qualquer rasgo e até com alguns defeitozitos técnicos que me parecem inadmissíveis, até mesmo com aquelas versões absolutamente dispensáveis interpretadas por outros cantores, é impossível não nos deliciarmos a ver um documentário com o Chico. Ele é lindo, novo ou velho, a cores ou a preto e branco, e até de bigode, o que é difícil. E é um encanto ouvi-lo, contar aquelas histórias, rir-se de si mesmo, mostrar uma humildade desarmante, perceber-lhe as ideias, invejar-lhe a liberdade. Isto sem falar das canções, claro.

Esta, por exemplo, que eu já não ouvia há tanto tempo e é extraordinário como continuo a sabê-la de cor e a emocionar-me com cada palavra, como quando a ouvi pela primeira vez, era ainda uma adolescente e chorava sozinha, às escuras na sala, com os discos de vinil do meu pai.

Conclusão da história: o Chico Buarque faz-nos bem, quem o ouve é mais feliz, e até pode valer um engate, por isso, homens deste mundo, vão lá ouvir o Chico e, por favor, evitem dizer coisas como "eu também gosto muito de música, gosto do João Pedro Pais, conheces?" (true story, juro).

E ainda, só por curiosidade: aos 77 anos, Chico Buarque vai casar-se com Carol Proner, de 47. Acho lindo. E, depois, não digam que não acreditam em histórias de amor.

publicado às 20:59

Eu gosto muito de ti, tu és fantástica e maravilhosa mas...

1. ... afinal, eu decidi que vou ficar com outra pessoa/ vou voltar para a minha ex;

2. ...neste momento eu não estou à procura de/ não estou preparado para uma relação;

3. ... eu não quero estragar a nossa amizade. Por gostar tanto de ti, acho que não nos devemos envolver.

Na verdade, isto tudo significa apenas uma coisa: eu não acho que tu sejas assim tão fantástica e maravilhosa e eu não gosto assim tanto de ti.

Porque não assumir isso, simplesmente?

Estou muito farta de ser "fantástica e maravilhosa mas".

Estou muito farta de homens com "mas" nas frases.

Estou muito farta de "mas".

Estou muito farta.

publicado às 11:53

Descobri esta semana (eu sei, sou um bocadinho ignorante), por causa de umas pesquisas que andava a fazer, que a palavra assédio é usada em contexto militar. 

Assédio: "acção que consiste em cercar militarmente uma posição inimiga, geralmente durante um período prolongado ou que se calcula dever durar muito. Sinónimo de cerco." (Priberam); "conjunto de operações que visam a conquista de uma posição inimiga" (Infopedia).

Fora do contexto militar, a palavra assédio tem mais ou menos o mesmo significado. É um cerco. Uma tentativa de domínio.

Falemos, então, do assunto do momento: o assédio sexual. Outra vez. As vezes que forem necessárias. E falemos, finalmente, do assédio sexual em Portugal.

Há mulheres que cometem assédio mas, convenhamos, na maioria dos casos o assédio é realizado por homens. Existe aqui uma forte componente cultural - não há nada na genética dos homens que os leve a ser javardos, os homens não sofrem de desejos incontroláveis nem têm ímpetos inatos que os levam a apalpar uma mulher na rua. Mas existe um caldo cultural no qual estes comportamentos têm sido apurados em lume brando ao longo de séculos. E que, como é óbvio, leva algum tempo a destruir. Estamos nesse caminho. Através da educação que damos aos rapazes e às raparigas. Através da legislação. Através dos debates que todos os dias temos no espaço público e que contribuem para mudar a forma como estes assuntos são encarados. Já conseguimos mudar muita coisa mas ainda há muito por mudar. 

E é isso que estamos a tentar a fazer quando falamos publicamente sobre o assunto.

Há diferentes comportamentos masculinos que estão errados e que demonstram uma profunda falta de respeito pelas mulheres. Mas estando todos errados não são todos iguais.

Há as situações de rua (que também podem acontecer no local de trabalho) - os piropos, os encostos no metro ou no elevador, os gajos que não param de olhar para o nosso corpo, o maluco sentado no canto do autocarro a mexer na pila, os colegas que comentam a tua aparência (são elogios, quem é não gosta? lol). É tudo horrível. As mulheres aprendem cedo a proteger-se destas situações. Mudamos para o outro lado do passeio. Baixamos os olhos. Encolhemos os ombros para esconder o decote. Ignoramos as javardices que ouvimos. Mulher séria não tem ouvidos, foi o que nos disseram desde pequeninas. Mas não deveria ser assim. Não deveríamos ter que passar por isto. Nenhuma mulher deveria sujeitar-se a ser tratada desta forma, nem deveria sentir-se desconfortável ou insegura apenas pelo facto de ter um corpo. Muita gente acha que não, mas isto já é assédio.

Existem outras situações de assédio que são já um passo em frente, que é quando os homens tentam interagir com as mulheres e, mesmo quando elas recusam os seus avanços, eles insistem. Isto é comum acontecer na noite, em bares ou discotecas. Mas pode acontecer noutras situações sociais, em festas de amigos ou mesmo entre colegas de trabalho. Há homens que têm muita dificuldade em aceitar um não. Que insistem em chegar-se mais perto, em colocar uma mão no nosso braço, em fazer sorrisos e olhinhos e insinuações mesmo quando já demos a entender que não estamos interessadas. Porque, entendamo-nos: uma coisa é um homem estar interessado numa mulher, demonstrar de alguma forma esse interesse e ser retribuído, ela interage com ele e a coisa evolui como ambos querem - isso é aquele processo de sedução que se quer saudável e divertido; outra coisa é um homem estar interessado numa mulher, ela demonstrar que não está interessada e ele insistir, tomando atitudes cada vez mais intrusivas. Uma coisa não se confunde com a outra, acreditem.

Estas duas situações de assédio são não só bastante comuns como são geralmente desvalorizadas pelos homens que, quando confrontados, raramente admitem que estão a fazer alguma coisa errada. Afinal, são só homens a ser homens, não é? Ora agora, já não se pode dizer nada? 

E, por fim, e num patamar ainda mais grave, diria eu, existe o assédio que é realizado por homens que estão numa posição de poder em relação à mulher. Os professores em relação às alunas. Os chefes em relação a subalternas. Os ministros, diretores, presidentes, senhores doutores (e etc.) em relação a qualquer mulher que, por algum motivo, sinta que se não corresponder pode ser prejudicada - no seu emprego, na sua vida. Sou uma sortuda, nunca passei por uma situação destas. Mas sei que, nestes casos, é triste dizê-lo, as mulheres acabam algumas vezes por sujeitar-se a fazerem coisas que não querem fazer. Por medo. Quase sempre por medo de represálias. Ou porque não têm, naquele momento, as ferramentas necessárias para saberem recusar, ou porque são muito novas ou muito frágeis ou porque se sentem encurraladas ou porque sentem que não têm opção, mas sempre por terem medo. Ou, então, recusam delicadamente os avanços e enfrentam sozinhas as consequências. E continuam a sentir medo.

Nada disto é aceitável.

E, sim, é bom ver que também em Portugal as vítimas estão a perder o medo de denunciar estas situações. Bravo, corajosas. 

Mas também seria bom que todos nós tomássemos consciência da quantidade de vezes em que vimos estas coisas acontecer à nossa frente e não fizemos nada. As vezes em que não mandámos calar aquele colega inconveniente. As vezes em que avisámos alguém: "tem cuidado com o fulano" em vez de confrontarmos directamente o fulano. As vezes em que falámos entre nós e o máximo que conseguimos foi insultar o gajo pelas costas e garantir que íamos estar sempre ali para as nossas amigas.

As vezes em que pessoas com poder em empresas e instituições foram complacentes com estas situações, riram-se dos comentários sobre as estagiárias, olharam para o outro lado para não verem, encolheram os ombros e disseram "ele é assim" em vez de tomarem uma posição: admoestando os abusadores, abrindo processos disciplinares e deixando bem claro que tais comportamentos não seriam mais tolerados.

Nem todos os homens são assim, felizmente. Mas, infelizmente, basta que alguns o sejam para causar um enorme sofrimento nas suas vítimas.

A quantidades de testemunhos que li nestas últimas semanas - nas redes sociais e na imprensa - denunciando casos de assédio, e o baixo nível dos comentários, críticas e insultos lançados a essas mulheres mostram bem o quanto ainda nos falta andar.  

Vamos?

publicado às 01:04

Há uns tempos contei aqui como tinha sido a minha iniciação no maravilhoso mundo das plataformas de encontros online. Não fiquei muito convencida na altura, como devem lembrar-se. Mas, uns meses mais tarde, umas amigas falaram-me de uma outra aplicação, o Happn, e eu decidi dar-lhe uma hipótese. Assim como assim, não é como se estivessem a acontecer coisas muito interessantes na minha vida, não é?

O Happn funciona mais ou menos como o Tinder só que em vez de definirmos um raio de acção (por exemplo, 40 ou 100 quilómetros), basta ter o GPS ligado e a aplicação vai nos mostrando os happners com que nos vamos cruzando e diz-nos exactamente em que rua é que o encontro aconteceu.

Vantagem: ao contrário do Tinder em que temos sempre que tomar uma decisão em relação à pessoa que nos é sugerida (ou sim ou sopas), no Happn as sugestões vão surgindo num feed vertical, e é possível ver os perfis sugeridos e avançar sem ter que tomar qualquer decisão, se não sabemos bem o que lhe fazer simplesmente deixamos aquela pessoa lá quietinha para avaliar o perfil mais tarde.

Desvantagem: se uma pessoa circula sempre pela mesma zona (tipo eu, que vou de casa para o trabalho a pé), a aplicação acaba por se tornar muito intrusiva pois damos por nós a cruzar-nos com os vizinhos, os colegas do trabalho, os pais dos amigos dos miúdos, o senhor da farmácia. Pode ser desconfortável. E, além disso, imaginem o que é ter uma conversa na aplicação que corre mal e depois termos de encontrar esse tipo todos os dias no nosso bairro. Não seria muito agradável. Por isso, tinha sempre a aplicação desligada e tinha que me lembrar de a ligar quando ia a algum sítio diferente ou mais movimentado e depois tinha que me lembrar de desligá-la. Não estava a gostar muito da experiência. 

Decidi, então, tirar a minha foto de perfil e colocar uma foto não identificável. Não foi uma decisão fácil de tomar. Eu sou grande apologista do what you see is what you get e acho mesmo que se uma pessoa está numa aplicação destas é para assumir a coisa, não é para andar a esconder-se. Não há nada aqui que me envergonhe. Mas, sinceramente, não estava a resultar. A partir do momento em que coloquei outra foto começou uma nova fase desta aventura e consegui conversar com algumas pessoas sem preocupações e escolher a quem é que queria mostrar o meu belo rosto.

Claro que os outros constrangimentos todos se mantiveram - sobretudo porque não tenho muito tempo e tenho ainda menos paciência para aturar pessoas que não me interessam. Mas posso dizer que fiz alguns avanços. E até - imaginem - conheci efectivamente alguns homens. 

Três regras minhas:

Conversar muito. Eu gosto de conversar. Eu gosto de pessoas que saibam conversar. E gosto de quem tem conversas diferentes. Não temos que contar a nossa vidinha toda nem o nosso passado todo. Podemos falar de política, de filmes, do mundo, de relações, sei lá. Sabe-se tanto sobre uma pessoa quando se conversa. Pela maneira como fala (ou, no caso, como escreve). Por aquilo que diz. Pelo sentido de humor que revela. Eu converso muito. E quando os homens não querem conversar ou não são bons conversadores, quando em vez de conversar começam a pressionar para marcar encontros eu pura simplesmente dou-lhes um adeuzinho. Se vou dar-me ao trabalho de sair de casa para me encontrar com alguém tenho que ter alguma esperança que aquela pessoa vale a pena - isto é, que, pelo menos, o encontro vai ser agradável. 

Marcar encontros sempre de dia e garantir que vão ser curtos. O ideal é ir tomar um café e ter outro compromisso qualquer a seguir. Nada de jantares (imaginem que corre mal, é horrível ter que partilhar uma refeição inteira com alguém com quem não se está à vontade), nada de álcool (que altera um bocado a percepção das coisas). Se a coisa correr bem, nada nos impede de marcar outro encontro. Se a coisa correr mal, acaba rapidamente e nunca mais falamos.

Não ter expectativas. Isto é muito importante. Como já tinha dito no outro post, conhecer uma pessoa online nunca é o mesmo do que conhecê-la ao vivo, temos de estar preparados para que tudo corra mal. Para não haver química. Para ele cheirar mal da boca. Para se revelar uma pessoa absolutamente irritante. E depois temos de estar preparados para até simpatizar com aquela pessoa mas não querer continuar a vê-la porque vai-se a ver e não é assim tão especial que mereça o esforço (já disse que não tenho muito tempo?). E mesmo que as coisas corram muito bem e haja outros encontros a seguir temos de estar preparados para aproveitar muito bem todos os bons momentos mas não começar a fazer grandes filmes na nossa cabeça - porque, sejamos sinceros, encontrar a paixão numa plataforma destas é tão difícil quanto encontrar a paixão na vida real. Ou seja, pode acontecer mas é muito pouco provável.

E funcionou?

Bom, não encontrei o homem da minha vida. Mas conheci boas pessoas. Não muitas porque, como já devem ter reparado, eu, além de não ter muito tempo, também sou uma gaja armada em esquisita. Mas conheci algumas boas pessoas. Fizeram-me companhia. Estive menos sozinha. Fiz novos amigos.  De verdade. E fui (sou) mais feliz por ter conhecido estas pessoas.

Isso significa que me tornei fã das plataformas de encontro online?

Nem por isso. Continuo a achar que não tenho muito jeito para isto e que a maneira antiga é a melhor maneira de conhecer pessoas. Simplesmente, quando já se é crescido e se tem o mesmo emprego há muito tempo e um grupo de amigos de longa data, e ainda por cima se tem filhos, não é assim tão fácil conhecer pessoas. Não é mesmo. E as aplicações são uma forma fácil de conhecer pessoas novas. E de conhecer pessoas diferentes, fora do nosso meio, pessoas com quem de outra forma nunca nos iríamos encontrar. Essa é, para mim, a maior vantagem destas aplicações. 

O que me acontece é que depois de uma ou duas semanas online, começo a fartar-me daquilo. Sabem com quantas pessoas é que se tem de falar para, finalmente, encontrar uma que prenda a nossa atenção? Deixo de ter paciência para as tais conversinhas da treta, olá, como estás, o que fazes... Falta-me a paciência para começar mais uma conversa que, quase posso adivinhar, não me vai levar a lado nenhum. Nessa altura, suspendo a conta e vou-me embora. Tal e qual como fiz antes. Guardo um ou outro contacto de alguém com quem me interessa continuar a falar, volto para a minha vidinha e fico afastada por muito tempo (por exemplo, neste momento estou fora).

Até me dar um novo ataque de solidão num sábado à noite no sofá. 

É que se há coisa que eu descobri nesta aventura é que eu sinto-me sozinha mas não estou sozinha neste sentimento. Existe muita solidão por aí. Também existem muitos parvalhões, homens casados à procura de aventuras, tipos que querem ir para a cama com qualquer mulher, seja ela quem for, gajos que não sabem bem o que querem, gente que não interessa ao menino Jesus quanto mais interessar-me a mim. Mas acima de tudo existe muita solidão. 

publicado às 12:28

Tudo começou num jantar com duas amigas, alguma sangria e bastante conversa sobre sexo. Tu devias era estar no Tinder, disseram-me, se não fôssemos comprometidas estaríamos lá, desafiaram-me. E, pronto, calhou ter uma semana mais desafogada de trabalho e de compromissos de mãe, com algum tempo livre, e lá decidi perder a vergonha e ir ver o Tinder. É um pouco intimidante, sobretudo se não se é uma pessoa com uma auto-estima muito elevada, devo confessar. Aquela coisa de estar numa montra traz ao de cima todos os meus receios de gaja, aqueles que nos acompanham no nosso dia-a-dia (se não sou boa o suficiente, se não sou bonita o suficiente, se sou gorda, se sou velha, se ele não gosta..), de uma forma bastante primária e, por isso mesmo, mais difícil de combater. É preciso coragem. Siga. 

Primeiro embate. Temos de dizer as idades dos homens que queremos ver. Isto leva-nos logo a pensar muito naquilo que queremos ou naquilo que estamos dispostas a aceitar. Também nos leva a repensar a imagem que temos de nós e dos outros. Uma coisa é uma pessoa andar na rua e sentir-se com 30 anos, outra coisa é estar ali, no meio da selva dos engates (já explico isto melhor mais à frente).

Segundo embate. Confrontada com a fotografia de um homem sobre o qual não sei absolutamente nada, eis que surgem, do mais profundo do subconsciente, todos os meus preconceitos. Este não porque é feio (ah, claro, porque tu só andas com homens bonitos, não é?), este não porque é gordo (no comments), este não porque tem ar de parvo, este não porque tem ar de velho, este não porque tem ar de puto, este não porque não sei quê. E eu a pensar de mim para mim que isto está errado. Que não é assim que a coisa funciona. Que isto da atracção (já nem falo de uma ligação maior) passa por tantas variantes que vão do cheiro à química, à voz a sei lá mais o quê, como é possível olhar para uma foto desfocada num telemóvel e decidir?

Terceiro embate. As fotos, senhores!, as fotos. Havia tanto a dizer sobre isto. Uma coisa é certa: sabe-se muito sobre uma pessoa pelo tipo de foto que põe no seu perfil. Há os que decidem pôr fotos dos seus abdominais ou outras partes torneadas do seu corpo. Há os que põem fotos manhosas tiradas no estádio de futebol ou numa noite de copos. Há os que põem selfies tiradas na cozinha ou deitados na cama. Há os que põem fotos com os filhos ou, o que é ainda mais incrível, com outras mulheres. Todos estes pequenos pormenores dizem muito sobre o tipo de homem que está ali (e, bolas, fiquei com tanta curiosidade de ver as fotos das mulheres, um dia ainda vou criar um perfil falso de homem só para ver o que ali se passa, deve ser mesmo incrível!).

Quarto embate. Está uma pessoa muito descansada na sua vida e aparece uma mensagem: Olá. Começa o jogo. Eu sou pessoa com grande dificuldade em fazer conversa, essa coisa da small talk não é para mim, nem ao vivo quanto mais online. Onde estás?, perguntam-me, e eu sinto-me de volta ao "de onde teclas?" do bom velho Mirc de há vinte anos. As conversas começam quase todas da mesma maneira, dá vontade de gritar aleluia! quando há algum homem mais interessante. Eu não sou de meter conversa, não o faço na vida real, mas não é porque ache mal que as mulheres metam conversa, nada disso, é mesmo aquela coisa da auto-confiança e do medo da rejeição (falamos nisso depois, ok?), mas se alguém meter conversa comigo, mesmo na vida real, gosto de ser simpática. Mas dizer o quê? Perguntar o quê? Por onde levar a conversa? E quando ele dá erros de português? (turn off total, devo confessar. sou capaz de ultrapassar isso se já conhecer a pessoa e simpatizar com ela, mas assim à primeira?, please, no way) E se é um bronco? E se não gosta de cinema? E se gosta de ir caçar? Continuamos a conversa? Dizemos adeus?

Quinto embate. Vamos lá ser honestos. As pessoas estão sozinhas, querem companhia, conversar um pouco, conhecer pessoas novas, fazer amigos. Mas, acima de tudo, toda a gente no Tinder espera encontrar alguém com quem ir para cama. Claro que é preciso conversar um pouco antes, marcar um encontro, tomar um café ou ir jantar, ver como a coisa corre. Mas toda a gente tem essa esperança, lá no fundo, mesmo que não a confesse em voz alta. E isso mina todas as conversas, não há conversas desinteressadas. Portanto, tudo o que ali se passa, aquela converseta toda, é necessária só até ao momento em que alguém propõe o tal encontro, cara a cara. E isso pode acontecer ao fim de meia dúzia de palavras. Ou pode nunca acontecer. Depende muito daquilo que uma pessoa quer ou precisa naquele momento. Também depende da disponibilidade para investir numa conversa significativa, que vá para além das banalidades do costume, até encontrar alguém que faça click.

Ao fim de três dias, desisti. 

Atenção: não tenho nada contra o Tinder. Aparentemente há muita gente que encontra lá parceiros para belas cambalhotas, há muita gente que faz amigos e há até quem inicie a partir dali relações importantes e encontre o verdadeiro amor. Acho óptimo. Mas comigo não resulta. É mesmo um daqueles casos em que "não és tu, sou eu". Penso que precisaria de me entregar mais a cada uma daquelas conversas, mas o meu problema é que eu não tenho tempo para isso. Não tenho tempo para conversas online (tenho filmes para ver e livros para ler e posts para escrever ao serão). Não tenho tempo para marcar jantares com gente que mal conheço (eu mal tenho tempo para estar com os meus amigos). Sobretudo não tenho tempo para perder com pessoas com quem, muito provavelmente, não vou querer passar mais do que uma noite (ou elas comigo).

Então, estava eu a comentar estas conclusões quando uma amiga me falou do Ok Cupid. Que é mais completo porque podes definir melhor o teu perfil e tem mais filtros que permitem descobrir pessoas que têm mais a ver contigo. Fui ver.

Uma das coisas boas do Ok Cupid é realmente a possibilidade de completar o perfil como nós quisermos. E, depois, de vermos os perfis das outras pessoas. E isto põe-nos a pensar em muitas coisas.

A questão da idade, mais uma vez. Eu tenho 43 anos. E se há coisa que sei é que não preciso de um miúdo na minha vida. Um miúdo, quero eu dizer, um homem que ache que a melhor coisa do mundo é sair à noite, beber copos e engatar miúdas. Mas também não preciso de alguém que esteja desesperadamente à procura de constituir família. Assentar sim, ter mais filhos não. E não preciso mesmo nada de alguém que não saiba viver para além dos seus desejos e que não perceba todos os constrangimentos de quem tem filhos. E isto é importante, até mesmo para um único encontro é preciso haver empatia, não é? Portanto, e já com uma dose generosa de boa vontade, estabeleço o meu limite nos 39 anos. Erro enorme. Os homens de 39 anos que estão por ali são todos umas crianças. Depois, ponho o limite nos 50 anos. E, pasme-se, acho todos os homens de 50 anos uns velhos (ponho-me a pensar: eu também sou uma velha?). Pior. Consulto os perfis que aparecem e descubro que, na sua maioria, estes homens quarentões estão disponíveis para conversar com miúdas a partir dos 20 anos e raramente procuram uma mulher mais velha do que eles. Por favor. Bota estereótipo nisso. Que deprimente.

Depois há as perguntas. Um questionário imenso sobre tudo e mais alguma coisa, que podemos ir respondendo à medida que nos apetecer. Há perguntas que não fazem muito sentido, há perguntas parvas, mas de uma maneira geral é divertido. Eu, pelo menos, diverti-me. Porque a cada pergunta confrontas-te com aquilo que és e com aquilo que procuras. Como há a possibilidade de deixar as respostas privadas, podemos ser completamente honestos. Confrontamo-nos com os nossos preconceitos (again) e com os nossos desejos mais íntimos mas isso a mim interessa-me bastante. Por exemplo, perguntamo-nos: é importante conhecer alguém que goste de ler livros/ que goste de futebol mas não seja obcecado/ que não acredite no destino/ que tenha um curso superior ou podemos passar sem estas coisas? E se pararmos para pensar um bocadinho nisto, há tanta coisa que podemos descobrir sobre nós a responder a estas questões.

O questionário serve para estabelecer uma percentagem de compatibilidade, o que obviamente nos leva a explorar melhor os perfis das pessoas mais compatíveis connosco. Vamos tentar perceber exactamente no que é que somos compatíveis e no que é que somos diferentes, há muitas pistas que nos permitem conhecer um bocadinho melhor aquela pessoa para além da foto. E isso pode ser útil. Ou não, mas ao menos é divertido. 

Tirando isso, a coisa desenrola-se mais ou menos como no Tinder. Mas, pelo menos no meu caso, com muito menos opções. O sistema avisou-me para eu não ser tão exigente para ter mais hipóteses de escolha. Lol. Houve 55 homens que fizeram "like" no meu perfil, o que não é mau, mas eu não sei quem eles são. Nenhum deles era um dos oito ou nove a quem eu tinha dado o meu "like" (parece que avisam quando há correspondência). Recebi muitas mensagens de homens tentando estabelecer contacto. Olá, onde moras?, que belo sorriso, etc. A história do costume.

Uma dúvida: o que fazer quando se encontra alguém que nós já conhecemos da vida real? É que pode ser uma pessoa com quem nunca, nem nos nossos sonhos, nos apeteceu estar. E até pode ser uma pessoa que já nos interessava antes mas com quem nunca tivemos coragem para fazer avanços. Será este o sítio certo para o fazer? Em ambos os casos, decidi ignorar. Mas é uma situação estranha, lá isso é.

Ao fim de três dias, desisti.

Apaguei a conta no Tinder, deixei a conta do Ok Cupid em stand by, porque talvez um dia me apeteça ir lá fazer mais umas pesquisas sociológicas.

De qualquer forma, posso dizer, agora com conhecimento de causa, que este tipo de abordagem não é para mim. É preciso uma pessoa querer muito conhecer outra pessoa. É preciso estar disponível, em vários sentidos. E eu, por muito que diga que sim, quando chega a hora da verdade não estou assim tão disponível. Nem tão interessada. Talvez noutra altura, quem sabe. Por agora, o que me dava jeito era mesmo conhecer alguém num sítio qualquer, numa situação de trabalho, em eventos de amigos, no café, na rua, sei lá, num sítio qualquer, conversar com essa pessoa sem sequer pensar no que isso possa significar e, a certa altura, achar que se calhar me apetecia conhecê-la melhor. À moda antiga. Esse, sim, é o meu tipo de plataforma de encontro.

E só para terminar aqui fica este anúncio, porque é novinho em folha, já deste ano, e porque acho a animação muito fixe:

PS - a história continua AQUI

publicado às 01:31

Isso. Exactamente isso em que estão a pensar.

publicado às 09:37

Muito provavelmente isto é uma coisa que já quase toda a gente sabia e quem não sabia também não está minimamente interessado, mas eu acabei de descobrir e estou encantada com a descoberta, preciso partilhá-la.

Então não é que o Tommy, a minha personagem favorita de 'Trainspotting' (filme de Danny Boyle, de 1996, com o qual, aliás, o actor se estreou no cinema), era interpretado por Kevin McKidd, mais conhecido hoje em dia como Owen Hunt, que é de longe a minha personagem preferida em 'Anatomia de Grey' (ele está na série desde 2008). Oh pá... (e já agora mais uma curiosidade: o "rapaz" tem 41 anos).

publicado às 21:59

O meu amigo andava com azar ao amor e já estava um pouco desesperado. Preciso de ajuda, disse. Mas, afinal, o que é que vocês, mulheres, querem? Nós? Nós queremos a história de amor dos filmes com um príncipe encantado para ser feliz para sempre. Nisso, parece-me, somos pouco originais. Queremos quase todas o mesmo. Ainda que o não digamos. Ainda que, às vezes, o neguemos. Ainda que, de vez em quando, nós próprias nos convençamos do contrário. Nós queremos a história de amor dos filmes, percebeste, meu amigo? E ele, acho que já estava um bocadinho tocado, olhou para mim e murmurou: ah, então é isso.

Imagem roubada à Farmácia de Serviço.

publicado às 22:33


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