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A Modern Man, de George Carlin
Ela é Hannah Gadsby, a humorista que nos deu Nanette e que agora nos dá Douglas. O programa é todo bom mas as lições sobre história da arte são, para mim, a parte melhor.
São dois pequenos livros de banda-desenhada, intitulados Gravidez e Quotidiano de Luxo, de autoria de Júlia Barata, e que falam de ninharias, ou seja, da vidinha de todas nós, as que fazem contorcionismo entre a vida e o trabalho e os filhos. Porque não podemos perder a capacidade de rirmos disto tudo e de nós mesmos, ainda quando parece improvável que o façamos. Explico tudo AQUI.
Do Baby Blues.
Hoje escrevo no meu jornal sobre o livro do Trevor Noah. Foi uma boa surpresa. E é uma lição. Para nós todos. Para mim, mãe que ainda hoje se zangou com o seu adolescente por causa da escola (como se a nota de fisica-química fosse assim tão determinante para o seu futuro). Sabem quando se diz que o mais importante é o amor, o exemplo e os valores que damos aos nossos filhos? Há casos em que isso é verdade. (Mas como é que nós sabemos que o nosso é um desses casos?)
Tantas dúvidas.
Recomeçámos. Despertador. Aulas, explicações, treinos, festas de anos, jogos de futebol, trabalhos de casa, trabalhos de grupo, testes. Estou a tentar levar isto com calma. Mesmo. E a primeira semana correu com tranquilidade. Apesar dos nervos do Pedro que agora está na escola dos grandes, onde tudo é novo. Apesar dos avisos ao António para ver se aquela cabeça atina. Apesar das queixas dos miúdos que acham uma injustiça tremenda não poderem jogar Fortnite durante a semana. Cá vamos. Sem grandes dramas, para já.
Na semana passada tive oportunidade de conhecer duas famílias que optaram pelo ensino doméstico e confesso que tive um pouco de inveja. Claro que eu nunca seria capaz de fazer uma opção dessas - porque de facto eu não seria feliz a ensinar os meus filhos em casa e porque gosto muito do meu trabalho (já nem falo da parte financeira da coisa) - mas senti uma certa inveja da falta de pressão, do modo como aqueles miúdos estudam sozinhos, da curiosidade que têm pelo mundo, de não terem de ficar sentados a ouvir um professor durante tantas horas por dia.
O ideal para mim não seria o ensino doméstico mas seria ter uma escola melhor. Cada vez mais me convenço que esta escola que temos não presta. Está ultrapassada. Não é boa para os miúdos. Não lhes ensina as coisas que realmente importam. E, sim, os meus filhos podem não ser grande exemplo, mas eu digo que esta escola não é boa até mesmo para os bons alunos, aqueles que se portam bem e se esforçam e tiram boas notas - e ainda assim penso que é um desperdício que passem tanto tempo em explicações e a decorar coisas com nomes complicadíssimos quando poderiam estar a aprender a pensar e a perceber o mundo. Se a maioria dos alunos precisa de explicações extra para conseguir tirar boa nota a matemática, e mesmo assim com que dificuldade, é porque algo está mesmo muito errado na escola que temos. Isto acontece não tanto na primária, onde há escolas públicas e privadas realmente boas, mas sobretudo do 5º ao 9º ano (ainda não tenho conhecimento suficiente sobre o secundário para me poder pronunciar), onde as metas, os currículos, as matérias, a organização da escola, tudo é demasiado rígido e demasiado formatado e demasiado burocrático. Demasiado antiquado e chato. Demasiado castrador das qualidades e potencialidades dos alunos. E até demasiado inútil.
A propósito, leiam este texto que levanta muitas questões pertinentes.
Mas, bom, aqui estamos. No início de mais um ano lectivo e sem grande opções à vista.
Respiremos fundo.
Darei o meu melhor, como sempre, para fazer com que isto resulte.
Baby Blues, claro.
Há um momento, a meio do espetáculo de stand-up comedy Nanette, em que as gargalhadas deixam de se ouvir. Nem um aplauso. Nem sequer um daqueles risos envergonhados. Nada. Só o silêncio na enorme sala da Ópera de Sydney enquanto Hannah Gadsby, de 40 anos, conta como foi crescer na Tasmânia onde 70% das pessoas achavam que a homossexualidade era não só um pecado como deveria ser considerada um crime - como aconteceu até 1997. Conta como disse à mãe que era lésbica mas nunca, até agora, teve coragem de contá-lo à avó porque, apesar de fazer espetáculos onde fala abertamente sobre o assunto, no seu íntimo continua a sentir vergonha. Conta como foi violada por duas vezes e como foi espancada por um homem por ser, como ele lhe chamou, “uma aberração” e “uma paneleira de merda”. Conta como construiu uma carreira “à base do humor autodepreciativo”, humilhando-se voluntariamente em público, e como não quer continuar a fazê-lo. “Vou deixar a comédia”, anuncia, sabendo que é um paradoxo irresolúvel e até risível isso de se anunciar que se vai deixar a comédia a meio de um espetáculo de stand-up comedy.
“Quando saí do armário, a única coisa que sabia fazer era ser invisível e odiar-me. Demorei dez anos a perceber que podia ocupar um espaço no mundo mas, nessa altura, já o tinha transformado em piadas, como se não fosse nada de importante. Agora, preciso de contar a minha história como deve ser”, explica. Contar uma história com princípio, meio e fim; não em forma de piada. Porque “o riso é só o mel que adoça o remédio amargo”. O riso não é a verdadeira cura, percebeu.
E, já que estamos a ser sinceros, vamos lá falar de preconceitos e misoginia e machismo e de todas as outras mulheres que desde que o mundo é mundo são alvo de abusos vários. Vamos lá falar de Weinsten, de Bill Clinton, de Picasso. Também questionar o que é isso de fazer um "humor lésbico" e o que é isso de ser artista (toda a história em volta do Van Gogh é deliciosa). Nos momentos em que este ainda é um espetáculo de stand-up comedy, Hannah Gadsby é uma das mais corrosivas e certeiras humoristas que andam por aí e não é por acaso que Nanette se estreou em 2017 e ganhou prémios em vários festivais de humor até, em junho passado, chegar à Netflix e se tornar um verdadeiro fenómeno global. Nanette é também por isso uma lição de alguém que domina perfeitamente a arte da comédia e que decide desconstruí-la ali, à nossa frente. Pôr-nos a rir desbragadamente. E depois calar-nos.
Na sexta-feira, em Montreal, Hannah Gadsby apresentou Nanette pela última vez. Ou pelo menos é o que ela diz. Se vai deixar a comédia? Isso não é importante. E o mais provável, ela já o admitiu, é que não desista. Mas talvez procure outros caminhos. “Não há nada mais forte do que uma mulher destruída que se reconstruiu”, avisa. Essa é a grande lição deste espetáculo. O que nos faz continuar, o que nos permite sobreviver é a ligação aos outros. Essa é a sua última palavra em palco: connection. Como quem diz: amor.
Este texto é uma adaptação de um texto que publiquei no passado domingo do DN.
Sobre Hannah Gadsby há muito para ler na internet. Aconselho-vos:
Eles crescem. No Baby Blues e cá por casa também. Tem sido uma aprendizagem para todos nós.
A propósito do post anterior, mais uma tira do Baby Blues. Quando eles crescem é mais fácil mas é muito necessário, mesmo quando são pequenitos, ter alguns momentos de sossego.