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Na Lisboa dos anos 80, fotografada por Luís Pavão e agora mostrada na exposição "Lisboa Frágil", no Museu da Cidade, há tabernas com balcões peganhentos; rebanhos de ovelhas a passearem por Alvalade; matinés dançantes onde as senhoras se sentavam em fileira, nas cadeiras encostadas à parede, controlando os passos atrevidos dos jovens; colectividades onde se jogava à laranjinha, às cartas, às damas. Parece que foi noutro tempo. E foi mesmo. Os anos 80 foram no século passado, foram há 40 anos, como é possível, é tão estranho pensar que os anos 80, os anos da minha infância, de que me lembro tão bem, estão, afinal, tão distantes de nós, a vida era tão diferente do que é hoje, sem telemóveis, sem internet, sem selfies, sem reels, sem polémicas da treta no twitter nem dancinhas no tik-tok. A vida era toda real, carne, sangue e suor. Para o bem e para o mal. Esta exposição é uma viagem a um mundo que já só existe nas nossas memórias. E, caramba, se me senti velha a percorrer estas fantásticas fotografias. Ainda assim, ou talvez por isso, vale muito a pena.

publicado às 12:56

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Fiquei curiosa sobre o Maradona depois de ter estado em Nápoles e de ter visto a admiração que aquela cidade tem pelo futebolista. Não fazia ideia. Na altura, o Maradona passou-me um bocado ao lado. Eu era miúda e não acompanhava muito a bola e, confesso, na final do Mundial de 1990, que foi mais ou menos quando comecei a gostar de futebol, estava a torcer pela Alemanha. Primeiro, porque eu estudava alemão e o meu liceu tinha um intercâmbio com uma escola em Dortmund que me levou a andar de avião pela primeira vez na vida, portanto, estava numa fase em que até comia salsichas com chucrute e kartoffelsalat; e, depois, porque aquele homem pequenino, atarracado e de penteado piroso não poderia nunca competir com o Lothar Matthaus, não é?

Ontem, que foi o dia de aniversário de Maradona, passou num canal qualquer um documentário sobre o jogador. É um filme realizado por Asif Kapadia, o mesmo que fez os documentários sobre a Amy Winehouse e o Ayrton Senna, usando as milhentas imagens de arquivo, muitas delas de vídeos caseiros. Pus-me a ver. O Maradona a correr que nem um touro selvagem contra tudo e contra todos, a inventar fintas, a passar por entre os adversários e a marcar golos atrás de golos. Parecia imparável. O filme acompanha sobretudo os anos da sua passagem por Nápoles, a relação com a cidade e com a Camorra, a infância pobre e a concretização de sonhos nunca sonhados, as vitórias, o relógio de ouro e o casaco de peles, o filho que não reconheceu, o golo com a mão, as festas e as mulheres, a cocaína, a mulher que aturou isto tudo desde que se conheceram quando eram ainda jovens e pobres, o modo como passou de adorado a odiado pelos italianos. É impressionante também a transformação provocada pelo vício, toda a decadência física. Diego Maradona nunca foi um "menino bem comportado", nem dentro nem fora do relvado. 

A propósito, o Bruno Vieira do Amaral partilhou ontem, no Facebook, um texto sobre o Maradona, onde diz: "Não se pode comparar a nenhum jogador de futebol, por muito talentoso, competente e vitorioso que seja, porque foi muito mais do que um jogador de futebol. Sozinho, personificou a abundância de talento, a criatividade desmesurada e a desgraça previsível de todo um continente. A sua vida foi um épico, uma tragédia e uma farsa, muitas vezes ao mesmo tempo. Foi rei e bobo da corte. (...)  o único território que Diego alguma vez reclamou foi o do coração dos adeptos e o seu único poder era o amor que lhe tinham. Pode-se discutir o que se quiser sobre a qualidade futebolística, comparar títulos e estatísticas, usar argumentos como quem usa floretes, mas ninguém de boa-fé pode contestar uma verdade evidente: nenhum futebolista foi tão amado quanto Maradona."

Também vale a pena ler o que o Marco Vaza escreveu no Público (para assinantes) a propósito da sua morte em 2020.

Continuo sem entender a idolatria, não entendo nenhuma idolatria. Mas deu para conhecer um pouco melhor Diego Maradona. Após a vitória no Mundial do México, o jogador deu uma entrevista televisiva no quarto onde tinha passado o último mês: nas paredes, mostrou orgulhoso, tinha uma fotografia da namorada, uma imagem da Virgem Maria e um poster de uma pin-up em nu frontal. Acho que é um bom resumo.

publicado às 23:47

05
Out23

Jon Fosse

Nobel da Literatura para Jon Fosse. Conheço-o pelo teatro. Peças minimalistas, becktianas, quer pela forma quer pelo conteúdo, sempre a questionar o sentido disto tudo, a confrontar-nos com o absurdo do quotidiano. Poucas palavras, repetições, uma musicalidade que nos embala. Angústia, tristeza. Lembro também o seu jeito tímido, quase envergonhado, engolindo as palavras num inglês enrolado.

Dia de lembrar o Jorge e os dias d'A Capital. De agradecer ter vivido o que vivi. A brincar, a brincar, esta pessoa especialista em coisa nenhuma já entrevistou dois prémios Nobel da Literatura. Não está na internet, mas garanto-vos que aconteceu.

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publicado às 18:19

Lembro com alguma nostalgia aquelas sextas-feiras à noite em que íamos buscar filmes ao videoclube. Havia um Blockbuster enorme ao pé do Fonte Nova, ficávamos lá uma meia hora pelo menos, a escrutinar as capas dos dvds. É que naquela altura não havia smartphones nem maneira de, estando ali, perante um título, saber mais sobre ele. Guiávamo-nos pelos nomes dos realizadores e dos actores e pelos resumos elogiosos das contracapas. Decisões complicadas, não podíamos errar. Trazíamos sempre dois ou três filmes. E pipocas de microondas ou gelados Häagen-Dazs, doçuras que, sabe-se lá porquê, só comprávamos quando íamos ao Blockbuster. Depois, era aproveitar o serão e o fim-de-semana para ver os filmes, e,  na segunda-feira, passar na loja antes de ir trabalhar para deixá-los na caixa de entregas. Isto, claro, antes dos filhos.

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(encontrei esta imagem no Google e era mais ou menos isto, paredes e estantes cheias de filmes)

O Blockbuster fechou há bastante tempo. Agora temos a box da televisão por cabo que nos permite andar para trás para vermos o que quisermos, temos as plataformas de streaming e mais a internet inteira para procurar os filmes que nos apetece ver. Foi o que fiz durante os dois dias que passei em casa às voltas com mais uma (a terceira) gripe devido à covid. Não foi nada de grave, apenas um nariz fungoso e aquela apatia que nos impede de sair do sofá e nos tira a capacidade de pensar no que quer que seja. Pois no sofá fiquei e vi tantos filmes que nem tenho a certeza de me lembrar de todos.

O meu preferido foi este: You Hurt My Feelings, realizado por Nicole Holofcener, com Julia Louis-Dreyfus e Tobias McKenzie, uma comédia-dramática, espécie de crónica sobre o quotidiano de um casal de meia-idade e sobre aquelas mentiras que todos dizemos por amor a alguém - serão assim tão inofensivas? É um estilo de filme que vai muito na linha de séries como Easy ou Modern Love, com muitos donuts e cafés bonitos e gente a falar sobre os seus problemas, que também são os nossos problemas, sem grande profundidade mas sem ser tonto, está ali no ponto ideal. Gostei muito. 

 

Também vi Rye Lane, estreia na realização de Raine Allen-Mirrer, protagonizada por David Jonsson e Vivian Oparah. Fiz uma pesquisa para "melhores filmes de 2023" e encontrei várias referências a este, por isso decidi arriscar. Rye Lane é uma rua real, no sul de Londres, e é aí, entre lojas e esplanadas coloridas, que se passa quase toda a acção. É uma comédia romântica e  isso diz tudo sobre a história, mas ainda assim foi uma boa surpresa.

 

Gostei menos de Showing Up, filme de Kelly Richardt, com Michelle Williams a interpretar uma artista cheia de inseguranças antes da inaguração da sua exposição, com dificuldades em relacionar-se com a sua família de artistas e com a comunidade artística de Oregon, EUA. O filme esteve nomeado para a Palma de Ouro em Cannes e a Michelle está muito bem, mas a mim aborreceu-me um bocado e acho que até adormeci pelo meio (mas pode ter sido da febre, vá).

 

Finalmente, na RTP2 vi o documentário A Vida é um Autocarro Vazio, sobre a escritora Maria Judite Carvalho. É uma escritora que só descobri há relativamente pouco tempo, gostei muito dos dois livros que li dela e tinha muita curiosidade sobre o filme. Achei interessante, porque ela parece ter sido uma mulher fascinante. O documentário é mais ou menos.

 

publicado às 18:11

No 25 de Abril de 1974 eu já andava por aí, na barriga da minha mãe. Nasci em liberdade e tenho muita noção do quão privilegiada sou por isso. Cresci a ouvir as histórias dos meus pais e dos meus avós, a saber da fome e do medo, da guerra e da opressão, da pobreza e da falta de perspectivas de futuro. Cresci sabendo que comigo seria diferente. Que na minha escola todas as crianças tinham sapatos nos pés. Que votar no dia das eleições é um direito, um dever e uma enorme alegria. Que podia discordar. Sou filha da escola pública e do serviço nacional de saúde, da Comunidade Económica Europeia e dos sonhos que se poderiam realizar: "Não somos ricos nem temos cunhas, mas se estudares e trabalhares podes ser o que tu quiseres", disse-me o meu pai. Eu estudei e trabalhei e aqui estou. Sou o que quero (e se não sou mais é porque não soube sê-lo). 

Há dias em que isto faz tudo sentido.

Nos últimos dias andei a recolher testemunhos de pessoas muito fixes sobre o significado pessoal desta data.

Ontem estive no Palácio de Queluz a ver o Chico Buarque a receber o Prémio Camões e tive que me controlar para não deixar cair uma lagriminha. 

Hoje, irei descer a avenida, encontrar amigos e dar abraços. 

Gosto muito do dia 25 de Abril. Estou geralmente feliz. Emociono-me de todas as vezes que ouço o "Grândola". Sorrio sempre ao ver as imagens dos militares nas ruas, da multidão em êxtase, dos cravos. Sinto uma enorme gratidão e ao mesmo tempo o receio de que tudo isto seja demasiado frágil, às vezes tenho a sensação de que não estamos a cuidar tão bem quanto deveríamos da nossa democracia. Pergunto-me se faço o suficiente. 

Esse questionamento também é uma das heranças do 25 de Abril.

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Populares saudam os militares no dia 25 de Abril 

publicado às 08:58

28
Fev22

A minha mãe

A minha mãe. Também conhecida cá em casa como avó Mariana. E por quase toda a gente como a professora Nita. A minha mãe queria que eu escrevesse sobre ela e eu nunca fui capaz. Acho que ainda não sou. Só me ocorrem banalidades. Herdei dela as gargalhadas sonoras e as coxas largas. Talvez também o pragmatismo com que encarava os problemas. A mais bonita história de amor é a dos meus pais. Quando eu nasci a minha mãe já só tinha um braço. No entanto, nunca foi uma pessoa deficiente. Trabalhou sempre e fez tudo o que lhe foi possível e até mesmo o que parecia impossível, como bordar a ponto-de-cruz miudinho toalhas de mesa de jantar e fraldas e babetes para os bebés. Ensinou-me a fazer bolos e, o que é mais importante, a gostar de fazer bolos. Dizia-me que eu devia tratar melhor de mim e comprar roupas bonitas e arranjar o cabelo. Gostava de ler os meus textos e sei que tinha um orgulho enorme em mim, mesmo sem haver grandes motivos para tal. Tinha os seus momentos depressivos, tomava comprimidos para dormir e para acordar e para levar melhor esta vida e, apesar das muitas complicações de saúde de que já sofria, só se foi realmente abaixo neste último ano porque soube, desde o primeiro momento, que não iria conseguir. 

A minha mãe morreu na manhã do dia 22 de fevereiro. 

Ainda estou (ainda estamos) a tentar assimilar como é isto de continuarmos cá sem ela. É uma tristeza diferente das outras tristezas. Umas vezes mais presente, outras vezes mais disfarçada, mas uma tristeza que tem estado sempre por aqui nestes dias. 

Ficam as memórias boas. E dessas, felizmente, temos muitas. 

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Esta é a última fotografia que tenho da minha mãe. Tirada no meu último aniversário. Quando ainda acreditávamos.

publicado às 09:23

No outro dia, entrei na Livraria Barata e fiquei de coração partido.

Lembro-me bem da Barata. Naquele tempo ainda não havia lojas Fnac e centros comerciais de jeito só as Amoreiras. Havia as antigas livrarias da Baixa que agonizava, a Arco-Íris no Campo Pequeno e a Buchholz no Marquês, mas eram todas um bocado fora de mão. O centro do meu mundo era a avenida de Roma e era lá que ficava a Barata. A Barata era ela mesma um mundo, um mundo encantado de livros, livros aos montes, empilhados uns em cima dos outros, prateleiras até ao tecto, era preciso subir a um escadote para alcançá-los, prateleiras com filas duplas. Livros em todas as línguas, os essenciais da Penguin em paperback, os livros de poesia do Al Berto, os livros de capas coloridas do Pedro Paixão, os clássicos russos, livros de todos os géneros e para todos os gostos. Era um sítio quentinho, aconchegante, onde era bom ir nem que fosse só para passear. Vou ali à Barata ver as novidades, dizíamos, enquanto fazíamos tempo para a sessão no Londres. Era à Barata que íamos, horas antes de apanharmos a camioneta para o natal, comprar as prendas que faltavam, fossem livros ou canetas, canecas ou pins.

No outro dia, entrei na Livraria Barata e fiquei de coração partido. As prateleiras estão vazias, conseguem imaginar? Prateleiras vazias. Uma livraria com restos de colecção, em fim de catálogo, a saldo. À beira de fechar, segundo leio das notícias. Que tristeza.

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(fotografia tirada da internet, de quando tudo ainda corria bem)

publicado às 08:23

05
Jan20

De dez em dez

Um exercício narcísico para começar o ano. Não foi fácil encontrar fotos em que estou sozinha, mas lá consegui. Aqui estou eu, de dez em dez anos, sem filtros. 

1980 (just a kid):

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1990 (não devíamos guardar fotos da adolescência, pois não?):

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2000 (os gloriosos 20s, quando ainda acreditávamos que tudo era possível):

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2010 (devem ser as únicas fotos minhas em todo o ano, estava muito em modo mãe e de certeza que nestas fotos estou a olhar para os miúdos):

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2020 (rugas e sinais, mas continuo a olhar para eles):

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publicado às 15:21

01
Ago19

Agostos

Os verões eram longos. Nunca mais acabavam. Depois das férias na praia, sempre em julho, ainda havia um agosto inteiro pela frente para nos aborrecermos pela casa, espraiadas no sofá a ler livros aos quadradinhos com sotaque brasileiro ou a ver filmes antigos e os programas do Júlio Isidro nos dois únicos canais de televisão que havia. Às vezes, conto isto aos meus filhos. Conseguem imaginar? Dois canais de tv, sem telemóvel, sem internet, sem consolas. Eles ficam de boca aberta. E fazias o quê?, perguntam. Nem eu sei. Quando éramos ainda crianças brincávamos com as bonecas ou no quintal, na adolescência acho que nos limitávamos a estar por ali. Líamos (a minha irmã mais do que eu, eu não lia muito para ser sincera). Jogávamos crapô. Havia as limpezas de verão nas quais tínhamos de colaborar limpando as estantes dos livros (um a um) ou lavando os mil bibelôts. E pouco mais, parece-me. Os verões eram longos e quentes. Um calor abrasador logo pela manhã. A casa na penumbra. Só nos atrevíamos a sair mais tarde. Às vezes havia uma ou outra amiga que também estava por lá em agosto e com quem me encontrava ao final do dia, depois do lanche, hoje em minha casa, amanhã na tua, só para nos entediarmos juntas. Para contarmos os dias que faltavam até setembro, até à feira, até à escola. Bebíamos leite gelado com suchard express. E comíamos gelados super maxi. Mas, pensando nisso, aquilo que me ocorre é que os meus verões tinham sabor a salada de tomate. Em todas as refeições comíamos salada feita com tomates maduros e muito vermelhos, que sabiam mesmo a tomate, ao contrário dos tomates de agora que não sabem a nada. Ao contrário de agora, em que os verões já não se parecem nada com verões.

publicado às 15:16

Quando vejo os vídeos das festas dos estudantes universitários, estejam eles alcoolizados e a fazer figuras tristes, ou mascarados de veteranos e a mandarem os mais novos rastejar no chão, não sinto qualquer tipo de empatia por aquelas pessoas. Pelo contrário. Sinto repulsa. E até alguma vergonha. Porém, antes de produzir algum discurso sobre aquilo, é preciso lembrar duas verdades:

- aqueles jovens não são todos os jovens. aqueles estudantes universitários não representam todos os estudantes universitários. há quem consiga tirar um curso e nunca tenha mostrado as mamas para beber um shot à borla nem qualquer coisa do género.

- as bebedeiras e as figuras tristes dos estudantes nas semanas académicas não são uma novidade do novo milénio. o que é novidade é que agora há lives no facebook e no instagram que mostram a todo o mundo (incluindo aos paizinhos que juravam que o meu filho nunca) o que sempre aconteceu.

Eu também já fui estudante universitária. Tenho ideia que houve uma aula de praxe e que depois de nos terem enganado os veteranos pintaram-nos a cara em grande galhofa. Mas o que mais recordo daquela primeira semana de aulas na faculdade é que fizemos um piqueninque no parque Eduardo VII em que partilhámos croquetes e pastéis de bacalhau e que depois houve um jantar de curso, que éramos muitos na sala dos fundos de um restaurante de segunda ao pé da universidade, que nos levaram a beber ginjinha e ao Intendente que nessa altura ainda não era uma zona recomendável e ao Bairro Alto para dançarmos ao som dos Cure e dos Violent Femmes e que para aqueles que, como eu, vinham de fora, foi a primeira vez que saímos à noite em Lisboa. E também me lembro que nessa semana - que terminou com um grupo de malta a cantar-me os parabéns numa das "famosíssimas" festas de Comunicação Social da Nova - conheci pessoas do 2º, do 3º e até do 4º ano, colegas com quem passei a almoçar na cantina, amigos com quem passei horas a conversar ao sol na esplanada, alunos mais velhos que nos passaram apontamentos e fotocópias e que, alguns deles, se juntaram aos caloiros tardes inteiras a estudar lógica nas mesas do Continental. 

Tive sorte, é verdade. Porque aquele curso e aquela faculdade eram especiais. Mas depois fiz as minhas escolhas porque sou dona do meu nariz. Nunca fui veterana nem veneranda, nunca praxei nem humilhei nenhum caloiro. Ignorei ostensivamente todas as semanas académicas. Estava demasiado ocupada com outras coisas que me interessavam mais do que ir a um concerto do Quim Barreiros ou participar no rally das tascas. Não me vesti de preto nem arranjei uma capa quentíssima para me pavonear pelas ruas da cidade em pleno calor de maio, as meninas de saia, pois claro, que as meninas têm de usar saias e sapatos, não se podia usar ténis com o traje, não era permitido. E eu sempre odiei uniformes e carneiradas. Não cantei nunca que a mulher gorda a mim não me convém. Não fui à bênção das fitas porque nunca percebi para que é que precisava de uma missa para terminar o curso em beleza. Nem sequer tive fitas - mas tenho álbuns com fotografias das pessoas que me acompanharam nesses quatro anos. Não tenho anel de curso e nunca ninguém me tratou por senhora doutora. Não faço ideia onde tenho (ou sequer se tenho) um canudo que comprova a minha passagem pela faculdade. 

E no entanto foram belos os tempos. De grandes aprendizagens (nas aulas e fora delas), de grandes divertimentos, de grandes amizades. De boas memórias.

A tradição académica é o que nós fizermos dela. Como todas as tradições, aliás. Estão sempre a tempo de se renovarem.

publicado às 19:49


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