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28
Ago23

Cerejas

Há  pessoas que são como cerejas.

Carnudas e brilhantes por fora. 

Mas, lá dentro, com um caroço duro e escuro.

 

(filosofia da treta mas é uma imagem bonita, retirada de Sharp Objects, minissérie bastante viciante e intrigante, com a Amy Adams, que encontrei por estes dias na HBO)

publicado às 15:30

19
Ago23

Paul e Joanne

Não sei como, mas tinha passado ao lado desta pequena maravilha: The Last Movie Stars é uma série documental realizada por Ethan Hawke sobre os actores Paul Newman e Joanne Woodward. É sobre cinema e sobre representação e sobre o que é ser uma estrela, mas é também sobre amor, sobre construir uma relação e uma família e sobre a condição das mulheres (até mesmo as mulheres que ganham Óscares e são famosas). Está disponível na HBO e aconselho muito.

publicado às 20:03

"Não há dúvidas de que o comunismo foi uma época terrível para a Rússia, mas o que temos hoje ainda é pior", escreveu Anna Politkovskaya em 2004. Pouco depois, em 2006, a jornalista russa foi assassinada à porta de casa. Tinha 49 anos e dedicara grande parte da sua carreira a denunciar as atrocidades e as injustiças cometidas no seu país, em particular na Chechénia. O livro A Rússia de Putin foi publicado em Portugal no ano passado e é um documento incrível e uma premonição. Estava lá tudo. O fim do comunismo e a tentativa fracassada para construir uma democracia. O poder enorme dos olicargas e das máfias. O desprezo de Putin pelo seu povo. A guerra como forma de manter o poder. A ambição desmedida. A corrupção incrustada na sociedade. A lei do mais forte. Os líderes ocidentais a fecharem os olhos e a darem apertos de mão, porque também lhes convinha. A pobreza das pessoas. O desalento. E, por fim, a necessidade de denunciar, de continuar mesmo sabendo - porque tinha que saber, porque ela própria contou essas histórias - que quem desafia o poder põe a sua vida em risco.

A luta contra a corrupção e por uma democracia do povo era a bandeira de Alexei Navalny. O advogado e político russo, da oposição, seria o maior concorrente a Vladimir Putin nas eleições presidenciais. Mas foi preso várias vezes e foi alvo de uma tentativa de assassinato, por envenamento, em agosto de 2020. O documentário Navalny, que está disponível na HBO e que está nomeado para um Óscar, encontra-o precisamente durante a recuperação, na Alemanha. Apesar de estar longe de casa, Navalny e a sua equipa continuaram a fazer oposição, determinados em fazer com que o mundo soubesse a verdade sobre a Rússia e sobre Putin, convictos de que o apoio internacional poderia evitar o pior. Talvez tenha sido assim: Navalny foi novamente preso no momento em que aterrou na Rússia e, desde então, tem sido certamente torturado e mal tratado de muitas formas; mas não foi morto. O documentário termina com a sua prisão, a 17 de janeiro de 2021, com as imagens incríveis de uma multidão que o esperava feliz mas acabou a levar bastonadas, com os telemóveis a gravarem a detenção de um cidadão apenas porque criticava o governo e denunciava os abusos de poder.

Passa hoje um ano sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia. Uma guerra que está longe de terminar. E se há coisa que este livro e este filme deixam bem claro é que esta guerra não foi uma surpresa para quem acompanhava o que se passava na Rússia. E é por isso que quase todos os líderes ocidentais são culpados disto que veio a acontecer - por terem sido coniventes com uma ditadura, por não terem sabido impor os limites quando deveriam tê-lo feito. Já vimos isto acontecer antes, que nos sirva de lição para o futuro. Com ditadores não pode haver diálogo.

Hoje é um dia bom para ler jornais e para percorrer os sites de informação. Há muita coisa boa para ler e para ver. Escolham bem as vossas fontes de informação e aproveitem. Há muitas histórias bem contadas, histórias de pessoas reais, de gente como nós que foi apanhada no meio de uma guerra. De gente que poderemos vir a ser nós, um dia destes.

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Mariupol, 9 de março de 2022

Fotografia de Evgeniy Maloletka/AP

publicado às 10:27

Decisão de Partir

Então, foi assim: choveu durante não sei quantos dias e eu estava já a passar-me de não conseguir sair de casa e, então, no domingo, ou no sábado, já não sei, depois do almoço, avisei a minha malta: vou sair. Mas o tempo continuava manhoso, não dava para confiar. Olhei para o relógio, fiz as contas e decidi ir ver o Ela Disse, da Maria Schrader, sobre o caso Weinstein, mas, depois, entrei no metro e, pimbas, senhores passageiros, devido a um incidente na linha azul a circulação encontra-se interrompida, pedimos desculpa pelo incómodo causado. Felizmente, tinha um livro para ler. Ficámos parados durante 40 minutos. Quando cheguei ao cinema, já não dava para ver o Ela Disse (acabei por não chegar a vê-lo de todo), cusquei o telemóvel enquanto estava na fila da bilheteira e optei por Decisão de Partir, do Park Chan-wook, que é um dos mais conhecidos realizadores sul-coreanos, apesar de não ter as melhores recordações do Oldboy, que é um dos seus filmes mais aclamados mas que não faz, de todo, o meu género. Arrisquei. Nada a ver. Este Decisão de Partir é uma história de amor. A atracção entre um detective da polícia e a suspeita de um homicídio que ele está a investigar. Contado de forma vagarosa. Muito bonito. Muito triste. Li algures, depois, que era um thriller. Não diria tanto. Há um mistério para resolver, mas não sei se isso é o mais importante. Gostei muito. É um filme com muitos silêncios, como se as personagens deixassem sempre algo por dizer. Gosto cada vez mais disso.

Os Fabelmans

Um Spielberg é um Spielberg, há coisas com que contamos logo à partida, como aqueles momentos a puxar à lágrima (pelo menos à minha, que é fácil, fácil) e uma qualquer lição no final (geralmente, é uma lição de moral, aqui é uma lição de cinema). Os Fabelmans é uma autobiografia ficcionada do realizador, que nos mostra o início do seu fascínio pelo cinema, as aventuras dos primeiros filmes, feitos na juventude, com a família e os amigos, até à certeza de que queria que aquela paixão se tornasse mais do que um hobby. É, no fundo, também uma história de amor: do amor de Steven Spielberg pelo cinema - e já sabemos que esta é uma história que acaba bem. Pelo meio, há a história da família, com o divórcio dos pais e toda a dor que isso implica, e há o terror do liceu, com cenas de bullying e amores adolescentes. E até há David Lynch. Pronto, não conto mais. Se quiserem saber mais, leiam este texto, escrito por quem sabe. Ou então vão ver, são quase duas horas e meia mas dá para rir e para chorar e é tão fofinho que nem se dá por isso.

Entretanto, também vi:

Pinocchio de Guillermo del Toro (Netflix) - Muito, muito bem feito. Fez-me lembrar as fábulas tragicómicas do Tim Burton. Não é de todo a minha praia mas não custa a ver. 

A Oeste Nada de Novo, de Edward Berger (Netflix) - A história original é de Erich Maria Remarque e já tinha dado origem a um filme americano em 1930. Esta nova versão, alemã, eleva a recriação dos horrores da Primeira Guerra Mundial a um novo patamar (viram o 1917? agora imaginem 265 minutos praticamente só com cenas nas trincheiras e na frente de batalha). Muito violento, explícito, sangrento. Difícil de ver, em determinados momentos. Exactamente como tem de ser, porque nos dias que correm não há como adocicar as guerras. É impossível chegar ao fim sem sentir um grande nojo dos políticos que decidem coisas nos seus gabinetes dourados (sim, estou também a pensar em Putin, mas não só) enquanto milhares de inocentes morrem por coisa nenhuma. 

Glass Onion: A Knives Out Mystery, de  Rian Johnson (Netflix) - Sinceramente? Um aborrecimento. Tanta estrela junta (Edward Norton, Janelle Monáe, Kate Hudson, Daniel Craig - e até Hugh Grant, por breves instantes - são os nomes mais sonantes, e ainda um tal Dave Bautista que eu desconhecia mas que aparentemente também é uma estrela) mas a mim pareceu-me tudo demasiado falso e forçado. Entretanto, já li análises profundíssimas explicando como o filme é uma crítica aos milionários com pés de barro ao estilo Elon Musk e de como tudo aquilo é uma enorme sátira à nossa sociedade de aparências e criptocoisas. Pode até ser. Mas, para mim, não deixa de ser um aborrecimento.

 

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Na foto, Gabriel LaBelle em Os Fabelmans

publicado às 21:59

Para ler

Os livros da Jessi Klein, que descobri já não me lembro por recomendação de quem nas redes sociais. A Jessi Klein é uma atriz, stand-up comedian e argumentista norte-americana que escreveu dois livros com pequenos textos onde fala disto de ser mulher, de chegar à meia-idade e de ser mãe, com grande realismo e algum humor. Intitulam-se You'll Grow Out of It (2016)e I'll Show Myself Out: Essays on Midlife and Motherhood (2022) e têm lá muito daquilo em que nós, as mulheres, pensamos, dos cabelos brancos à busca pelo amor. 

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Para ver

Duas sugestões muito diferentes (entre as milhares de coisas que tenho visto no streaming):

Heartstopper (Netflix), uma série sobre adolescentes, que é também uma série sobre pessoas LGBT. Podia ser só mais uma série sobre miúdos num liceu, mas é tão fofinha que conseguiu emocionar uma cota quarentona

Olive Kitteridge (HBO): a partir do livro de Elizabeth Strout, esta minissérie protagonizada por Frances McDormand, Richard Jenkins e Bill Murray acompanha o casamento entre uma rígida professora de matemática e um farmacêutico gentil numa terra perdida em New England, EUA, ao longo de uma vida, por entre obrigações, sonhos e desilusões, filhos que crescem e o lento envelhecimento, com a doença e a morte à espreita. E no meio disto tudo o que é o amor e onde fica a felicidade? E como é que vamos mudando e nos vamos adaptando a todas as mudanças da vida?

Para ouvir

A playlist de outono do ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, é ainda melhor do que a playlist que ele tinha feito para o verão. São quatro horas de puro deleite (e melancolia q.b.). Por aqui está em repeat.

publicado às 19:36

(texto praí com três semanas de atraso, mas mais vale tarde do que nunca)

Fui ver o espectáculo Last time to see me before I die, do John Cleese. Acho que quase todos os que ali estavam naquele dia (e nos outros dias, o homem conseguiu encher o coliseu para seis espectáculos) foram sobretudo por causa das boas memórias dos Monty Python e da série Faulty Towers. Sabendo disso, o humorista deu-nos bastantes memórias. E foi fixe ouvi-lo a contar histórias desses tempos, mesmo que algumas dessas histórias já fossem bastante conhecidas, e a fazer algumas reflexões sobre porque é que aquele tipo de humor teve tanto sucesso. 

O que foi menos fixe foi perceber que, para além disso, ele tinha pouco mais a oferecer. Só uma lenga-lenga contra a "cultura de cancelamento" (ou "cultura woke") que vai-se a ver em 2022 já tem muito pouco de revolucionário e parece só rabujice. Eu, que não sou a maior fã de humor em geral nem de Monty Python em particular (ai, o escândalo, como é possível? pois, é verdade. acho que algumas coisas têm graça, outras mais ou menos e outras são só tontas, pronto) mas sou completamente contra cancelamentos e linchamentos públicos, senti só muita pena daquele velhote sem noção - e alguma vergonha alheia, em alguns momentos, confesso. 

É verdade que instintivamente rimo-nos de coisas que racionalmente não têm graça. Rimo-nos ao ver pessoas a cair e todo esse género de trapalhices (Chaplin sabia-o bem). Rimo-nos, infantilmente, quando alguém diz piadas com segundos sentidos "marotos" ou expressões proibidas. Rimo-nos de coisas muito parvas. Não há mal nenhum nisso. Nesse ponto, Cleese tem razão. Há um lado mais básico da comédia que evoluiu muito pouco. Mas também é verdade que o humor é das formas de arte que envelhece pior. Aquilo que era transgressor ou surpreendente nos anos 70 ou 80, hoje já nos parece banal. E ainda bem que assim é. Estranho seria se fosse de outra forma. Podemos defender que O Tal Canal de Herman José foi um programa importantíssimo quando estreou e, ao mesmo tempo, admitir que ao ver aquilo agora já não damos assim tantas gargalhadas.

O que é verdadeiramente incompreensível é não compreender isto e insistir em ficar parado no tempo.

publicado às 09:25

A série documental Diários de Andy Warhol, que está na Netflix, foi uma das melhores surpresas que tive nos últimos tempos. Ao princípio faz um bocadinho de confusão sabermos que a voz que estamos a ouvir não é dele, é gerada por computador a imitar a voz dele, mas ao fim de um tempo esquecemo-nos e já não questionamos. Para quem, como eu, sabia muito pouco sobre o Warhol, há ali imensas revelações, quer sobre a sua vida pessoal quer sobre o seu lado artístico e a sua personalidade, com as suas muitas imperfeições e os seus momento de genialidade. É também um retrato de uma época, de como Nova Iorque mudou entre os anos 60 e os anos 80. E tem momentos bastante emocionantes (ou então sou eu que ando com lágrima fácil, também pode ser).

publicado às 12:19

Coisas que vi neste últimos tempos e que recomendo:

- o documentário Quatro horas no Capitólio (HBO) mostra o que aconteceu a 6 de janeiro de 2021, quando os apoiantes de Trump invadiram o Capitólio, em Washington, no momento em que os congressistas confirmavam a vitória a Joe Biden. Apesar de sabermos como tudo terminou, não deixa de ser angustiante ver como uma turba de gente entrou no edifício, o que diziam, o que queriam fazer, quais as suas ideias. É um documento impressionante.

- o documentário Arthur Miller: Escritor (HBO), realizado pela filha do dramaturgo, Rebecca Miller, é uma viagem à intimidade do autor de Morte de um Caixeiro Viajante para ficarmos a conhecer um pouco melhor este homem que muitos conhecem apenas como o último marido de Marilyn Monroe. Mas que, na verdade, acabou a viver no campo e a fazer mesas e cadeiras na sua carpintaria, casado e muito feliz com Inge Morath, a primeira mulher fotógrafa da agência Magnum.

- o documentário Nureyev (Netflix) permitiu-me saber mais sobre o grande dançarino russo, que eu conhecia tão mal. Um génio com mau feitio mas bom coração, que fugiu para o Ocidente em plena Gurra Fria, dançou com Margot Fonteyn quando já todos vaticinavam o fim da sua carreira, quis fazer algo completamene diferente e trabalhou com Martha Graham em Nova Iorque e morreu com sida quando dirigia a Ópera de Paris. Não esperava mas acabou por ser bastante tocante. 

- o documentário The Great Hunger (Arte TV), que eu descobri por acaso num qualquer comentário no Twitter, acabou por ser uma grande lição de história sobre um tema de que também não sabia muito. A grande fome, causada por uma praga que destruiu a produção de batata, base da alimentação da classe mais pobre da Irlanda, e o modo como a coroa britânica lidou com o assunto, haveria de influenciar a grande vaga emigratória - sobretudo para os Estados Unidos - e também os ímpetos independentistas dos irlandeses. Na sequência, aproveitar para ver um outro documentário sobre a Revolução Irlandesa - de que eu só tinha ouvido falar em filmes (como Michael Collins) e séries (como Rebellion, na Netflix). 

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publicado às 20:14

Já vi tudo. A terceira temporada de After Life toda de seguida, numa manhã nublada de sábado em que tinha tantas outras coisas mais importantes para fazer. O trabalho pode esperar, a roupa por passar pode esperar e se hoje não sair de casa nem fizer exercício nem fôr comprar pão também não há de ser grave. Comecei com vou só ver um bocadinho e acabei por ver os episódios todos ali entre o riso e a lágrima, uma gargalhada de vez em quando, uma ternura constante, um sentimento enorme de empatia e, depois, no último episódio, não deu mais para conter e foi choradeira do princípio ao fim.

Sobre as duas temporadas anteriores escrevi AQUI e AQUI. Não há muito mais que possa dizer. Só que é muito bom.

E, já agora, se estiverem em mood lamechas, podem ir ouvir a playlist oficial.

publicado às 15:40

30
Nov21

Tudo passa

Estou a ver o documentário dos Beatles. Como tenho pouco tempo ainda só vi o primeiro episódio. Acredito que para quem não é grande fã aquilo seja extremamente aborrecido mas para mim está a ser só delicioso. Estou a desfrutar de todos os detalhes. E a redescobrir músicas que já não ouvia há muito tempo. Como esta. Que maravilha.
 

"Sunrise doesn't last all morning
A cloudburst doesn't last all day
Seems my love is up
And has left you with no warning
But it's not always going to be this grey
 
All things must pass
All things must pass away
 
Sunset doesn't last all evening
A mind can blow those clouds away
After all this my love is up
And must be leaving
It has not always been this grey
 
All things must pass
All things must pass away
 
All things must pass
None of life's strings can last
So I must be on my way
And face another day
 
Now the darkness only stays at nighttime
In the morning it will fade away
Daylight is good
At arriving at the right time
It's not always going to be this grey
 
All things must pass
All things must pass away
All things must pass
All things must pass away"
 
(All Things Must Pass, de George Harrison)

publicado às 13:51


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