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18
Mar18

Todos os dias

Ontem o António teve um pesadelo. Acordou e veio a correr para a minha cama. Ali ficámos agarrados uns minutos, no escuro. Mas esta não é uma maneira habitual de começar o dia. Num dia normal, como o de ontem, o António sai de casa sozinho, armado em crescido, para ir à festa de anos de um amigo no Colombo enquanto eu fico a dar miminhos ao Pedro, que, avisou-me a professora, está com a habitual crise do dia do pai. Deixo-o ver vários episódios do "CSI Miami" e do "Hawai Força Especial" e pelo meio do estudo de inglês ainda lhe faço um bolo de chocolate. Ao fim do dia, é a audição de bateria. O António vem amuado, porque queria ter continuado na festa. Mas vem. O Pedro morre de vergonha de se apresentar em público mas lá estamos nós, eu e mano, na primeira fila, a aplaudir e a tirar fotografias. Depois o vizinho vem jogar playstation e eu fico na cozinha a assar batata doce e pernas de frango, até que o António pergunta "o Afonso pode jantar connosco?" e eu invento mais uns ovos mexidos e até faço feijão preto porque gosto que eles gostem de estar cá em casa com os amigos. E, depois do jantar, sentamo-nos todos no sofá a comer gelado e a ver o "Crocodile Dundee". Num dia normal, como o de hoje, saímos de casa de manhã a discutir porque eu acho que o António deveria ser mais responsável e saber onde deixou as caneleiras e não ficar na brincadeira quando tem de se despachar para o futebol. Deixamos o António no campo e eu e o Pedro vamos ao supermercado. Depois, vamos ver o jogo e sofro de cada vez que ele erra um passe, fico feliz com os cantos tão bem marcados, parte-se-me o coração quando o vejo desalentado no banco a ver a equipa perder. Logo a seguir, enche-me de orgulho o meu filho que agarra o colega de equipa, impedindo-o de fazer uma parvoíce que lhe iria custar caro; que acalma outro que acaba por ser expulso do jogo; que no final, ao contrário de muitos que saem amuados, cumprimenta os adversários e os árbitros com um aperto de mão firme. Dou-lhe um beijo à saída do balneário. Ele a escapar-se, com a vergonha típica dos adolescentes. Digo-lhe: "Fiquei muito orgulhosa de ti". Já é tarde e deixo-os fazer um almoço alternativo. O António come uma lata de sardinhas. O Pedro come noodles de pacote. Sou a melhor mãe do mundo durante cinco minutos. Passado um bocado já me estou a chatear porque são horas de trabalhar e nenhum deles quer largar os aparelhos. Digo uma vez, duas vezes, vinte vezes. É preciso chatear-me a sério para que o Pedro se sente ao meu lado a estudar inglês, enquanto o António faz um trabalho sobre o Mondrian. Alguém deveria dizer à professora de Educação Visual que um miúdo do oitavo ano não conseguirá nunca fazer uma análise com pés e cabeça de um quadro do Mondrian, mas, pronto, isto eu não posso dizer-lhe a ele. O puto protesta. Lá o tento ajudar. Ele odeia que eu lhe corrija os trabalhos. A coisa azeda. Mais uma discussão para o currículo. "Fizeste-me perder uma tarde inteira nisto", diz, a pensar em todos os minutos de playstation que ficaram por jogar nestas duas horas de trabalho. Mas quando se levanta para arrumar as coisas da escola dá-me um abraço, assim daqueles bons. Ponho-me a ver o novo "Humanity" de Ricky Gervais, no Netflix, mas tenho que interromper a cada cinco minutos para ver a repetição dos golos que eles marcam no Fifa. "Oh, mãe, oh, mãe, vê lá este. Brutal." Está um frio de morte e os miúdos decidem ir dar pontapés de verdade para o terraço com os vizinhos. Vejo-os cá de cima. Tão felizes. Às 19.30 não sei se os chamo para os banhos ou se os deixo estar mais um pouco. A hesitação resolve-se facilmente: o António molhou o Pedro, o Pedro molhou o António, estão a discutir aos gritos. Abro a janela: "Acabou a brincadeira!" Vêm do contra, é preciso pôr ordem naquilo e ainda zangar-me com o António para que desligue o telemóvel e se decida a entrar na banheira. Ao jantar, um queixa-se da sopa, o outro não quer salada. Não há tempo para muito mais. "António, desliga o telefone." (Quantas vezes é que eu digo esta frase num dia?) Vão lavar os dentos e implicam um com outro, põem-se a lutar wrestling, não tarda nada já estão a discutir outra vez. Vou lá eu. Dou um grito. Cama. Cada um com um livro. Até parecem uns anjos. Passa há muito da hora de dormir. O Pedro quer o saco de água quente. Tenho que lhes ir dizer para apagarem as luzes. Beijo-os muito. Venho para o computador e como amêndoas de chocolate.

Estes são os nossos dias normais. Dias cheios de coisas importantes e coisas de nada. Coisas boas e coisas más. Abraços e amuos. Discussões e cenas muito fixes. É assim ao sábado e ao domingo. E também é mais ou menos assim, com intervalo para a escola, na segunda, na terça, na quarta, na quinta e na sexta. É assim esta semana e na próxima e na seguinte. É assim em março e em abril e em maio e nos outros meses todos. Foi assim no ano passado, é assim este ano, será assim no ano que vem. 

Cá em casa todos os dias são dia da mãe.

O resto é conversa. Literalmente.

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publicado às 23:58


1 comentário

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Susana 19.03.2018

Feliz dia da mãe todos os dias.

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