Devo ao meu pai e ao meu avô algumas das peças de roupa mais originais da minha adolescência. A minha primeira gravata, umas quantas camisas, cintos de cabedal que não se colocavam exactamente na cintura mas meio descaídos, um colete de xadrez castanho que ainda hoje tenho, um casaco de camurça dos anos 60, uma gabardina, um casaco de cabedal preto com uma fivela pesadíssima e as mangas demasiado compridas (mas nós usávamos assim mesmo, com as mangas a tapar a mão quase toda, dava estilo), um pijama de botões, camisolas de lã grossa e gola alta (uma preta, uma cor-de-rosa velho, uma castanha), um chapéu daqueles pretos como têm todos os velhotes alentejanos e que na altura se tornou moda por causa da Madonna – “Who’s that girl”. Naquele tempo não se usava roupa de marca. Os orçamentos eram mais curtos do que as mini-saias, que também tiveram a sua época, e não havia zaras nem mangos por perto. Só os Porfírios, loja labiríntica na Baixa de Lisboa, com escadinhas e recantos, roupa muito preta de um lado e muito colorida de outro. Lembro-me perfeitamente de umas meias que lá comprei, pretas com bolinhas brancas, até à canela, e que usei até à exaustão durante um longo Inverno. Isto foi pouco depois da moda das perneiras (que, como a “dança jazz”, veio através da série “Fama”). Foi nos anos 80, quando as raparigas demoravam todos os dias meia hora, pelo menos, a empinar o cabelo naquilo a que na altura chamávamos uma “popa”. Era preciso acordar mais cedo para descarregar na cabeça a dose certa de laca ao mesmo tempo que se aplicava o secador a quente com a escova de enrolar a dar o feitio certo à obra de arte. Para me acompanhar nesta tarefa, levava para a casa-de-banho um rádio enorme, género tijolo mas ainda mais pré-histórico pois tinha sido trazido por algum avô dos tempos de África, e punha a tocar uma cassete com os xutos e pontapés a gritarem que de bragança a lisboa são nove horas de distância. Fui confirmar agora à net, só para não dizer asneiras, e eu tinha 14 anos quando esta música foi lançada e também tinha um lenço vermelho ao pescoço, como os que o Tim usava, e sabia a letra toda dos “Contentores” e lembro-me de morrer de tristeza porque a minha mãe não me deixava escrever com caneta nas calças e nos blusões de ganga como fazia a minha amiga Tânia que tinha uma série de pulseiras de cabedal no braço e as calças riscadas com a palavra xutos, xutos e o símbolo da anarquia muitas vezes. Agora que falo nisso, vêm-me à cabeça as músicas dos Wham e do Lionel Richie, dos Duran Duran e outros, cujo nome não me ocorre e não me apetece ir procurar na net, porque isto sim é mais deprimente do que a “popa”, o chapéu da Madonna ou os ombros postiços que nos faziam a todas parecer jogadores de futebol americano, mas que davam no programa do Adam Curry, todos os dias ao final da tarde. E comprávamos a revista Bravo, em alemão, só para ver as letras das músicas e ficar com os posters dos Modern Talking e de um tal Pierre Cosso de olhos azuis. Às vezes, quando tínhamos um furo, íamos para casa do Cabanas, que era logo ali ao lado, fechávamos as janelas e ouvíamos “slows”. Os Dire Straits e não sei quê. Podíamos dançar, dois a dois, com as mãos muito suadas por causa dos nervos, dos passos trocados e da sensação gostosa de estar a fazer qualquer coisa de proibido. Mas o mais comum era ficar cada um no seu canto e algumas raparigas choravam ao ouvir “I should have known better”. Quantos desgostos amorosos se teriam evitado se houvesse, então, aulas de substituição. Uma vez por semana, iamos ao cinema ver a “Academia de Polícias”, o "Crocodile Dundee" ou o que fosse o filme desse sábado e jurávamos a pés juntos que iamos ser amigos para sempre. Para sempre, pelo menos até ao nono ano. Tínhamos 13 anos em 1987 numa vila perdida do Alentejo e éramos tão inocentes como só era possível ser naquele momento, sem internet nem televisão a cabo, sem centros comerciais nem pizzarias, sem bares nem discotecas. Só nós, as nossas bicicletas e muita imaginação para pesquisar os armários dos pais e procurar peças de roupa com que imitávamos a moda vista nos telediscos. Roupa de marca branca.