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Quando eu era miúda a emissão da RTP, que era a televisão que havia, terminava algures entre a meia-noite e a uma da manhã. Vinha a locutora para dizer até amanhã, depois aparecia o genérico, taran taran tan tan, e ficava a mira técnica durante toda a noite; ao fim-de-semana, quando eu acordava e corria para a televisão para ver os desenhos animados às vezes ainda estava o ecrã às tiras coloridas com música clássica a acompanhar. Quando se desligava a televisão era como se o país inteiro fosse descansar. Como não havia canais por cabo nem internet nem sítios para onde ir, pelo menos lá na minha terra, o pessoal não tinha outro remédio senão pegar num livrinho e deixar-se adormecer. Não passava pela cabeça ninguém, a não ser que tivesse uma daquelas insónias ou muito trabalho por fazer, ficar acordado até de madrugada. Fazendo o quê? Mesmo mais tarde e já na movimentada capital, eu ainda sou do tempo em que as discotecas fechavam às quatro da manhã. E já era tardíssimo. Lembram-se? Calava-se a música, acendiam-se as luzes e expulsavam-nos dali sem piedade sequer por aqueles que tinham de ficar ao relento fazendo tempo até à hora do barco ou do comboio para casa. Era então que íamos aos bolos de Santos ou ao cacau da Ribeira. Para acabar a noite.
Mas isto foi no antigamente, já se vê, quando a noite era noite e o dia era dia. Porque agora, neste mundo que nunca dorme, está sempre tudo aberto e tudo em funcionamento. Há sempre qualquer coisa para fazer, um jogo para jogar, um sítio para navegar, um filme qualquer para ver. Um motivo para ficar acordado. Seja em casa ou na rua. Uma pessoa que se deita, suponhamos, às onze horas é olhada com estranheza pelos amigos. O quê?, já vais dormir?, como se [eu] fosse uma aberração. É que uma pessoa normal deita-se por volta da uma da manhã, pelo menos. Os jantares marcam-se para as dez, só os parolos chegam às discotecas antes das duas e noite que é noite deve terminar lá pelas sete, quando a cidade já se movimenta e os meus filhos estão quase, quase a acordar.
Não me parece bem. Quer dizer, eu sempre fui assim meio ensonada, uma espécie de Cinderela que a partir da meia-noite podia ficar um bocadinho rabugenta, mas mesmo assim conseguia ter uma vida social mais ou menos normal. Só que isto agora atingiu proporções nunca vistas. É que há já muito tempo que não consigo fazer um programa completo com os meus amigos. Começo a bocejar quando ainda estamos nas entradas, quando chega a sobremesa já estou a cabecear e acabo sempre por os deixar a caminho de algum lado e apanhar um táxi para casa enquanto os ouço a gozar já?, mas já te vais embora?, és umas cortes, é o que és. E sou mesmo. É por isso que eu tenho saudades da mira técnica. Era assim uma espécie de Vitinho para os crescidos. Dizia-nos que estava na hora de ir para cama. E ninguém questionava isso. Toda a gente se deitava e dormia as suas sete horinhas de sono, que tão bem fazem à pele e ao humor das pessoas. E nunca ninguém ia reparar que eu já não aguento uma noitada à séria.