Todos os dias, no caminho para a praia, passávamos pelo cartaz com os dois golfinhos. Olha os golfinhos, mãe. Até que, quase no final das férias, decidimos seguir as indicações – Guia, Algarve – e ver o que aquilo era. É o que dá ir de férias sem Internet. Não pudemos pesquisar no google para saber ao certo o que nos esperava e por isso foi com surpresa que, chegados à Guia, Algarve, nos deparámos com um gigantesco parque de estacionamento repleto de autocarros e automóveis e meninos de camisola verde que, simpaticamente, nos indicavam um lugar para estacionar mais longe, lá para o fundo. Também reparámos que daqueles carros saíam famílias inteiras com toalhas de praia e geleiras azuis, como se estivessem ali para passar o dia. Estranhámos. E só percebemos realmente o que se passava quando, depois de vinte minutos na fila para comprar os bilhetes, nos pediram 21 (vinte e um!) euros por adulto. Pois sim. Se eu soubesse que tinha de pagar 21 (vinte e um!) euros para entrar também me teria preparado para ficar lá o dia inteiro, não é? E nós nem fato-de-banho trazíamos. Ainda hesitámos. Mas, depois, enfim, já tínhamos feito o caminho, o puto perguntava pelos golfinhos e, afinal, uma vez não são vezes, estamos de férias, assim como assim a manhã de praia já está perdida e, por isso, lá fechámos os olhos e estendemos o cartão multibanco para pagar 42 (quarenta e dois!) euros para entrarmos no maravilhoso Zoomarine. O espectáculo dos golfinhos tinha começado há cinco minutos, lamentou uma outra menina de camisola verde que nos aconselhou a, entretanto, ir ver as aves tropicais. As aves tropicais eram quatro araras enfiadas numa gaiola. Não gostámos. Passámos pelas pipocas, pelos gelados e pelos carrosséis e fomos procurar as focas e os leões-marinhos. Como ainda faltava mais de meia-hora para o espectáculo destes animais, ficámos um bocadinho a bisbilhotar os tanques. Estávamos por ali quando, de repente, olho para trás e vejo uma multidão que se aproxima, passos apressados, em sofreguidão, em aflição para alcançar os melhores lugares. Tinham saído todos do show dos golfinhos e já se adiantavam para o das focas, que isto é um parque de lazer mas é preciso não perder pitada. Lá fomos, então. Meia hora sentados à espera. É agora, mãe? Não, filho, espera um bocadinho. Primeiro veio um palhaço que pôs toda a gente a bater palmas e recrutou uns elementos do público para a mais velha das rábulas do circo, quando o palhaço finge que vai fazer um filme e os convidados são os actores e etc. Finalmente, o espectáculo das focas. Mas não podia ser só as focas, isso seria demasiado simples, havia uma história e duas tratadoras-actrizes-palhaças que nos contaram a sua busca incansável pelo livro da felicidade. She searches for the book of happiness, dizia a voz off. Comecei a franzir o nariz. Tenho pouca paciência para historietas, ainda por cima com tradução simultânea. Olha, uma foca verdadeira. Look, it’s a real seal. Depressa. Quick. Não fujas. Don´t run. A coisa já me estava a enervar quando uma das tratadoras-actrizes-palhaças sacou de uma pistola e desatou aos tiros. O meu filho pediu colo e escondeu a cara. Primeiro “atingiram” uma foca. O bicho caiu no chão fazendo-se de morto. O público aplaudiu. E o miúdo pediu para ir para casa. Depois, uma das raparigas também foi “atingida” e caiu dentro da piscina. E houve risos. Assim, como se fosse natural. Quero dizer: eu não compro armas ao meu filho, lá em casa não há espadas nem pistolas, evitamos que ele veja lutas e outras violências na televisão e quando pensamos que vamos ver um inocente espectáculo de focas aos saltos apanhamos com isto? Ainda o espectáculo não tinha acabado já a malta se estava a levantar a correr para arranjar lugar noutro espectáculo, quase se atropelavam na saída. Nós ficámos sentados mais um pouco. Oh, mãe, porque é que a menina caiu na água?, perguntou a criança. Porque é que ela a matou? Para distrair o puto fomos até ao aquário, um tanque minúsculo e de água muito suja com dois tubarões, uns sargos e uns robalos. Ai que saudades do Oceanário. Na penumbra, encontrámos ainda uma réplica de uma baleia coberta de pó e teias de aranha e quando voltámos à superfície já era uma da tarde, o sol queimava a pele e as famílias ocupavam todas as sombras disponíveis para almoçar as sandes e as batatas fritas trazidas de casa. Acho que está na hora de ir embora, disse. Vamos. Dissemos adeus as meninas de camisola verde e saímos sem sequer passar pela loja das recordações. Estávamos quase a chegar a casa quando a voz do banco de traz se fez ouvir. Oh, mãe, afinal não vimos os golfinhos.