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16
Abr08

Dia da mulher

Em Espanha, metade dos ministros são mulheres. Uma delas tem a pasta da defesa. E, por acaso, está grávida. O facto não a impede de cumprir as suas funções, como, por exemplo, passar revista às tropas. E é isto uma notícia?
Aparentemente, e infelizmente, sim. A mente dos homens adora estes desvios à normalidade. A coisa tem uma certa perversão que os entusiasma e excita de alguma forma. Ali está uma mulher, no auge da sua feminilidade, a comandar as tropas compostas por homens com H grande e músculos de aço. Imagino o que não passará por aquelas cabeças perversas. Só pode ser essa a explicação para se dar tanta atenção a um facto tão banal. É que, desde que as mulheres conquistaram o direito ao trabalho (sim, por muito que o detestemos, é um direito), elas têm vindo a dar cartas nas áreas mais diversas, incluindo aquelas antes dominadas por homens. Há cada vez mais mulheres nas universidades, nos jornais, no ensino, nos hospitais, nas fábricas. Elas são advogadas e juízes, empresárias, bancárias, deputadas, imagine-se que até têm o desplante de ser ministras, polícias, militares, taxistas, camionistas, sapateiras e outras coisas assim estranhas. E todas elas, é verdade, apesar de trabalharem, insistem em continuar a engravidar e a ser mães. Ah, não sabia? Ninguém ainda tinha reparado? Eu própria sou a prova viva disso. Aqui ando, de barriga redonda, a trabalhar dez horas por dia e nem por isso a minha fotografia aparece nos jornais. Mas isto foi só um aparte, não é isto que está em causa. O que está em causa é o facto de o mundo ainda se surpreender com tudo isto e de ainda se fazerem notícias de jornais a dizer, olha, que engraçada que ela é, naquele tom condescendente que os homens usam para dizer deixa-as lá brincar ao poder. O que está em causa é que o mundo (especialmente o nosso pequeno mundo português) ainda se surpreenda por as mulher serem, fazerem, acontecerem, falarem e terem opinião. Só por isso é que é notícia que a mulher de um dirigente político participe numa manifestação contra a política do partido do marido (o quê? mas ela, como mulher, não devia concordar com tudo o que ele diz?). Ou que a namorada do primeiro-ministro seja criticada por... ser competente e por isso ter emprego? ... ou porque continua a ter as suas convicções e a gostar de manifestá-las em vez de se calar, fingir-se de morta, apagar-se, desaparecer e limitar-se a ser a namoradinha?
A coisa tem que mudar. Já está a mudar. No meio diplomático, outrora dominado por homens, às mulheres restava o papel de bibelot. Esposas dedicadas, lá iam atrás dos seus homens. Vestiam-se e pintavam-se, recebiam os convidados e organizavam chás de caridade. Com cada vez mais mulheres diplomatas, os maridos destas vêem-se numa posição estranha. Ninguém espera que eles desistam das suas carreiras para ir atrás das mulheres. Ou que se dediquem a servir sopa ao pobres. Ou que organizem leilões. Estão, então, à procura de novas funções. E assim ha de ser com tudo o resto, esperemos. Vai chegar o dia em que, no dia da mulher, já não se farão notícias sobre as mulheres "extraordinárias" que ocupam cargos de topo ou que lideram empresas. E que, apesar disso, não têm bigode nem usam botins ortopédicos. Vai chegar?

publicado às 09:50


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