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Era a Julieta que, todos os anos, organizava os bailes dos santos populares, com o acordeonista da moda e o concurso da miss vestido de chita. A Julieta era uma senhora toda despachada, de cabelo pintado e voz nasalada que tinha uma mercearia na esquina da minha rua. Sempre que faltava algum ingrediente para o jantar lá ia eu, a minha avó pergunta se tem presunto bom ou meia dúzia de ovos ou um pouco de feijão manteiga desse que tem de ser medido com a caixinha de madeira. E a Julieta e o marido davam-me o troco em moedas e guloseimas - rebuçados bola de neve, pastilhas pirata, pirolitos caseiros embrulhados em papel colorido. A Julieta gostava de festas, sobretudo do carnaval. Era vê-la mascarada de bruxa ou de odalisca a bater-nos à porta e a desafiar-nos para um desfile improvisado, vamos lá para a rua, dizia, e a cada ano havia mais pessoas a juntar-se ao grupo até que arranjaram também um carro e uma aparelhagem e, quase sem dar por isso, a Julieta tornou-se a presidente da comissão de festas da terra e, durante algum tempo, o carnaval ganhou fama e vinham pessoas de todas as aldeias para ver o magnífico corso da rua da república. De maneiras que, para arranjar dinheiro para as serpentinas e papelinhos, era também a Julieta que organizava os bailes dos santos populares. Havia sardinhas assadas e cerveja, febras e sangria, a Julieta subia ao palco para apresentar as meninas de vestidos floridos e, enquanto as mulheres se agarravam a outras mulheres a dançar pela noite fora, os homens ficavam encostados ao balcão a emborcar imperiais. Às vezes também havia uma fogueira. Os miúdos adoravam - fazia-se uma fogueira no meio da estrada e depois íamos todos a correr e a saltar por cima das chamas tentando não nos queimarmos. Nunca percebi o que é que os santos tinham a ver com as fogueiras mas era tradição e era divertido. Quando a Julieta se cansou de organizar carnavais e bailes manhosos, quando se zangou com os senhores da câmara ou foram os senhores da câmara que se zangaram com ela, não sei, acabaram-se as festas na minha terra. Nunca mais houve acordeões a tocar no largo da escola nem sambistas a desfilar em pleno inverno. A Julieta transformou a mercearia numa retrosaria, em vez de pirolitos passou a vender tecidos de chita florida para vestidos que já não iam a concurso. E, agora, se não fossem os manjericos à venda no mercado a gente nem se lembrava que é santo antónio.

publicado às 10:56


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