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Bastam uns segundos e temos a certeza: isto é um filme dos anos 70. Não é só por causa das cabeleiras fartas ou das calças à boca de sino. Um típico filme dos anos 70 tem algumas características muito próprias. Por exemplo, o sexo. Ele há sexo de todas as maneiras e feitios, muitas maminhas ao léu, festas com casais swinger, mulheres emancipadas e sem vergonha de assumirem os seus desejos, enfim, são filmes que só podiam ser feitos depois da revolução sexual e antes da sida. Além disso, um típico filme dos anos 70 é um filme sobre relações, mais exactamente sobre relações complicadas ou falhadas. Pais e filhos, casais desavindos, divórcios, amigos que se traem, irmãos incestuosos, amantes secretos, gente que, além de fazer sexo, conversa e conversa e conversa sobre o sexo, como se fosse Freud o homem por trás da câmara. Um típico filme dos anos 70 é, por exemplo, "A primeira noite" (1967) ou "Os amigos de Alex" (1983).

publicado às 11:54

Os meus pais não nos deixavam ver televisão à noite. Depois do jantar podiamos ver a telenovela, que naquele tempo terminava por volta das nove e meia, e depois xi-xi, cama. Já mais crescidas, ficávamos acordadas até mais tarde mas iamos para o quarto ler, estudar, conversar, ouvir o Oceano Pacífico, o que fosse. Televisão é que não. Desta forma, não acompanhei as séries da época - nunca vi um episódio das Teias da Lei, e do Modelo e Detective só quando deram à tarde, no saudoso Agora Escolha. Nem via os filmes que davam às quartas-feiras à noite na RTP1 ou nas outras noites na RTP2. Godard e Renoir, Fellini e Rossellini, Bergman e Eisenstein, todos me passaram ao lado. Em compensação, tirei um curso superior em cinema americano. É que, aos fins-de-semana à tarde, havia sempre um filme para ver na televisão. E que filme. Um clássico, como agora se diz. Westerns e melodramas, musicais e screwball comedies, aos onze anos víamos na televisão os filmes que hoje em dia só se encontram na cinemateca. As curvas da Marilyn, a coragem de John Wayne, os pés do Fred Astaire, os olhos da Elizabeth Taylor, os dentes do Jerry Lewis, a doçura de James Stewart. Conhecia-os todos. Errol Flynn e Cary Grant, Gene Kelly e Gary Cooper, Rock Hudson e Gregory Peck. Barcos de piratas e aventuras na selva, tiros entre o norte e o sul, escravos nos campos de algodão, uma correria atrás da Lassie e os vestidos maravilhosos de Sissi. Imaginava-me índia, de pena na cabeça, a ser resgatada por um esbelto e corajoso cowboy. Ou então corista num espectáculo da Broadway, em complicadas coreografias. Eu era a Ginger Rogers e quase voava de tanto rodopiar. Ou podia ser a Katharine Hepburn, decidida e emancipada. Ou então a Jane Wyman, perdidamente apaixonada. E tudo isto sem sair do sofá, num domingo à tarde. (suspiro) E agora, se ligo a televisão no fim-de-semana, quanto aposto que está a dar um filme com uma múmia ressuscitada ou com uma cambada de miúdos parvos numa qualquer comédia escatológica. C'um caneco, estou mesmo a ficar velha.

publicado às 11:04


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