Ao fim de umas semanas de praia a pele das canelas começou a estalar, tal e qual como acontecia com a minha avó Helena a quem também se escurecia o peito do pé de tal forma que quem olhasse só para aquela parte do corpo haveria de pensar que estava perante uma pretinha de gema. A minha avó usava creme Nivea, daquelas latinhas azuis. Eu besunto-me toda com um creme sofisticado que parece não ter grande efeito. A verdade é que já há muito tempo que não estava assim tão bronzeada. Há já muito tempo que não apanhava um verão tão quente, com tão pouco vento, com água menos fria do que é costume por aqueles lados. Também por isso era difícil resistir aos pedidos dos miúdos para ir para a praia quando o que me apetecia era ficar na esplanada e, uma vez na areia, não me deixavam ficar um segundo descansada debaixo do chapéu, quando um queria jogar à bola o outro queria raquetes, quando um queria ir para a água o outro ia atrás, e nós sempre ali, de um lado para o outro, a controlar-lhes os mergulhos, ao sol, a cavar buracos na areia e a construir piscinas. A encolher a barriga quando vinha a onda.
*
Ler o diário da Susan Sontag é uma experiência de intrusão. Temos a certeza absoluta que, ao contrário do que acontece com outros diários, aquele não foi escrito para ser lido por nós. De uma intimidade confrangedora, é como se Sontag precisasse escrever aqueles textos para se ir compreendendo e construindo a si mesma. Fez-me pensar: tão diferente do que acontece com os blogues onde, por mais que reclamemos sinceridade, todos estão constantemente a construir personagens e a dar imagens controladas de si, com mais ou menos revelações, mas é sempre uma escrita para os outros, para fora. Enquanto em Sontag há uma separação absoluta entre os textos antes publicados e estes pensamentos (ou entre a vida pública e a vida privada). A descoberta maior, para mim, que pouco conhecia da sua privacidade, a não ser o facto de ela ter sido parceira de Annie Leibovitz, foi perceber a insegurança dela em relação ao corpo e à sexualidade e a baixa auto-estima neste capítulo e que, vá-se lá saber porquê, não supunha numa intelectual tão marcante e tão crítica. Tem tudo a ver com preconceitos, com aquilo que imaginamos sobre pessoas que mal conhecemos. Com a eterna luta entre aquilo que somos e aquilo que a sociedade espera de nós (e o que escreveria cada um nós se escrevesse com honestidade - palavra que ela usa muito - aquilo que pensa e sente?). À espera dos próximos dois volumes.
*
Não foi de propósito mas os outros dois livros que passaram por mim nestas férias também falavam, cada um à sua maneira, sobre isto: 'A Vida Verdadeira', primeiro romance de Vasco Luís Curado e 'Verão', de J.M. Coetzee. Um livro por semana não está mal, dadas as circunstâncias e o sono que me atacava por volta das dez da noite.
*
As crianças crescem. De um dia para o outro, o António, que já andou em três piscinas e desistiu de todas e que se recusava a molhar a cabeça na praia ou na piscina, descobriu-se o rei dos mergulhos. Dêem-lhe umas braçadeiras e o mundo será dele. E o Pedro finalmente fala pelos cotovelos, às vezes fala até demais, convenhamos, mas é tão lindo de qualquer maneira com aquele palavreado enrolado. Ainda não conseguimos tirar-lhe as fraldas, ainda há muitos xixis pelas pernas abaixo, mas pronto. As crianças crescem. Ontem, às sete e meia da manhã, já tinha o mais velho acordado e de mochila às costas, pronto para o primeiro dia de escola. Tão compenetrado. A dar a mão ao mano, que também começou uma etapa nova na nova escola. O mano vai mostrar-te a tua sala, o mano agora vai para a sala dele que é já ali porque o mano já está no primeiro ano e tem muitos trabalhos para fazer, não te preocupes que o mano já vem.
*
Para que não duvidássemos, a chuva veio dizer-nos que o verão acabou. Há mais de um mês que não vestia um par de calças. Mais deprimente do que isto só pensar que amanhã regresso ao trabalho.