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Tentar educar um ou mais filhos ao mesmo tempo que se trabalha oito ou muito mais horas por dia e se tenta ser bom nesse trabalho, estar a par, não perder a competitividade, tentar fazê-lo sem a ajuda de avós que ou estão longe ou ainda trabalham, sem a presença de tias ou madrinhas ou família alargada que hoje em dia está quase sempre afastada e também atarefada com a sua vidinha, sem a presença de baysitters caríssimas ou empregadas internas ou outras, só uma mulher a dias (as mais das vezes num só dia) e já é uma sorte, e por isso tentar educar um ou mais filhos e trabalhar no duro ao mesmo tempo que se tem uma casa para governar e para arrumar, compras para fazer e comida para cozinhar, tentar ainda assim fazer qualquer coisa gira no pouco tempo de lazer, praticar um desporto, pôr os miúdos a fazer desporto, ir ao cinema ou ao teatro ou a exposições, passar algum tempo com os amigos, passear, com ou sem os filhos, praticar uma religião, ter algum tipo de atividade política ou cívica.
Não conseguir. Recusar convites para viagens de trabalho porque são muitas noites e é complicado. Viver em função do horário da escola. Por isso recusar ficar a trabalhar até mais tarde. Por isso ser olhada de lado no trabalho. Recusar constantemente todos os convites para eventos ao fim da tarde ou à noite, jantares, saídas, cinemas, festas. Conseguir fazer algumas destas coisas mas sempre sozinha porque algum dos pais tem que ficar com os filhos, né?
Ouvir o despertador e não poder dizer só mais um bocadinho porque esse bocadinho vai pôr toda a família em stress. Garantir que os miúdos têm roupa para vestir, o equipamento do desporto lavado, os trabalhos de casa em dia. Garantir que há leite para o pequeno-almoço e bife para o jantar. Pensar em tudo. Chegar a casa e não descansar. Não podermos estender-nos no sofá e ficar em silêncio. Ler-lhes uma história ao fim do dia e aconchegar-lhes o cobertor e saber que ainda se tem a loiça por lavar e a roupa por estender. Estar estafada e ainda assim sorrir-lhes, porque eles merecem e porque de facto nos fazem felizes.
Fazer isto tudo tentando não gritar nem bater (mas gritando e batendo quando é preciso). Fazer isto tudo tentando dar-lhes a melhor educação, o melhor exemplo, ensinar-lhes os valores que contam. Dar-lhes as melhores memórias possíveis da infância ao mesmo tempo que exigimos que se portem bem à mesa, que se esforcem na escola, que sejam responsáveis. Tentar moldá-los aos nossos sonhos e ao mesmo tempo dizer-lhes para serem eles mesmos. Ter dúvidas. Morrer de culpa, porque hoje em dia os senhores psiquiatras que escrevem nas revistas são peritos em fazerem sentir-nos culpadas. Prometer a nós mesmas que amanhã seremos melhores.
É. Ser mãe é a melhor coisa do mundo, que é, mas também é isto. E não me venham cá dizer que não é preciso ser mãe para poder criticar e dizer como é que deveria ser. Tretas. Todas nós sonhámos em ser melhores mães do que aquilo que somos. Todas nós imaginámos como iriamos fazer, como seríamos perfeitas, quão maravilhosos seriam os nossos filhos. Que respostas daríamos. Quantas certezas teríamos. Como manteríamos a calma e dominaríamos a situação. Como seríamos encantadoras, sempre a falar baixo e a fazer coisas divertidas, e os nossos filhos tão queridos, tão educados, tão inteligentes. Sem fazerem birras nem dizerem palavrões. A gostarem de música clássica e a lerem ficção científica. Todas nós. Mas depois. A vida de todos os dias troca-nos as voltas. São poucas as que conseguem trocar as voltas à vida (conheço duas ou três). Mas são muitas as excelentes mães, apesar de tudo.
Sim, lamento, mas é preciso mesmo passar por isto para saber.