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Nem de propósito. Tinha acabado de escrever o post em baixo e recebi um mail com notícias da Anne Teresa de Keersmaeker. Tive o privilégio (lá está) de entrevistar Anne Teresa quando ela esteve em Lisboa. Tive também o enorme prazer de a ver dançar em 'Fase' e assistir ainda ao espéctaculo 'Rosas danst Rosas', criado em 1983. São dois dos espectáulos mais extraordinários que vi até hoje. Dos tais momentos que valem mesmo a pena. Para celebrar estes 30 anos, a companhia Rosas organizou uma série de iniciativas a partir de amanhã, no Kaaitheater, em Bruxelas, que incluem reinterpretações da famosa coreografia e um espetáculo em que pela primeira vez Anne Teresa se junta à filha, Franziska, no palco. A companhia lançou ainda um desafio a quem quisesse recriar a coreografia. Os vídeos chegaram do mundo inteiro. Há grávidas, crianças, jovens, velhotes, gente que sabe mesmo dançar e gente que se está só a divertir. Alguns dos filmes são mesmo tocantes. São mais de dez horas de filmagens e podem ser vistas no site oficial. Para quem tem pouco tempo, fica aqui uma espécie de trailer:
Ou de Xangai:
Passamos muito tempo a queixar-nos. Esta não foi exactamente a vida escolhemos. O jornalismo (já?) não é tal e qual como o sonhámos. Os jornais funcionam mal. Os jornais são efectivamente maus. E, na maior parte das vezes, chegamos ao fim do dia com aquela sensação de que poderíamos ou deveríamos ter feito muito melhor, de que acabamos por escrever textos irrelevantes ou apenas banais. Que não tivemos tempo suficiente nem espaço bastante para fazer o que queríamos. Ou que não nos deixaram fazer o que queríamos. A frustração é grande. E temos de facto motivos para nos queixarmos.
E, no entanto, sou uma privilegiada. Se quiser ser justa tenho que admiti-lo. Sou uma privilegiada. Faço aquilo que gosto. Olho para o mundo e escrevo sobre ele. Nos dias bons, nada se compara a isto. Mais. No meu trabalho eu faço coisas tão incríveis como ler jornais e ler livros, ver filmes, ouvir músicas, assistir a espetáculos, ir a concertos, falar com pessoas, falar com pessoas interessantes. Conseguem imaginar? Há muito trabalho chato, que há, fazem-se muitos textos de treta e perde-se muito tempo com coisas sem importância, é verdade, e às vezes quase perdemos a cabeça com a incompetência que nos rodeia, mas, de vez em quando, há dias, há momentos, que compensam tudo. O meu trabalho obriga-me a crescer, a descobrir o mundo, a dar atenção a coisas a que nunca teria chegado sozinha. Pode ser a Pina Bausch ou a Miley Cyrus, a sério. Sair da zona de conforto. Absorver. Reflectir. Ver de outra forma. O prazer de me sentar numa sala escura a meio da tarde e ver, em primeira mão, um daqueles espetáculos que nos reviram por dentro. Ou de visitar uma exposição guiada pelas explicações pormenorizadas do seu criador. Ou de acompanhar a rodagem de um filme, que está a nascer ali mesmo, à minha frente. Os nervos antes de uma entrevista com um daqueles artistas que adoro. Ou as longas conversas com algumas daquelas pessoas que fazem mesmo a diferença. Há jornalistas que ganham o dia com uma "cacha". Para mim é isto. A alegria de aprender e de me surpreender. De chegar ao fim de um trabalho um bocadinho mais rica do que quando comecei.
Falta o resto, que é muito, mas enquanto puder continuar a fazer o que faço acho que ainda vale a pena.