Voltar ao topo | Alojamento: Blogs do SAPO
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
- Mãe, hoje vem alguém jantar cá a casa?
As crianças habituam-se depressa ao que é bom. E ter amigos em casa é sempre bom.
Os miúdos a jogar à bola no terraço do prédio com os vizinhos. Foi a primeira vez que ficaram lá sozinhos. Espreito-os da janela da cozinha. Ouço as suas gargalhadas e as parvoíces que dizem uns aos outros. Estão tão crescidos. E tão felizes.
Ilustração de André Letria e Ricardo Henriques, para o Felicidário.
E nós vamos grandolar pela avenida.
Marisa Monte, 'Bem que se quis' (1989)
Conheci o Jorge há dez anos.
O António tinha nascido há pouco tempo e o meu cabelo estava uma lástima, fraquinho, a cair-me por todo o lado. Não bastavam os quilos, as hormonas, o desvario daqueles primeiros meses, ainda havia o cabelo que tinha de andar sempre apanhado para não me atrapalhar as mudas das fraldas e essas coisas todas que as mães fazem de cabeça inclinada e para o puto, com as suas mãos pequeninas, não estar sempre a puxar-me os cabelos. Então, uma tarde, entre mamadas (sim, gozem à vontade com a Carolina Patrocínio mas este é realmente o nome da coisa, por isso sosseguem lá a vossa cabecinha porca), a Isabel levou-me a conhecer o Jorge. Vais adorá-lo, garantiu.
Curtinho, disse-lhe eu. Muito curtinho. O Jorge perguntou "tem a certeza?", depois atou-me o cabelo num rabo de cavalo e cortou com a tesoura, e, olhando para a minha cara só para garantir que eu não me tinha arrependido, desatou a escortinhar com habilidade. Saí de lá como nova. (e esta foi a última vez que cortei o cabelo assim tão curto)
Desde então, o Jorge é o meu cabeleireiro. Meu e da Isabel e de mais umas quantas amigas, que nós somos assim, gostamos de partilhar as coisas boas da vida umas com as outras. Quando falamos, não dizemos que vamos ao cabeleireiro, dizemos que vamos ao Jorge, o que é bem diferente. Mesmo eu, que não sou uma grande cliente. Vou lá duas, no máximo três, vezes por ano, quando quero cortar. Não pinto, não faço madeixas, não estico nem faço caracóis. Corto umas vezes mais e outras vezes menos. Normalmente, digo: faça como quiser. Fecho os olhos e deixo-me ir, enquanto ele me faz massagens na cabeça e cuida de mim, e eu fico só a ouvir a música e a desfrutar. E mesmo ao fim deste anos todos e de me perguntar pelos filhos e pelo trabalho e de falarmos do nosso Alentejo, o Jorge sabe manter esse equilíbrio entre os momentos em que conversamos e os momentos em que ficamos em silêncio. Há pessoas para quem será diferente, mas para mim, que venho de uma terra pequena onde os salões das cabeleireiras são autênticos ninhos de fofocas, cheios de mulheres linguarudas, poder ir ali, entregar-me nas mãos de alguém que me conhece, alguém de quem gosto e em quem confio mas com quem não tenho que comentar a vida de toda a gente, é muito, muito importante.
Tenho seguido o Jorge pelos vários salões onde andou e esta semana fui visitá-lo no seu espaço novo, um sítio pequeno, só dele, sem manias de grandeza, mas com toda a simpatia. E talento.
O MetroStudio by JL fica da rua dos Sapateiros, 168. O telefone é 213420418.
Conversar. Perguntar como foi o teu dia. Contar o meu dia. Comentar coisas sem importância. Falar da chuva. Dizer mal do governo. Criticar os chefes. Contar as novidades. Falar por falar. Dizer em voz alta o que me vai no pensamento. Posso dizê-lo às crianças mas não é a mesma coisa. E, depois, às nove e meia da noite calo-me. E assim fico.
Conversar. É das coisas que me faz mais falta.
"João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história."
Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade
Nos preparativos para o baptismo, a catequista avisa que o António deve levar roupa clara e pede por favor para ele não usar ténis.
Porquê? O que é que deus tem contra as crianças de dez anos que usam ténis? O que é que isso interessa? Porque é que a igreja insiste em deter-se nos detalhes em vez de dar importância ao que é realmente importante?
Solução de crise: uma caderneta para dois (bom, na verdade, para três, que eu também me divirto com isto). O que tanto dá situações de extrema ternura entre irmãos como discussões exaltadas, com lágrimas e tudo, sobre quem é que vai colar os cromos brilhantes que, sabe-se lá porquê, são os mais apetecidos.
PS - o António ainda não decidiu qual a selecção que vai apoiar, parece que desta vez está indeciso entre a Espanha e a Argentina. portanto, não só consegui a proeza de ter um filho do sporting como, mesmo tendo-o levado duas vezes ao estádio para gritarmos por Portugal, ainda não consegui convencê-lo a gostar mais da nossa selecção. tal como aconteceu há dois anos (aqui, aqui e aqui) e há quatro anos. ao menos não posso acusá-lo de ser um vira-casacas.