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Lembro-me das tardes de domingo na barragem da Rocha. Primavera. Eu e a minha irmã a apanhar flores amarelas e brancas e a brincar às casinhas nos bancos de pedra. Nós e a vovó Ana a brincar à apanhada, às voltas num pilar que lá havia, a relva a crescer por entre as placas de cimento que faziam um caracol no chão. Lembro-me dos cães que ladravam no barracão que era um café. De ter medo. De fazer xixi agachada, atrás das árvores. Lembro-me do Dinho, no carro branco, a ouvir os relatos da bola. Talvez também lesse o jornal. Ou não. Não sei se me lembro disto tudo ou se inventei algumas memórias.
Lembrei-me disto porque estou a ouvir o benfica-porto na rádio (e, tirando os anúncios constantes, parece que os relatos continuam mais ou menos na mesma).
Ainda há uma sessão às 16.30. Corram para o Teatro Maria Matos, em Lisboa, e desfrutem da beleza de Cair, o espectáculo de Victor Hugo Pontes para maiores de 5 anos. Nós fomos ver esta manhã e adorámos.
Os miúdos dormiram em casa de uns amigos do peito (obrigado, obrigado). O António teve um jogo de futebol. Fomos experimentar os hamburgueres da praça de londres. Não conseguimos encontrar cravos. Já em casa, o Pedro andou a recolher informações sobre a chita, recentemente eleita o seu animal preferido, e o António estudou para o teste de ciências. Jogaram playstation enquanto eu me divertia na cozinha. Olhei a chuva pela janela da cozinha e pareceu-me inverno. O Pedro cantou o Grândola enquanto tomava banho e explicou-me que esta era uma música proibida mas que havia outra, que era uma "música da moda", que também foi um sinal para os militares. Depois do jantar houve wrestling e eu temi pelos móveis da sala e pelos ossos das crianças. Consegui pô-los na cama mesmo a tempo de ver, na RTP2, o documentário sobre os últimos dias das Pide. Emociono-me sempre com as imagens do 25 de abril.
Este ano não descemos a avenida. A revolução acontece todos os dias.
A ouvir o novo disco dos Blur vezes sem conta. Chama-se 'The Magic Whip'. E é mesmo aquilo que me apetecia ouvir nesta altura.
Ficar à janela a vê-lo ir sozinho para a escola.
(no início do ano lectivo, tínhamos falado sobre isto: na primavera já vais conseguir, vais ver, disse-lhe eu. vê-los crescer é das coisas mais fantásticas do mundo)
Deixei-o no quarto a ler com uma lanterna, debaixo das mantas, para não incomodar o mano que queria dormir. Apareceu-me na sala um bom quarto de hora depois, lavado em lágrimas. O que se passou, meu filho? Não consigo dizer. E ali ficámos, abraçados, até eu conseguir perceber que a família do Jamie, o protagonista, tinha morrido toda num acidente. O pai, a mãe, a irmã. Morreram todos, mãe. Ora bolas, como se acalma esta dor? Conversámos um bocadinho sobre isto. Sobre as coisas más que acontecem e como aprendemos a dar a volta por cima. Sobre aquele Jamie que teve um acidente e anda numa cadeira de rodas e perdeu a família e ainda assim diz piadas e ri e tem amigos e outra família. Um pouco mais de colo. Já passou. Assoou o nariz, limpou os olhos, voltou para a cama. O meu filho, o meu filho pré-adolescente e lindo, que chora com filmes de animação desde que tinha três anos e viu o Nemo, afinal também chora com os livros. Sei exactamente como é, eu sou igual.
(tinha mais ou menos esta idade quando li o meu pé de laranja-lima e chorei baba-e-ranho com a morte do portuga. ainda hoje, choro mais com os filmes do que com a vida real)
É uma pessoa, assim tão magra? Vêem-se os ossos... Mas são pessoas mortas? Não pode ser. Quem as matou? Porque é que as mataram? Onde é que eles estão? É longe? Para onde é que eles vão? Não têm casa? Porquê? Foram muitas as perguntas, no sábado à noite, enquanto víamos O Sal da Terra, o documentário sobre o fotógrafo Sebastião Salgado. Mas os miúdos lá se aguentaram.
Agora só nos falta ir ver a exposição, na Cordoaria Nacional. Para vermos também o lado belo do mundo.(a primeira imagem é da série Migrações, a segunda é de Génesis)
Dos privilégios do meu trabalho. Dizer: gostava de falar com esta pessoa. E ter oportunidade de o fazer.
Capicua na 'Casa no Campo' (versão acústica) e a acutilância de 'Medusa'.
Tornei-me especialista em colocar joelheiras nas calças dos miúdos. Primeiro, coso o rasgão. Depois, aplico a joelheira com o ferro de engomar. Finalmente, coso a joelheira toda a volta (a experiência diz-me que se não o fizer aquilo acaba por descolar em pouco tempo). Quase todas as calças do mais novo têm joelheiras. Não sei se poupo grande coisa, se me esforçasse acho que hoje em dia encontraria calças bastante baratas para substituir as rasgadas e não teria este trabalho todo. Mas prefiro gastar o meu tempo na costura do que nas lojas. Descobri que costurar, tal como cozinhar, é relaxante. Já ir às compras é um martírio. E, depois, é quase uma questão ideológica. As calças remendadas dos meus filhos revelam muito daquilo que somos cá em casa.