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Eu nunca tinha estado tanto tempo sem os miúdos e também nunca tinha passado uma noite de natal sem eles, por isso, quando esta viagem começou a ser planeada, confesso que fiquei um pouco apreensiva. Não por eles, mas por mim. Mas, depois, decidi tratar este assunto como faço com tudo o resto: olhei para isto o mais racionalmente possível. Perguntei-me: é importante para eles?, vai ser bom para eles? E a resposta não dava margem para dúvidas. Este não era o momento de me pôr com egoísmos parvos.
Os miúdos foram, então, passar o natal com o pai, que já não viam desde o natal passado. Só que, este ano, em vez de ser o pai a vir ter com eles, foram eles ao Brasil. Apanharam o avião no dia 15 de dezembro e voltam amanhã. As fotografias, os vídeos e as palavras que me chegam de lá mostram-me uma felicidade imensa. Miúdos descalços ou de chinelos, a mergulhar no mar, a banharem-se em rios, a brincar em piscinas, a brincar à chuva. Contentes da vida com os tios, os primos, os amigos que eles nem sabiam que tinham, bronzeados, sorridentes.Tem sido uma experiência fantástica para eles e tenho a certeza que esta é uma viagem que os vai marcar para sempre - por ter sido tão boa e por ter sido a primeira.
E, entretanto, por cá, como tenho eu estado? Surpreendentemente bem, devo dizer-vos.
Comecei logo por me recusar a ter pena de mim própria. Apesar de não estar habituada a passar tanto tempo sozinha e de nem sempre ser fácil encontrar a felicidade no silêncio da minha casa vazia, decidi que não me ia pôr com lamúrias (ia queixar-me do quê? os putos de férias no Brasil, todos alegres, eu com uma vida boa, família por perto, amigos a mandarem mensagens, ia queixar-me do quê mesmo?). O que eu penso é: isto é o que temos, isto é o que vamos ter durante quase três semanas e não há nada que eu possa fazer para mudá-lo, portanto, mais vale aproveitar o melhor possível e procurar o lado bom desta situação. E há um lado bom. Ora vejam. Acordar sem despertador. Manhãs tranquilas, sem correrias. Adaptar o horário de trabalho a esta vida sem filhos. Não ter que correr de um lado para o outro ao final do dia e passar horas ao frio a ver treinos de futebol. Aproveitar para fazer trabalhos que noutra altura não poderia fazer. Ir ao Porto. Cozinhar só quando me apetece. Comer sopa com verdes. Não ver programas infantis na televisão. Ver filmes. Ir ao teatro. Ir caminhar de manhã. Ficar quietinha numa esplanada ou num café tranquilo. Estar com amigos - ir almoçar com amigos, ir tomar café com amigos, ir jantar com amigos, ir beber um copo com amigos - esta foi sem dúvida a parte melhor, como passo o ano inteiro sem ter tempo para ninguém, quis aproveitar para estar com algumas pessoas de quem já tinha muitas saudades. Aprender, aos poucos, a desfrutar do tempo sozinha e da minha casa vazia e silenciosa.
Nem tudo foi maravilhoso. A noite de natal foi diferente. Tinha muito medo de ficar deprimida mas isso não aconteceu. Por um lado, esforcei-me por aproveitar ao máximo aquele tempo com o resto da minha família e, além disso, eu não era a única a ter saudades dos miúdos, os avós, os tios e os primos também sentiram a sua falta, então acho que, mesmo sem termos conversado sobre isso, todos adoptamos naturalmente essa atitude de nos animarmos uns aos outros. E resultou.
E, sim, ao mesmo tempo que fico feliz pelos meus filhos também sinto algum ciúme por saber que eles se estão a divertir tanto e a ter tantas experiências fantáticas sem mim, e sei que quando eles chegarem vão odiar o frio e ter de voltar para a escola e para a rotina, e vou ser eu que vou ter que fazer o papel de má e lembrar-lhes que as férias já acabaram - mas faz parte, não há alternativa, portanto (lá está) nem vale a pena angustiar-me muito, tentarei dar o meu melhor e esperarei que as coisas voltem a entrar nos eixos.
O mais importante a tirar destas "férias de filhos" é: apesar de a minha vida com os miúdos ser geralmente muito intensa, e até um pouco louca, porque passo o ano inteiro sozinha com eles, é bom perceber que os esforços que vou fazendo para manter uma vida minha, para ter um trabalho que me dá prazer, para alimentar os meus interesses, têm resultado. É bom perceber que não fico completamente perdida quando eles não estão. Fico só um bocadinho. Eu não sabia isto. É claro que tenho saudades dos meus filhos lindos mas sei que não tarda nada eles estão aí de novo, por isso tentei aproveitar estes dias como uma oportunidade única também para mim. E foi bom.
O que me leva à segunda conclusão: grande parte dos nossos problemas não são verdadeiros problemas, são coisas que se resolvem na nossa cabeça, só temos que olhar para eles como eles são e sem dramatizarmos. Relativizar sempre. Ver para além do nosso aqui e agora. Não me canso de o dizer. Ser feliz dá algum trabalho. É preciso querer. São precisas obviamente outras coisas (saúde, dinheiro, sorte, isso tudo...) mas também é preciso querer.