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"Freedom", de George Michael
"All we have to do now
Is take these lies and make them true somehow"
Atrasei-me. [estou tão farta de trabalhar com pessoas incompetentes. a incompetência dos outros afecta-me, tem efeitos reais, visíveis no meu trabalho e na minha vida. atrasei-me porque alguém foi incompetente.] Percebi que me ia atrasar e liguei ao António para que fosse buscar o mano à escola. Quando cheguei a casa já eles estavam no banho. Disse-lhes: a mãe tem de trabalhar, preciso que se portem bem. Sentei-me ao computador. E eles não gritaram, não discutiram, não fizeram barulho. Fizeram ovos mexidos com salsichas para o jantar. Sozinhos. Nem me aproximei da cozinha. Não comeram fruta mas não me apeteceu chatear-me. "Estava tão bom o jantar, comi mesmo bem", declarou o António. Quando finalmente terminei o trabalho, deitei-me com o Pedro a ler um livro. Dei-lhes muitos beijinhos.
Zango-me tanto com eles, tantas vezes, há dias em que parece que tudo está a correr mal, em que me sinto incapaz de os educar como deve ser.
E depois há dias assim.
Ando a ler A Sociedade dos Sonhadores Involuntários, do Agualusa. Tão bom.
Fiz marmelada.
Apesar de algumas atribulações iniciais com a lã, que me obrigaram a começar tudo de novo, estou finalmente a trabalhar num novo projecto de tricot.
Os miúdos já começaram a pensar nas prendas de natal, o Pedro está entusiasmado com a festa das bruxas e o António, imagine-se, até já anda a fazer planos para o aniversário que é só em fevereiro.
Hoje a minha a mãe, também conhecida como avó Mariana, faz 70 anos.
Já perdi uma hora a ver fotografias antigas à procura de uma foto nossa. Adoro fotografias antigas.
Outubro é o mês-casa, aquele mês em que olhamos para trás e olhamos para nós.
(Os trabalhos de casa, a correria dos dias, as discussões permanentes, os corruptos que se abotoam com milhões à nossa conta, o jornalismo moribundo, o país queimado, as mortes horríveis, a politiquice da treta, a falência da Europa, as guerras por esse mundo fora. Não é fácil, mas se pararmos um pouco e olharmos com atenção, lá está ela, a felicidade nas coisas pequenas. Aquela que nos permite respirar e resistir. Não é alheamento, é sobrevivência.)
No fim-de-semana passado, aconteceu algo muito raro: eu não estava a trabalhar, o António não teve jogo e os miúdos ainda não tinham muito que estudar. Isto tudo e o calor. Tínhamos que aproveitar, não era?
No sábado, fomos fazer a "experiência da ponte" no pilar 7 da Ponte 25 de abril. Os rapazes iam com um misto de curiosidade e medo. Acabou por ser muito fixe. Toda a visita - estar dentro do pilar e ver os enormes cabos que seguram a ponte, subir no elevador panorâmico, estar lá em cima, mesmo ao lado dos carros e, por fim, ter uns momentos na varanda suspensa sobre Lisboa. Os preços são um bocadinho puxados (6 euros por pessoa) mas é uma experiência única, não vamos lá voltar tão cedo. E fica a dica: se já houver fila, mesmo que pequena, cá em baixo para comprar bilhete, então a confusão lá em cima será grande e não vão conseguir desfrutar como deve ser da paisagem; tentem ir fora da hora de ponta dos turistas.
Depois, aproveitámos para passear por Alcântara, que é uma zona da cidade aonde raramente vamos. Fomos lanchar ao Lx Factory e acabámos a tarde a jogar à bola no Village Underground Lisboa. Sempre com a ponte no horizonte.
No domingo, experimentei algo mais arriscado: fomos ao Museu da Lourinhã ver os dinossauros. A palavra "museu" e uma viagem um bocadinho mais longa deixaram logo as crianças de pé atrás. Este pequeno museu tem um núcleo de etnografia muito engraçado, pelo menos para mim, que gosto das coisas "do antigamente", mas que os meus filhos acharam uma chatice. Obviamente. Os vestígios pré-históricos já mereceram mais alguma atenção e a visita valeu a pena, sobretudo, pelos ossos dos dinossauros (ainda que muitos deles sejam réplicas). Não que eles tenham ficado deslumbrados mas, pronto, tenho sempre esperança que guardem alguma coisa destas visitas... Depois da "seca do museu", salvei o domingo com uma ida à praia, ali perto. Estava uma tarde quente, os putos vestiram o fato de banho, fartaram-se de correr e ainda molharam os pés. Não fosse as ondas serem tão assustadoras e de certeza que teriam ido ao banho.
O melhor do museu? Tenho a certeza que eles iriam responder que foi isto: trouxemos um "ovo de dinossauro" e agora temos um bicharoco prestes a nascer na nossa cozinha.
E até eu tenho que concordar: é tudo a fingir mas é um brinquedo mesmo giro.
Há coisas muito boas em A Fábrica de Nada, o filme de Pedro Pinho. Mostrar-nos a degradação daquela zona urbana, mesmo às portas de Lisboa, as chaminés, as fábricas, os armazéns, os prédios, uma tristeza em forma de cimento. Os operários que nos contam as suas histórias e que representam outras histórias que poderiam ser suas. A descoberta do fantástico José Smith Vargas. Aquela sensação de que poderíamos ser nós, porque nisto de empresas que passam por processos de reestruturação tanto faz que seja uma fábrica de elevadores ou uma fábrica de notícias, há sempre uns administradores que acenam com indemnizações e promessas vãs. Fazer-nos pensar na importância do trabalho, no que somos quando não temos trabalho e na vida que existe (ou que não existe) para além do trabalho.Todo esse lado documental misturado com a ficção é muito bom. É um óptimo retrato da crise dos últimos anos.
Depois há coisas de que gosto menos. Há muitas pontas da narrativa que ficam soltas e que eu gostaria de aprofundar melhor. Por mim, preferia perceber melhor o que pensa o José e a sua vida fora da fábrica e em compensação dispensava todos aqueles intelectuais a falarem francês e a fazerem revoluções à mesa do jantar, sem terem qualquer noção da realidade e das dificuldades da vida das pessoas. Sim, eu sei, era mesmo essa a intenção do realizador, mostrar como a teoria e a prática estão tão afastadas. Mas parecia-me dispensável. Reparem. É engraçado encontrar referências à Torre Bela, quer nas conversas do operários quer no facto de haver um estrangeiro a fazer um filme na cooperativa e a querer moldar a realidade à sua medida. Mas seria ainda mais interessante se o filme me explicasse quem é aquele estrangeiro em vez de me obrigar a ir pesquisar depois de sair do cinema (é o argentino Danièle Incalcaterra, realizador na vida real de um documentário, Fasinpat - Fábrica sin patrón, de 2004). E já agora quem são os outros intelectuais que aparecem - um deles, por exemplo, é o filósofo alemão Anselm Jappe, descobri depois. Há uma certa sobranceria nesta maneira de tratar os espectadores, não lhes dando toda a informação necessária para um entendimento claro do que ali se passa, que me irrita um pouco, devo confessar. E que faz com o que o próprio filme fique preso na armadilha intelectual que tenta criticar.