Voltar ao topo | Alojamento: Blogs do SAPO
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Languishing. Aprendi esta palavra há pouco tempo e acho que descreve bem aquilo por que temos passado neste último ano. Não é que se esteja doente, mas também não se pode dizer que se está propriamente saudável. "Feeling blah", diz-se em inglês. Eu costumo dizer que estou "a sentir-me nheca" mas é igual. Está tudo explicado NESTE ARTIGO do The New York Times:
"The absence of well-being. You don’t have symptoms of mental illness, but you’re not the picture of mental health either. You’re not functioning at full capacity. Languishing dulls your motivation, disrupts your ability to focus, and triples the odds that you’ll cut back on work."
Portanto, é isto.
Os dias passam, uns a seguir aos outros, e há uns bons e outros maus, e há uns melhores e outros piores, mas na verdade é tudo muito mais ou menos a mesma coisa, como se não conseguíssemos ver a tal luz no fundo do túnel e apenas nos continuássemos a empurrar pela vida porque é o que temos de fazer e vamos lá ver no que isto vai dar.
Voltamos sempre ao mesmo. É tentar não perder o pé.
Entretanto, só para constatar que nada disto é realmente novo, criei uma tag "blah" e tentei colocá-la em todos os artigos onde já falei deste assunto, mesmo antes de saber o que era o languishing.
Porque a culpa é da pandemia, claro, embora não seja só da pandemia, claro. A pandemia só veio tornar tudo mais intenso. Aprofundar a solidão dos que já estavam sozinhos. Tornar clara a tristeza dos que já se sentiam tristes. Antes, era mais fácil maquilhar a vida com o frenesim do para lá e para cá e estou tão ocupada e falo com tantas pessoas todos os dias e não tenho tempo para nada. E, de repente, só nos temos a nós e à nossa casa e à nossa situação e não há como fugir. Isto e o resto, que não se pode escrever aqui, porque há falhanços que custa admitir para nós mesmos quanto mais para o mundo.
Parece que os Óscares são já amanhã e isto este ano não está fácil: dos oito filmes nomeados na categoria de Melhor Filme vi apenas quatro.
Dos que vi:
- Os Sete de Chicago: é um bom filme e talvez Aaron Sorkin tenha uma hipótese na categoria de Argumento Original, no entanto, para mim, não seria filme para "o" Óscar (mas temos sempre que nos lembrar que filmes como O Caso Spotlight e O Discurso do Rei foram considerados os melhores do ano, portanto, nunca se sabe).
- The Sound of Metal: gostei bastante deste filme de que se tem falado tão pouco. É a história de um músico, baterista de heavy metal, que fica surdo quase de um dia para o outro, de como ele lida com a situação e de como isso muda a sua vida. O actor Riz Ahmed, que eu honestamente não conhecia, está óptimo. Não me parece que vá ganhar mas é um filme que merece a nossa atenção.
- O Pai: já conhecia a história - o Teatro Aberto apresentou esta peça há uns anos, com João Perry no papel principal - mas nem por isso me senti menos angustiada. Vemos o filme e é inevitável não nos revermos (estamos ou iremos quase todos passar por situações semelhantes). Envelhecer é uma merda, não tenhamos dúvidas. E Florian Zeller é brilhante no modo como nos dá o ponto de vista daquele homem cada vez mais afectado pelo Alzheimer (é o primeiro filme que realiza e conseguiu logo uma nomeação), belissimamente interpretado por Anthony Hopkins, sem exageros nem maneirismos, só o olhar cada vez mais baço, a confusão e o vazio a instalarem-se nos gestos e nas palavras.
- Nomadland, Sobreviver na América: foi o único que vi numa sala de cinema e penso que isso fez toda a diferença. É a história de uma mulher que perde tudo e decide viver como uma nómada, fazendo de uma carrinha a sua casa e perseguindo empregos sazonais pelos vários cantos dos Estados Unidos. Frances McDormand aguenta o filme todo. Retrato (por vezes quase documental) do falhanço da sociedade capitalista e materialista em que vivemos, é um filme tão triste quanto belo e que me fez chorar e chorar e chorar. Talvez só a natureza nos salve. Mas eu ainda acredito que o amor e a amizade são bóias de salvação que convém ter sempre à mão.
Não vi:
- Judas and the Black Messiah
- Minari (mas já vi o trailer e estou muito curiosa, tem tudo para eu gostar)
- Uma Miúda Com Potencial
- Mank (está na Netflix há que tempos e está na minha lista "a ver" mas, vá-se lá entender, não me entusiasmou o suficiente... se, como alguns dizem, o David Fincher ganhar o Óscar de Melhor Realizador, prometo dar-lhe uma hipótese).
Para compensar este descalabro na categoria de Melhor Filme, tentei ver outros filmes que estão nomeados noutas categorias:
Já falei aqui de Pieces of a Woman que, com todos os defeitos, não é um mau filme.
Também falei de Lamento de uma América em Ruínas, de que não desgostei, apesar de ter tido péssimas críticas. Talvez valha um Óscar a Glenn Close, já não era sem tempo.
Aborreci-me de morte a ver Ma Rainey: a Mãe dos Blues. Parece que a Viola Davis é uma das favoritas ao Óscar de Melhor Atriz e que Chadwick Boseman também é capaz de ganhar, mas eu não gostei nada. Passou-me completamente ao lado.
Outro que me aborreceu foi Uma Noite em Miami. Homens a conversar. Apesar do tema do racismo me interessar, este filme não me prendeu.
Resta-me dizer que estou decidida a ir muitas vezes ao cinema. Estou farta de ver filmes no computador e depois deste ano pandémico tenho ainda mais a certeza de que não há nada que se compare à experiência de ver um filme num grande ecrã, numa sala escura, com um bom sistema de som, e de nos deixarmos mergulhar numa história, sem distracções.
Frances McDormand em Nomadland, o meu preferido
No fim-de-semana passado vi o E.T. com o Pedro. Ele nunca tinha visto, vá-se lá saber como. O E.T., de Spielberg, foi o primeiro filme que vi no cinema. Lembro-me que foi uma ocasião especial: não havia cinema na minha terra e fomos em família ao grande Pax Julia, em Beja. Não sei quantas vezes já vi este filme desde então. E de todas as vezes derreto-me em lágrimas. Esta não foi excepção. Chorámos os dois, aliás. O Pedro chorou porque o E.T. foi apanhado, chorou por ele ir morrer, por achar que ele tinha morrido, por ele ter que partir. Perder alguém de quem gostamos é sempre um sofrimento enorme, mesmo que seja num filme, e o meu filho, tão grande que já não me cabe no colo, encolheu-se no sofá e zangou-se com o mundo e comigo, "não, não quero ver, porque é que não me avisaste?"
Claro que agora vamos passar umas semanas a ver filmes tontos com tiros e perseguições até que ele se esqueça disto, mas, pronto, acho que faz parte.
Devorei a terceira temporada de Shtisel, na Netflix. Ao princípio, confesso, estava um bocado céptica. Se calhar deveriam ter ficado por duas temporadas, se calhar já não vai ser tão bom, pensei. Mas não. Se nos primeiros episódios fiquei fascinada com aquele mundo dos judeus ortodoxos, tão diferente do nosso - todas as regras, os preceitos religiosos, as mil pequenas coisas, das roupas à comida, da língua às casas e aos sacos plásticos que eles carregam de um lado para o outro - desta vez, já nada me pareceu estranho. A verdade é que as pessoas, independentemente do sítio onde vivam e da religião que tenham, são todas muito parecidas. Todas anseiam pela felicidade e todas procuram o amor. Todos temos dificuldade em dizer adeus, seja a uma pessoa que morre ou a alguém que parte. Todos temos medo perante o desconhecido. Por isso é tão fácil identificarmo-nos com aquelas personagens. E sentirmo-nos tocados pela determinação de Ruchami, pela ingenuidade de Yosa'le, pela desorientação quase infantil de Akiva, pela força de Gitti (mesmo quando está errada), pela independência de Tovi, pela casmurrice de Shulem, pela insegurança de Racheli, pelas imperfeições de Lippe.
"Um caminho longo que é curto" é o título do sétimo episódio (talvez aquele de que gostei mais) e que tem como tema principal o coração - o real e o metafórico.