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Um homem cai do telhado de casa e morre. Pode ter sido um acidente. Pode ter sido suicídio. Pode ter sido homicídio. Os olhos voltam-se para a mulher que após uma investigação é acusada do crime. 

Este é o ponto de partida de Anatomia de uma Queda, de Justine Triet. O título é claramente inspirado na Anatomia de um Crime, de Preminger. Mas não só. Em ambos, o alegado comportamento imoral da mulher é invocado para demonstrar a sua culpabilidade. Afinal, uma mulher que flirta com outras mulheres e que é capaz de trair o marido não pode ser inocente, pois não?

Em tribunal, acusação e defesa vão dissecar a vida e a relação de Sandra (interpretação de Sandra Hüller) e de Samuel (Samuel Maleski) em busca de motivos e de desculpas. Há um filho, Daniel, quase cego devido a um acidente. Há culpa e ressentimento. Há inveja entre os dois, que são escritores. Egos feridos. Uma acusação de plágio. Há ciúmes. E problemas financeiros. Há discussões. Exposta assim, perante a juiza, a situação de Sandra não é muito bonita. Mas, convenhamos, que casamento sobreviveria a tamanho escrutínio? Se fôssemos dissecar tudo o que dizemos na intimidade, retirando-lhe o contexto e as nuances que fazem as relações entre as pessoas, de certeza que pareceríamos todos suspeitos. De perto, todas as famílias são infelizes, não é? Os casais discutem, isso não quer dizer que se matem. Um casamento pode fazer sentido mesmo quando já não há paixão. E, no entanto, quando se tenta explicar isso num tribunal parece bastante inverosímil. É esse mergulho na intimidade - na deles, mas podia ser na nossa - que torna o filme tão cativante. 

Culpada ou inocente? A dúvida atravessa todo o filme e não sou eu que vos vou dar a resposta.

Caso não tenham reparado, Sandra Hüller, actriz de Zona de Interesse, é a mesma que protagoniza Anatomia de uma Queda. Vi os dois filmes sem me aperceber deste facto, o que diz muito sobre as excelentes interpretações dela - ou sobre a minha cabeça distraída. 

Ainda sobre o meu alheamento: na cena inicial do filme, Sandra está a dar uma entrevista a uma jornalista, na sala de casa, quando o marido põe a tocar uma música, no primeiro andar, num volume exageradamente alto. A música é tão incomodativa que a entrevista tem de ser interrompida. Trata-se de uma versão instrumental do tema "P.I.M.P.", do rapper 50 cent, interpretada pelo grupo funk alemão Bacao Rhythm & Steel Band. Aparentemente é uma canção muito conhecida e com um significado misógino, o que tem a sua importância no filme. Como eu não conheço nada de rap nem de 50 Cent esta mensagem passou-me completamente ao lado - mas acho que não prejudicou o meu entendimento da história.

Outro fait divers interessante: o argumento foi escrito por Justine Triet em parceria com o marido, o também argumentista Arthur Harari, que caíram no erro de dizer que se inspiraram em parte na sua própria vida. Agora todos lhes perguntam se o seu casamento está em crise.

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publicado às 17:43


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