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I
Houve por aí grande "polémica" (polémica entre aspas que isto as polémicas do twitter e dos articulistas dos jornais raramente interessa ou sequer chega à maioria das pessoas, é uma polémica numa bolha) sobre se se deve dizer mulher ou "pessoa que menstrua" ou "pessoa com útero". Os conservadores vão às aranhas e vêm logo com pedras na mão, ai a cultura woke, oh da casa, que é um ultraje. Mas não há motivo para tanto. De onde eu vejo isto é muito simples. As expressões não são sinónimas nem sequer equivalentes. Há alturas em que se deve dizer mulher, há outras alturas em que será mais correcto dizer pessoa que menstrua ou pessoa com útero. A sério. Não andámos aqui durante anos a lutar pela distinção entre sexo e género, a defender que as pessoas não se definem pelos órgãos que têm no corpo, para agora voltarmos tudo atrás.
Há pessoas (poucas, mas há) que menstruam ou que têm útero e que não são mulheres - estamos a falar de homens transgénero que não fizeram a transição ou de pessoas não-binárias.
Há mulheres (muitas, muitas mais do que se imagina) que não menstruam. Desde logo as raparigas, que são crianças ainda, sim, mas são mulheres no género. Depois, as mulheres que devido a algum problema de saúde não menstruam. As que usam métodos contraceptivos que inibem a menstruação. As grávidas. As mulheres trans. As que já estão na menopausa.
Portanto, haverá situações onde é importante saber que estamos perante uma pessoa que menstrua ou que tem útero, ainda que não seja uma mulher. Por exemplo, em contexto clínico essa informação é relevante. Lá porque se chama José e se apresenta como homem, é importante que os médicos entendam o seu corpo como ele é.
E há situações onde a palavra a usar é mulher e pronto.
Eu sou uma mulher. Sem útero. Sem menstruação. Mas mulher. Era o que faltava permitir que uma cirurgia viesse definir aquilo que sou.
II
Quero agradecer a todas as pessoas que enviaram mensagens, que telefonaram, que quiseram saber, que mandaram miminhos, que partilharam comigo a sua história ou a história de mulheres que conhecem. É muito importante saber que não estou sozinha nisto. É muito gratificante perceber que as palavras que escrevo aqui fazem sentido para outras pessoas. E fico muito feliz se contribuí, ainda que de forma ínfima, para que alguma mulher se sinta mais acompanhada ou mais confiante para poder abordar este tema com o seu médico.
Algumas pessoas ficam surpreendidas e perguntam-me como é que consigo falar de coisas tão íntimas, se não tenho vergonha de me expor. O que posso dizer? Não foi sempre assim, mas cada vez me preocupo menos com o que é que as outras pesssoas pensam de mim. Acredito verdadeiramente que é muito importante falarmos abertamente sobre estes e sobre todos os assuntos. Temos mesmo que perder a vergonha que nos impingiram ao longo de séculos de patriarcado. Até porque, se pensarmos bem, não há motivo nenhum para ter vergonha.
Entretanto, a médica diz que está tudo a correr bem e que posso retomar a minha vidinha normal, ainda que com alguns cuidados. Parece que sempre vou conseguir aproveitar uns dias antes do famigerado regresso às aulas. Só o Bandido vai ter saudades dos dias no sofá.