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Eu até estava em modo desligado, longe da actualidade, mas três notícias horríveis entraram pela minha semana de férias sem pedir licença:
Em França, começou o julgamento de um homem que drogava a sua mulher para permitir que outros homens a violassem enquando ela dormia. O homem "publicitava" a mulher num fórum online cujos membros fantasiavam com sexo não consensual e depois filmava esses actos sexuais. Foram identificados pelo menos 72 homens, dos 26 aos 74 anos, que violaram (alguns mais do que uma vez) aquela mulher (lembrei-me desta história).
Um canal de Telegram português é frequentado por cerca de 70 mil homens que partilham fotografias e vídeos de mulheres. Tem de tudo. Vídeos feitos na intimidade e fotografias tiradas na rua ou na praia. Imagens captadas com consentimento (mas não com consentimento para serem partilhadas) e imagens captadas às escondidas. Tem mulheres, jovens e até meninas. Como este, existem muitos outros canais e grupos, onde homens se sentem à vontade para expor e comentar mulheres que não fazem ideia que a sua imagem circula desta forma. Há homens que o fazem activamente, outros só vêem, mas nem por isso são menos culpados, uma vez que não só participam no grupo como nunca fizeram nada para pôr fim aos abusos.
A atleta Rebecca Cheptegei, do Uganda, morreu hoje, quatro dias depois de ter sido atacada com fogo pelo namorado: o companheiro regou-a com gasolina e incendiou-a, deixando-a com queimaduras em 80% do corpo. Ela acabou por não sobreviver. Tinha 33 anos.
Foi no Uganda, podia ter sido noutro sítio qualquer. Em 2021, 81.100 mulheres foram assassinadas em todo o mundo, de acordo com dados da ONU. Entre todas as mulheres e meninas mortas intencionalmente, 45 mil, ou seja cerca de 56%, foram mortas por parceiros íntimos ou outros membros da família. No ano passado, em Portugal, 17 mulheres foram assassinadas em contexto de violência doméstica.
E é este o mundo em que vivemos. Um mundo onde homens maltratam e matam as suas companheiras. Onde homens não vêem problema em ter relações com mulheres inconscientes. Onde homens não respeitam a privacidade das mulheres. Onde homens fazem tudo para controlar e aprisionar as mulheres. Não todos os homens, claro, felizmente. Mas muitos. Muitos mais do que gostaríamos de admitir.
Ainda dizem que ser feminista está fora de moda, que já não é necessário. Mas eu olho à volta e vejo tanto por fazer. Sobretudo no que toca à educação e à socialização dos rapazes e dos homens: para que percebam o que é errado, para que não repitam comportamentos tóxicos, para que não participem nestas atrocidades, para que denunciem os outros homens sempre que necessário. Onde é que estamos a falhar?