O meu quotidiano está cheio de pequenos gestos. Emparelhar as meias, dobrar as cuecas, sacudir as migalhas da torradeira, mudar o saco do aspirador, fazer o café, ferver a água para os biberões, esterilizar os biberões, arrumar as gavetas, arrumar os armários, separar os jornais para reciclar, carregar as pilhas da máquina fotográfica, estender a roupa lá fora, mudar a roupa para dentro por causa da chuva, deitar fora os remédios que estão fora do prazo, fechar o gel de banho, fechar o champô. O meu quotidiano está cheio de pequenos gestos. Pequenos nadas. Quase passam despercebidos. O meu homem julga que eu passo o dia recostada no sofá a ver televisão. Surpreende-se quando está um dia inteiro comigo em casa: mas tu não te sentas, mulher?, o que andas a fazer? Tanta coisa. Apanhar os carrinhos espalhados pela casa, escolher a roupa do miúdo, pôr o bebé a arrotar, bater as almofadas, mudar as toalhas da casa-de-banho, endireitar as molduras, limpar a bancada, encher o açucareiro, arejar os quartos, organizar os álbuns de fotografias, aspirar atrás do guarda-fato, arrumar os papéis, deitar fora as facturas de 1999, organizar os livros na estante, guardar os cobertores quando chega o verão, limpar o aquecedor quando começa ficar a frio. Picuinhices? Para dizer a verdade estas tarefas parecem menores. Não podem sequer entrar na nossa divisão de tarefas, do género tu lavas a loiça e eu trato das minhoquices. Não iria funcionar. Mas.. e se eu não as fizesse? Se não verificasse sempre se há rolos extra de papel higiénico na casa-de-banho? Se não lavasse os casacos que estão há meses no benagaleiro? Se não fizesse a lista de compras? Se não me lembrasse de comprar o detergente? Se não trocasse os panos da loiça quando já começam a cheirar mal? Se não deitasse fora o pão bolorento? Se não tirasse das gavetas a roupa que já não serve aos miúdos? Se não lhes arranjasse roupa nova para eles vestirem? O meu quotidiano está cheio de pequenos gestos. Coisas de nada. Mas são esses nadas que mantêm a engrenagem a funcionar. E fazem com que a [vossa] vida pareça tão fácil.
19 comentários
pequenos nada que se enchem de significado apenas quando ninguém os faz. É o lubrificante da engrenagem.
Elsa A 13.10.2008
E pronto. Fiquei sem palavras. Eu que às vezes até tenho a mania que jogo bem com elas.Fiquei sem palavras porque tudo o que sempre pensei sobre a "divisão de tarefas" ficou dito neste post. Porque tantas vezes penso no dia que terminou e me lembro de quando passava o dia sem perceber "por que raio a minha mãe não pára um segundo". Porque só agora percebo e nunca o consegui verbalizar.Finalmente alguém o disse e escreveu - obrigada!
Anónimo 13.10.2008
venho visitar o blogue todos os dias. Faz parte da minha rotina.... É engraçado, esta sou eu! Mas o mais engraçado é que são os gestos que mais gosto, que me fazem sentir essencial nesta família. O jantar, a louça passava bem sem eles. joanamoreira@jsilvamoreira.pt
Esses pequenos nadas conseguem passar mesmo despercebidos...
Excepto quando ninguém os faz.
É nessas alturas que nos admiram como se fossemos umas super mulheres: "mas como tens tempo para fazer isso tudo???"
Isto não devia estar aqui, mas sim num jornal. Na primeira página. Porque penso que faltarão ainda uns 50 anos até chegarmos a essa "suprema divisão de tarefas". As coisas que ninguém vê, mas que todos sentem falta.
Eu acho sempre que o que eu faço não se vê e descubro que há mais quem pense assim... :)
Como eu te compreendo. Vivo com o meu namorado que deve ter a ilusão que essas coisas aparecem feitas! Não há meio de ele perceber o tempo que se perde com essas "coisinhas de nada" e que por sinal acabam por cansar. Também já tentei dividir essas tarefas mas não dá...
*BJS*
Anónimo 13.10.2008
Lindo, lindo! Tal e qual por aqui...
Muito bem observado!
:)
Cristina
Anónimo 13.10.2008
Não te esqueças do IRS!!!!
bjs
H.P.