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16
Dez09

Coisas a mais

Quando eu era miúda raramente iamos almoçar fora. Tinha que ser uma ocasião especial. E como se comia bem em casa. O peixe era fresco, as ervilhas descascadas por nós, o doce de tomate feito pela minha avó, o feijão tinha que ficar de molho durante a noite, as tranças de alhos penduravam-se na despensa e a fruta era a da época, morangos no início do verão, laranjas no inverno e um melão que se guardava, suspenso para não apodrecer, de modo a estar no ponto no dia de Natal. As férias passavam-se cá dentro, durante muito tempo a fazer campismo e, depois, no apartamento da vovó Ana. Nunca fomos ao estrangeiro. Não havia férias na neve nem viagens ao Brasil. A primeira vez que andei de avião foi numa visita de estudo do liceu. Não havia centros comerciais a cada esquina nem lojas de pronto-a-vestir decentes. Mandávamos fazer roupa na costureira por altura dos aniversários e da Páscoa. As camisolas de lã eram tricotadas pelas avós. As blusas eram remendadas nos cotovelos. Cosíamos os buracos das meias. Mandávamos os sapatos ao sapateiro para pôr meias-solas e arranjar os saltos. Recebia roupa nova no Natal e herdava quase tudo da minha irmã. Herdava até os livros da escola que apagava, linha a linha, para depois poder resolver outra vez os exercícios. Não porque houvesse realmente necessidade disto mas porque havia um estilo de vida - uma ética - segundo o qual não devia haver desperdícios e se deveria poupar, reciclar, aproveitar. Gastar até ao fim. Tínhamos uma única televisão com dois canais. Um único telefone fixo. E quando surgiram os computadores lembro-me que durante muito tempo o Aníbal foi o único miúdo da terra a ter uma daquelas maravilhas (as tardes que passámos em casa dele a jogar pacman!). Vivíamos numa casa arrendada. Não tinhamos aspirador central nem música ambiente nem imaginávamos o que seria uma Bimby.
Éramos felizes? Éramos.
E sim, eu gosto do progresso e de ter televisão por cabo, eu já não sei se consigo viver sem telemóvel e não, não acho que antigamente é que era bom, nada disso, que bom que as pessoas agora têm dinheiro para gastar e podem passear e comer hamburgueres quando lhes apetece. Mas a mim parece-me que isto tudo aconteceu muito rapidamente. Sofregamente. Como se fôssemos novos-ricos. Deslumbrados com a possibilidade de poder passar um dia inteiro no Colombo e pagar tudo com cartões de crédito. De repente já não conseguimos passar sem a televisão de plasma xpto e somos [sou] alvo de chacota se ainda usamos a roupa da colecção anterior ou se não usamos as marcas que estão na moda. Desde quando é que se tornou natural comprar malas de 300 euros? Desde quando é que um i-pod é um bem essencial? A nossa vida, a vida da maioria das pessoas, pelo menos, baseia-se em coisas, coisas e mais coisas. Casas e relógios e automóveis. Coisas que se têm, que se compram, que se substituem.
Coisas a mais. E assusta-me pensar no preço que estamos e vamos pagar por isto. Em termos ambientais. Na formação das nossas crianças, habituadas a ter tudo, do bom, do melhor, agora, já. Nas crianças que trabalham na índia e noutros países para que nós possamos viver assim. Num mundo onde as pessoas são aquilo que têm - e quem tem nada é nada?

publicado às 13:09


28 comentários

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Pandora 14.01.2010

Olá,
Tens razão, eu também cresci assim e era feliz com o pouco que tinha e achava que já era muito. Agora as minhas filhas têm muito mais e ás vezes ainda refilam que querem mais... não dou. E não dou porque acho que elas têm de o merecer com mérito. Estamos numa época de consumismo irreal. Há gente que gasta o que não tem, e depois é só aparencia pura, porque depois, não há em casa para comer.
Aqui em minha casa, para o comer tem de haver sempre, mesmo que as roupas caras fiquem na loja. Na verdade acho que tenho uma má imagem para os outros (ou as outras, hehehe) porque nunca "ando na moda" e as roupas passam de anos para anos. A filha mais nova continua a herdar as roupas da irmã, e vou fazendo muita coisa onde poupo bastante dinheiro. Reciclo, cultivo a minha horta, produzo o meu sabão e sabonete, faço pão, e mais uma quantidade de coisas. Com tudo isto consigo ter uma vida chamada "média alta".

Beijos

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