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28
Mar25

Lugar-comum

Ficar deitada ao teu lado. Ficarmos deitados um ao lado do outro. A olharmo-nos. A abraçarmo-nos. A conversarmos. A rirmos. Ficar deitada ao teu lado. Ou em cima. Ou em baixo. Estar contigo em qualquer posição, em qualquer lugar, a qualquer hora. Cheirar-te. Deixar que o teu cheiro se entranhe na minha pele. Descobrir-te. Cada milímetro de ti. Beijar-te. Ficar só a sentir o calor do teu corpo, a tua respiração tranquila, encostar a minha cabeça levemente no teu peito enquanto dormes. Passear contigo. Ver como te movimentas seguro pela rua. Como me estendes a mão. Vamos? Ouvir a tua voz. Ouvir-te em todas as línguas. Ouvir-te sobre todos os assuntos. Por acaso sabes como adoro ouvir-te? Desde aquele dia de chuva em que fomos jantar num restaurante quase vazio no Bairro Alto e eu, a comer pataniscas e arroz de feijão, só pensava onde é que tu tinhas andado durante este tempo todo e não conseguia parar de sorrir. Ficam a doer-me os músculos da cara de tanto sorrir quando estou contigo. Contigo, transformo-me num cliché ambulante. Passear de mãos dadas. Ficar abraçados a ver o mar. Partilhar a sobremesa. Beijarmo-nos como adolescentes no meio da rua. Ouvir músicas lamechas. Encontrar significados profundos em frases pirosas do instagram. Mandar mensagens com corações. Chorar de saudades. Esperar por ti, com borboletas na barriga, na porta das chegadas do aeroporto. O melhor lugar-comum é saber que existe um lugar onde nos encontramos e somos felizes, no matter what. Os nossos braços, o nosso abraço. O nosso lugar comum.

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Mural do Beijo, de Joan Fontcuberta, em Barcelona

Outros lugares-comuns do nosso largo:

publicado às 11:31

Depois de uma semana de muitas e fortes emoções, passei o fim-de-semana todo em casa, sozinha. Foi tempo para ler, escrever, ver filmes antigos, pensar na vida. Lá fora o vento e a chuva, de vez em quando uns raios de sol. Não adoro estar sozinha, mas sinto que, de vez em quando, também preciso destes momentos de silêncio e de confronto comigo mesma. É tudo uma questão de equilíbrio. No domingo à tarde temperei um frango e deixei-o a ganhar sabor durante horas, antes de o meter no forno por outras tantas horas. Quando os rapazes foram chegando, dos seus fins-de-semana, a cozinha estava quentinha e com aquele cheiro adocicado do assado. O frango ficou delicioso. Macio, húmido, a carne a soltar-se dos ossos. Um frango assado precisa de tempo. Não é possível fazer um bom frango assado no forno com pressa. Aquele frango precisou daquele domingo passado de pijama, das lágrimas que derramei enquanto acabava de ler o Somos o Esquecimento que Seremos, do colombiano Hector Abad Faciolince, da leveza de ver o Peggy Sue Casou-se, do Coppola (um filme de 1986 que não me lembrava de já ter visto, embora tudo aquilo me parecesse familiar), do espanto renovado ao reler passagens do António Lobo Antunes (tem coisas tão boas, caramba), da alegria de encontrar no Filmin A Ama de Cabo Verde, de Marie Amachoukeli, que queria ter visto no cinema mas acabei por deixar passar. Isto tudo até que finalmente nos sentámos os três a comer o frango tenrinho e saboroso e, entre conversas cruzadas e gargalhadas, olhámos para o calendário e fizemos planos para três meses (somos assim ambiciosos). Um jantar de família que não se vai repetir nos próximos dias, pois estarei a trabalhar à noite, e que cada vez acontece menos porque eles já não são crianças e temos todos as nossas vidas, com compromissos e actividades várias, mas talvez seja por isso que estes momentos são tão especiais. Ou então é o contrário, é por termos estes momentos tão bons juntos que, depois, podemos ir às nossas vidas descansados, sem dramas, sabendo que num domingo qualquer vamos encontrar-nos outra vez na cozinha, falar de coisas sem importância e ficar com as mãos sujas da gordura.

publicado às 12:47

21
Mar25

Vizinhos

Falei com a Nofouz uns dias depois dos actos terroristas do Hamas a 7 de outubro de 2023. Alguém deu o contacto a alguém que me perguntou se não estaria interessada em entrevistar uma palestiniana da Cisjordânia. Nem hesitei. Trocámos umas mensagens em inglês e combinámos um dia para falar. Pouco antes da hora, ela desmarcou. Trabalha num hospital em Hebron, a cidade onde mora, e estava com muito trabalho. Tentámos uma segunda vez. Numa pausa do trabalho, Nofouz falou comigo. Tinha na altura 23 anos e estava a terminar o curso de Medicina. Falava um inglês perfeito. De vez em quando calava-se para deixar passar os aviões. Emocionou-se algumas vezes. Mas sabia o que queria dizer. "Neste momento, tenho medo de que todas as pessoas que morreram tenham morrido por nada, que todas as crianças que passam por noites de bombardeamentos estejam a sofrer por coisa nenhuma. As pessoas de Gaza estão a lutar por todos nós. Eles não têm opção a não ser lutar. Eles estão a lutar pelo nosso futuro e eu temo que a situação fique na mesma, que, depois da guerra, nada mude", disse-me. Contei a história de Nofouz o melhor que soube, tentando mostrar as contradições de quem cresceu no meio de uma guerra, a maneira como o ódio vai aumentando contra todos os argumentos, como as pequenas humilhações e injustiças de todos os dias transformam as pessoas. De vez em quando, a ver as notícias, lembro-me dela. Trocamos mensagens esporádicas. No outro dia, celebrámos a vitória do filme No Other Land, que ganhou o Óscar de Melhor Documentário. Foi filmado numas aldeias perto de casa dela. Pareceu-me animada com a perspectiva de um acordo de paz. Falava em viajar.

Esta semana voltaram os bombardeamentos em Gaza. 

Sinto que o conflito israelo-palestino é demasiado complexo para se conseguir estar de um lado só. Tento ler opiniões de um lado e de outro. Tenho visto filmes, procuro informar-me. Andei a pesquisar sobre o movimento sionista e sobre como tantos judeus foram para aquela região quando Israel ainda não existia e os britânicos resistiam aos movimentos independentistas, quer de israelitas quer de palestinianos. Mas, um ano e meio depois, continuo sem ter uma posição definida. As soluções que parecem perfeitas no papel dificilmente resultarão quando postas em prática. Dois estados? Há demasiados subtextos, demasiada história, demasiados golpes e feridas por sarar, demasiado rancor acumulado para que a paz possa ser alcançada por vias diplomáticas. Ninguém quer ceder.

Acabei de ler O Coração Pensante, do escritor israelita David Grossman, que é muito crítico em relação a Netanyahu. A certa altura, diz: "Para quem vive em países onde a ideia de 'lar' é algo óbvio, devo explicar que para mim, para a minha consciência israelita, a palavra 'lar' cria um sentimento de segurança, protecção e pertença. Lar é um lugar onde posso existir em paz. Em que as fronteiras são reconhecidas por todos, e em particular pelos vizinhos. Mas tudo isto está envolto em nostalgia, em anseio de algo que, para mim ainda não se realizou totalmente. Por enquanto, sinto que a casa israelita é mais uma fortaleza do que um lar. Não há nela segurança nem paz, e os meus vizinhos acalentam muitas dúvidas e exigências sobre os meus quartos e paredes-fronteiras e, por vezes, sobre a sua própria existência. (...) Surge ainda um outro pensamento, o pensamento sobre os dois povos torturados: o israelita e o palestino, nos quais o trauma do refugiado é tão primário e fundamental, e apesar disso nenhum deles tem a mais leve compreensão pela tragédia do outro povo, para não falar compaixão."

Vizinhos. A maioria das guerras começa assim, entre pessoas que vivem lado a lado. De um lado ou de outro da fronteira. De um lado ou de outro da rua. Às vezes nem isso. Russos e ucranianos. Vietnamitas do norte e do sul. Sérvios e bósnios. Grupos étnicos diferentes no Ruanda. Facções opostas na Síria. Lembro-me de ver testemunhos de judeus que viviam na Alemanha antes da guerra, perfeitamente integrados, felizes, e de como, quase de um dia para o outro, passaram a ser mal tratados por aqueles com quem antes conviviam amigavelmente. Os vizinhos em quem confiavam tornaram-se seus inimigos. 

Está sempre a acontecer, e o que é mais incrível é que parece que não aprendemos nada.

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Crianças esperam a comida fornecida por uma organização humanitária em Beit Lahiya, no norte da Faixa de Gaza (AP Photo/Abdel Kareem Hana)

Neste largo, a vizinhança é boa e escrevemos sem conflitos:

publicado às 10:10

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Gostei muito de To the End, o documentário sobre os Blur que está no Filmin. Para mim, que ouvia os Blur no início dos anos 90, sobretudo o Modern Life is Rubbish e depois o Parklife e The Great Escape, foi uma viagem e tanto. Continuei a ouvi-los e, mesmo não lhes dando a mesma atenção, nunca me desiludiram. Só os vi duas vezes em concerto e foram ambas incríveis. Em 2015 no Super Bock Super Rock no Parque das Nações e depois em 2023 no Festival Kalorama no Parque da Bela Vista. O filme centra-se nesta última fase da carreira e no concerto de consagração em Wembley, mas vai recuperando algumas imagens antigas, para contar a história, para mostrar como foi e como é. Eles estão mais velhos, claro, com rugas, com barriga, a voz do Damon já não é tão limpa, às vezes estão cansados, já lhes custa ficarem acordados até às tantas, mas no essencial estão na mesma. Continuam a ser um grupo de miúdos que se junta para tocar e que tem prazer nisso. Vê-los agora, a falar dos filhos, das casas no campo, das dores nos corpos, é incrível. Envelhecemos todos, obviamente. Envelhecemos juntos. E isso é bastante comovente. 

publicado às 18:05

Um livro

É engraçado quando vamos lendo livros de um autor e vamos percebendo qual é o seu universo, os temas de que gosta, o espaço onde se movimentam as suas personagens. No seu mais recente livro, Toda a Gente Tem um Plano, Bruno Vieira do Amaral continua a sua investida pelos bairros mais pobres da margem Sul para nos mostrar aqueles que tantas vezes parecem invisíveis. Continua, por exemplo, entre gente que veio de África (ou do Brasil) e gente que procura conforto em deus. Gosto muito da maneira como o autor construiu esta história, evitando a linearidade, fazendo-nos ir lá atrás no tempo, uma vez e outra vez, para conhecermos melhor este Calita e as curvas da sua vida. Também gosto muito do cuidado que põe na criação das personagens e dos contextos, quase como se nos transportasse para aqueles locais, como se aquelas pessoas fossem de carne e osso e nos pudéssemos ter cruzado com elas em algum momento. Gosto de me apegar às personagens, de compreender as suas fraquezas, de ficar a torcer por elas. De sofrer com elas quando elas sofrem.

Um filme

Já o vi há algum tempo, mas, depois, com o barulho dos Óscares e a crise política que nos caiu em cima, acabei por não ter tempo de vir aqui escrever sobre O Atentado de 5 de Setembro. O filme acompanha o atentado terrorista ocorrido nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, mas do ponto de vista dos jornalistas do canal americano CBS, que estavam na torre do satélite, a uma centenas de metros da aldeia olímpica. Admito que será um filme que talvez toque mais os jornalistas. E ainda mais os jornalistas que estejam ligados à televisão. Afinal, aquela foi não só a primeira vez que os jogos olimpicos foram transmitidos em directo, mas também a primeira vez que um atentado terrorista foi transmitido em directo pela televisão - com todas as questões que isso levanta. Mas acho que pode ser interessante para toda a gente. Posso dizer-vos que, mesmo sabendo como aquilo ia acabar, o filme conseguiu envolver-me completamente e até deixar-me nervosa.

Uma série

Adolescência é mesmo imperdível. O nome diz tudo: é uma minissérie sobre a adolescência, nos seus muitos aspectos. A pressão a que os jovens estão sujeitos, por parte dos outros jovens, agravada pelas redes sociais. A influência que alguns gurus e ideologias podem ter sobre os jovens. A relação com os pais. A escola. O desespero dos professores. A falta de perspectivas. A falta de empatia. A linguagem. Os telemóveis sempre na mão. As portas dos quartos fechadas. A impotência dos pais. A culpa. Está lá tudo, mas ao mesmo tempo é uma série muito diferente de todas as outras séries que já vimos sobre adolescentes. São quatro episódios muito bem feitos, muito bem realizados, muito bem interpretados. O primeiro episódio tem imensa tensão. O episódio da escola é bastante perturbador. O último é o mais tocante (pelo menos, para mim). Fez-me pensar tanto. Não quero estar a contar muito. Está na Netflix. Vejam que não se vão arrepender.

publicado às 20:12

Não sou uma pessoa divertida. Não tenho jeito para dizer piadas. Não tenho um humor refinado. Não sou a pessoa que alivia o ambiente na sala com uma daquelas frases que a todos faz rir. Gostava de ser, gostava mesmo. Toda a gente gosta dessas pessoas. Tenho amigas assim e morro de inveja da sua presença de espírito, do seu tom acutilante, da capacidade de dizer a coisa certa no momento certo. A mim sai-me sempre mal. Por isso já nem me esforço por ter graça. Sou boa a rir. Aí sim, sou inconfundível. Não sabes quem é a Maria João? É aquela que tem aquelas gargalhadas. Demorei a aceitar esta minha característica. Aprendi a rir de me rir, se é que isto faz algum sentido. Ainda hoje, não sei se é uma coisa boa ou má. As pessoas que se riem têm mais dificuldades em serem levadas a sério. Como se por rir eu não pudesse fazer bem o meu trabalho. Ou não tivesse as minhas próprias tristezas. 

N’O Nome da Rosa, Umberto Eco refere o segundo livro da Poética, de Aristóteles, considerado perdido, no qual o filósofo, ao tratar da comédia, faz uma apologia do riso e das suas virtudes. Pelo contrário, na abadia onde se passa a acção do romance de Eco, o riso é proibido. ′′O riso mata o medo, e sem medo não pode haver fé. Aquele que não teme o demónio não precisa mais de Deus", diz uma das personagens. Ali, o riso, transgressor, é perigoso - e pode, em última análise, matar. Ficções à parte, a verdade é que, ao longo da história, o riso foi sempre associado aos tolos (muito riso, pouco siso, lá diz o ditado). Ou, no caso das mulheres, à leviandade.

Felizmente, evoluímos. Os cientistas descobriram que rir faz bem à saúde do corpo e da cabeça. "Sorriam", diz a Eunice Paiva aos seus filhos no filme Ainda Estou Aqui (outra vez, eu sei; este filme tem andado aqui a remoer). Sorriam, que sorrindo é mais fácil levar esta vida cheia de contrariedades, é nisto que acredito. Felizmente tenho muitos motivos para sorrir. E quando me rio, rio-me com gosto, com prazer, desbragadamente quase. O melhor riso é aquele que acontece quase sem pensarmos, que se espalha pelo corpo todo, que faz barulho. Aquelas gargalhadas que vêm mesmo cá de dentro, que não conseguimos (nem queremos) controlar. Tenho aprendido, com o tempo, a rir de mim mesma. Não me era óbvio nem fácil. Rir do corpo balofo, da idade que avança, dos esquecimentos, das figuras ridículas, das trapalhices. A vida às vezes é tão absurda que, não sei o que o diabo faria, mas a nós só nos resta rir. 

*

Como de costume, à sexta-feira há outros diabos que se riem:

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publicado às 09:45

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Quando olho para trás e procuro os momentos-chaves, os momentos transformadores na minha vida, penso sempre na vinda para Lisboa e para a faculdade, depois a entrada no jornalismo, depois os filhos, depois o divórcio e, finalmente, a pandemia. Há cinco anos ficámos em casa. Soube logo que ia ser uma experiência marcante, mas não poderia imaginar quanto. Aconteceu tanta coisa. Andámos dois anos às voltas com as máscaras e o álcool-gel. Foi há tão pouco tempo e, no entanto, parece que foi noutra vida.

publicado às 15:51

O mês mais curto foi cheio de coisas boas.

A começar pelos concertos de Ana Lua Caiano e Amélia Muge e de Samuel Úria e Manel Cruz. Foram ambos muito bons. E também uma oportunidade para estar com alguns amigos queridos. Geralmente evito ter programas em dias de semana porque sei que estarei cansada e não me vai apetecer e depois vou ficar ainda mais cansada. Mas foi tudo tão bom nestas duas noites que valeu muito a pena.

Fui moderar um painel numa conferência na Gulbenkian. Deus sabe o que me custa expor-me assim, as noites que passo sem dormir, os nervos que me atacam o corpo. Ainda assim, fiquei mesmo feliz quando recebi o convite e achei o tema tão interessante, tão a minha cara, que é claro que não podia dizer que não [o que é o pior que pode acontecer?, não é?]. Olhando para trás, odeio ver-me e ouvir-me, encontro mil erros, mil coisas que podiam ter sido melhores. Mas tive muita sorte com o meu painel, eram pessoas realmente interessantes e com quem gostei muito de conversar. 

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Foi o aniversário da Helena, que é uma das minhas pessoas preferidas. E foi um dia mesmo bom porque estive com as minhas amigas mais antigas e com quem não tenho tido muita oportunidade de estar, por motivo nenhum especial, apenas porque andamos desencontradas. Foi como se estivéssemos de volta à faculdade, com as conversas a sobreporem-se e a cumplicidade e a honestidade e a amizade de sempre. Gosto mesmo destas miúdas que me entendem bem, mesmo quando falamos pouco. Esse dia; a tarde em que, do nada, combinei com a Isabel irmos ouvir a escritora, Elizabeth Strout à Livraria Bucholz; a caminhada de duas horas pelos caminhos de Monsanto, que me deixou de corpo cansado mas de coração cheio. Foram todos momentos especiais. Não me canso de o dizer: os amigos verdadeiros são o meu oxigénio.

O espectáculo do Tiago Rodrigues, No Yogurt for the Dead, é simplesmente incrível. O texto é muito bom, com um tema muito duro mas ao mesmo tempo com um sentido de humor apurado, a fazer-nos rir e chorar quase ao mesmo tempo. As barbas, a música, a atriz que fala neerlandês, o humor, a montanha - as soluções que ele encontrou para nos falar da morte do pai, ao mesmo tempo emocionando-nos mas criando uma distância segura, são perfeitas. E que dizer daquelas duas actrizes, a Beatriz Brás e a Manuela Azevedo. Sim, a Manuela, dos Clã. Já a tinha visto noutras peças, mas aqui ela excede-se e, além de cantar como sabemos que canta, é uma actriz de corpo inteiro.

 Quem viu o espectáculo sabe como ele fala a todos os que já perderam alguém. É impossível não nos relacionarmos, não nos revermos em alguma das cenas. Ainda por cima, no natal tinha oferecido bilhetes à minha irmã e ao meu cunhado. Já estava contente por termos um programa juntos. Só depois reparei que o espectáculo era no mesmo dia do aniversário da morte da nossa mãe. Acabou por ser ainda mais especial.

Os problemas não se resolveram mas, este mês, parece que estiveram mais suportáveis. Os putos mais orientados. O trabalho menos odioso. Um bocadinho menos, vá. Ou então era eu que estava tão entretida a fazer planos para março que já não me chateei muito. Também há isso. 

publicado às 14:12

Às vezes no meio de um acontecimento feliz, um qualquer - um jantar com amigos, uma brincadeira com os miúdos, um silencioso dia de praia só com um livro, um barulhento encontro de família, um passeio de mão dada, um concerto daqueles -, de repente dou por mim a parar um segundo e a pensar: porra, sou mesmo uma pessoa com sorte. 

Nesses momentos fugazes de felicidade plena, sinto-me em paz, de coração lavado.

Quero guardar esse sentimento, tê-lo sempre comigo. A minha reserva pessoal de alegria para usar em caso de necessidade. Para os dias em que estou miserável e penso que vai tudo correr mal. As boas memórias são o detergente mais eficaz.

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Diz que há outros corações lavados por aí:

publicado às 09:36

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Só para pôr uns pontos nos is nesta história dos Óscares porque há gente que aparece aqui e não me conhece e fica a achar que eu sou uma maluquinha dos Óscares. Não sou, ok? Na verdade, não me interessa muito quem ganha o quê. Gosto de ver filmes. Gosto de discutir filmes e de pensar um bocadinho sobre eles. Divirto-me com isto. Vejos os filmes que consigo, há anos em que há filmes muito bons, a maioria são assim mais ou menos, tento evitar aqueles que me parece que não vou gostar mas mesmo assim às vezes ainda levo umas banhadas, mas de uma maneira geral divirto-me. 

Em toda a minha existência de 50 anos só fiquei 5 vezes acordada para ver a cerimónia: duas quando era mais nova, com a minha amiga Isabel, e três porque estava a trabalhar. Acho sempre uma seca. Não tenho paciência para os vestidos nem para os discursos emocionados nem para os números músicais. Não tenho sequer grande paciência para os prémios. Arrependo-me de ter perdido horas de sono e juro que nunca mais.

Os Óscares só são importantes para quem os ganha e para quem os perde.

Para quem vê filmes, o importante é o prazer que temos a ver os filmes. E o que tiramos dessa experiência.

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publicado às 20:03


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