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Não gosto de filmes de terror nem gore, portanto, parece-me natural que não tenha gostado d'A Substância, realizado por Coralie Fargeat. Aliás, nem tinha intenções de perder tempo com isto. Mas depois apareceu-me ali no streaming do Movistar e eu ainda tinha uns dias até desactivar a conta e achei por bem aproveitar. Está visto, e a primeira coisa que me ocorre dizer é que é um disparate pegado.
Simplificando, é isto: Elisabeth, uma estrela de Hollwyood (Demi Moore), vai ser afastada porque está a ficar velha e já não corresponde ao estereótipo de beleza pretendido pelo produtor do seu programa de televisão. Então, decide experimentar uma substância inovadora que faz "nascer" do seu corpo uma versão mais jovem de si, Sue (Margaret Qualley). À custa de um complexo sistema de injecções, alimentam-se uma da outra e vivem em semanas alternadas, enquanto uma está inconsciente, a outra está activa. Até que Sue começa a gostar demasiado da sua vida e a aldrabar o esquema para prolongar a sua semana, e a partir daí as coisas descontrolam-se.
Eu, que sou da realidade, lido sempre muito mal com estes filmes de fantasia porque começo a encontrar falhas na história, coisas que não batem certo, que não podiam ser assim. Isso não me leva a lado nenhum, claro, porque para ver um filme destes a primeira premissa é aceitar o que nos dão sem questionar. Mas, vamos lá ver - e só vou perguntar isto -, se durante a semana em que estava "desligada" a Elisabeth não tinha qualquer consciência e não podia desfrutar da beleza e da juventude da Sue, para que é que aquilo lhe servia afinal?
Há ali uma cena em que Elisabeth se prepara para ir jantar fora com um homem, mas não satisfeita com a imagem que o espelho lhe devolve continua a emendar a maquilhagem à procura de uma perfeição que não existe, a tal ponto que a sua cara se transforma num borrão e ela acaba por desistir. Essa cena é muito forte.
Mas, honestamente, se queriam encontrar uma mulher que representasse o medo de envelhecer talvez tivesse sido bom ir buscar uma actriz que não estivesse tão esticada e botocada e que tivesse um corpo um bocadinho mais envelhecido (nada contra, atenção, o corpo dela é óptimo e ainda bem, só estou a dizer que não dá para uma pessoa normal sentir muita identificação com o seu medo de envelhecer - só para que tenham uma ideia, ela tem 62 anos e está a representar uma mulher de 50, sendo que o seu corpo é bem melhor do que o da maioria das mulheres de 50 que eu conheço).
Por aquilo que li, A Substância tinha pretensões de fazer alguma crítica social e ter uma mensagem feminista. Não encontrei lá nada disso. Mas isso também já é hábito em mim, como se pode comprovar AQUI e AQUI.
Tudo bem, já sabemos que existe uma pressão da sociedade sobre os corpos das mulheres. Mas se por um lado o envelhecimento não é só uma questão de corpo, por outro nem toda a juventude é bela e nem toda a velhice é feia. E que fixe que é quando conseguimos escapar desses estereótipos. Isso sim, seria uma verdadeira mensagem feminista. Pelo contrário, o que ali vejo são duas mulheres, uma mais jovem e outra mais velha, mas ambas igualmente obcecadas com o corpo e com a imagem e com necessidade de agradarem aos homens que babam à sua frente. Duas mulheres sem amigos, sem família, sem vida, sem objectivos que não manterem-se lindas e serem adoradas. Que estão dispostas a tudo, até a submeterem-se a tratamentos estranhos e sobre os quais não sabem absolutamente nada, em troca da promessa da eterna juventude. Que se destroem a si mesmas e que, até ao fim, não dão qualquer mostra de ter dois dedos de testa ou de fazer qualquer auto-crítica (nota-se que estou enervada com isto?, é porque estou).
E já nem falo nos grandes planos exagerados - completely male gaze, ainda que a realizadora seja uma mulher - das mamas e dos rabos das actrizes. Feminismo? Onde?