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A Vida Secreta dos Velhos, que fui ver hoje à Culturgest, é um espectáculo maravilhoso interpretado por um grupo de actores mais velhos que partilham as suas histórias amorosas, passadas e presentes. Uma das actrizes, com 92 anos, garante-nos que continua a sentir desejo. Outra fala-nos da importância da masturbação. Um homem recorda a sua iniciação sexual, com prostitudas. Outro lembra como os pais o repudiaram quando ele saiu do armário. Uma mulher revela que teve o seu primeiro orgasmo aos 65 anos. Outra que, finalmente, encontrou a felicidade, já depois dos 70. Um homem toma viagra. Outro frequenta saunas. Uma delas fala da importância de se sentir desejada por alguém. Muitas pessoas têm dificuldade em aceitar que os velhos continuam a ter vontades e prazer nos seus corpos flácidos. Eu própria, sentindo os anos a passar, às vezes, pergunto-me: como será quando eu envelhecer? Será diferente do que era quando tinha 20 anos, com certeza. Será diferente do que é aos 50. Mas alguma coisa será. "Agora, de cada vez que faço amor, digo a mim mesmo: Pode ser a última vez, então trata de te aplicares", conta um dos actores. É um belo conselho. O que este espectáculo nos mostra, com humor mas também de forma muito emocionante (e eu chorei muito), é que todas as pessoas, independentemente da sua idade, precisam de amar e ser amadas. Os velhos somos nós (se tivermos sorte). Os velhos que nós seremos serão tanto mais felizes quanto nos deixarmos de merdas e aceitarmos, com naturalidade, a sua (nossa) vida sexual, seja ela como for.
Infelizmente, não haverá mais apresentações deste espectáculo criado pelo encenador francês Mohamed El Khatib. Mas podem sempre ler o texto do Gonçalo Frota para ficar a saber mais.
Lembrei-me deste texto e também me lembrei muito dos meus velhos amigos da Companhia Maior, de quem eu tanto gosto.
Para tentar fintar a neura de novembro, recorri aos amigos e à arte. Para além deste espectáculo, aconteceram coisas como:
Um filme: Por ti, Portugal, eu juro. Documentário da Sofia da Palma Rodrigues com a equipa da Divergente, é um extraordinário documento sobre um tema pouco (nada) falado: os Comandos Africanos da Guiné, jovens guineenses que foram forçados a combater pelo exército português, mas que, depois do 25 de Abril, foram abandonados por Portugal e perseguidos pelo novo poder da Guiné.
Um concerto: Dora Morenlebaum. Foi no Musicbox, levada por uma amiga, que descobri esta artista brasileira que até então desconhecia. Filha do violoncelista e arranjador Jaques Morelenbaum e da cantora Paula Morelenbaum, tem 28 anos e muito boa vibe. Junta bossa nova, jazz, disco, funk e o que mais apanhar à mão. Foi um belo serão.
Um espectáculo: O céu da língua, de Gregório Duvivier. Uma viagem em volta da língua portuguesa e da poesia que se escreve com essa língua. Muito divertido mesmo. Muito inteligente. É tão bom e tão raro ter oportunidade de rir assim com um espectáculo.
Outro espectáculo: Volta para a tua terra, de Keli Freitas (de quem já tinha falado AQUI). A artista brasileira continua a mergulhar na sua história para fazer pequenos espectáculos de teatro documental. Desta vez, sobre a vinda para Portugal e o significado das travessias. Mas também sobre a investigação à sua família e a necessidade de saber de onde vem. Tal como no outro espectáculo que tinha visto dela, voltei a ficar com a sensação de estar "incompleto", uma vez que são colocadas perguntas que ficam sem resposta, começam a contar-se histórias e ficamos sem saber o seu desfecho. Imagino que seja propositado. Percebo que se queira contrariar esta obrigatoriedade de contar histórias com princípio, meio e fim. Mas eu fiquei com vontade de mais. De saber mais. De saber como acabou. Ainda assim, gostei muito.
Claro que nada disto - nem os filmes, nem as músicas, nem os espectáculos, nem sequer os amigos que me deram colo e copos de vinho, que me fizeram rir e desfrutar momentos de verdadeira felicidade, fosse a ouvir poesia ou simplesmente a conversar - resolveu a frustração com o trabalho ou apaziguou as preocupações que me afligem por causa dos meus filhos. Mas estas coisas ajudam. A vida é isto tudo. O bom e o mau misturado. Os problemas e as alegrias, as aflições e as gargalhadas. É preciso ir juntando coisas boas, sempre, para não nos deixarmos abater pelas coisas más.
Hoje, saí do teatro e vim no metro a pensar no que aqueles actores disseram. “Vou amar-te toda a vida, porque a vida pode acabar a qualquer instante", disse um deles. Não é preciso ser velho para perceber isto. Passei no supermercado para comprar ovos, senti umas gotas de chuva no cabelo, enrosquei-me no sofá com o meu filho, fiz um bolo de iogurte, sentei-me a escrever este texto. São tantas as coisas pequenas que me fazem feliz. E, depois, novembro está quase a acabar.