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Parece que não vou conseguir ver O Irlandês a tempo dos Óscares. Talvez conseguisse se me esforçasse muito mas tenho outras coisas para fazer este fim-de-semana e não me apetece esforçar-me. Verei depois. Portanto, tendo visto os outros oito filmes nomeados para o Óscar de Melhor Filme, acho que posso dizer com alguma certeza que o meu filme preferido este ano é... Jojo Rabbit.
Eu sei, eu sei. Os críticos sérios não gostaram de Jojo Rabbit. Os críticos sérios geralmente não gostam de comédias, é verdade. E depois ainda há o problema de este ser um filme sobre o fascismo, que é um tema difícil, sobretudo nos dias que correm. Como é que um filme que não se leva muito a sério e que não tem pretensão a ser uma obra-prima pode ousar falar do pior dos fascismos com esta leveza? Pois. A verdade é que eu própria não sabia bem o que esperar. E se calhar isso foi o melhor que me aconteceu, pois não tinha qualquer expectativa em relação a este Jojo Rabbit. Não sei se já repararam mas não se falou muito sobre este filme. De todos os que estão nomeados aos Óscares, este é talvez aquele de que se tem falado menos. Anda toda a gente a discutir se o Óscar vai para o 1917 ou para os Parasitas e parece que não há mais nada para além disso. Mas há.
O filme começa com uma versão do I Want to Hold Your Hand, dos Beatles, em alemão, ao mesmo tempo que passam imagens antigas de comícios com gente de braço estendido saudando o Hitler. E só com isso eu já estava conquistada. Jojo Rabbit é uma comédia. Também podemos dizer que é uma fábula. Seja como for, não há ali qualquer intenção documental, de fazer uma reconstituição histórica ou sequer de nos levar a acreditar que alguma daquelas personagens pudesse realmente existir ou que aquelas situações seriam possíveis. É preciso entrar naquele III Reich colorido e estilizado, onde as personagens falam inglês mas com "pequenos apontamentos" de alemão, como se estivéssemos dentro de uma banda-desenhada onde tudo é possível.
Esta é a história de um menino de 10 anos, Jojo, na Alemanha, na fase final da Segunda Guerra Mundial. Ele é um pequeno fanático nazi, membro da Juventude Hitleriana, que vive só com a mãe (Scarlett Johannsson), pois o pai está na guerra, e tem Adolf Hitler como seu amigo imaginário (papel interpretado pelo próprio realizador neo-zelandês, Taika Waititi).
Jojo Rabbit tem tantas coisas fixes. Temos os miúdos (e os dois pequenos atores, que interpretam Jojo e o seu amigo Yorki, são maravilhosos) e aquela necessidade que os miúdos têm de se sentirem integrados no grupo e de por isso terem de provar que são os maiores e de fazerem coisas que na verdade não queriam fazer. Os miúdos que inventam histórias na sua cabeça para justificarem e darem sentido ao mundo (e às vezes, já crescidos, continuamos a fazer isso).
Temos a mãe. A mãe que nunca critica ou corrige o filho, apesar de não concordar com os seus ideais. A mãe que brinca, que ama, que ensina, que protege Jojo, sempre com um sorriso no rosto, ainda que passe o dia, muito provavelmente, em arriscadas actividades anti-fascistas e, à noite, depois de pôr o filho na cama, tire a maquilhagem da cara e beba uns copos de vinho enquanto pensa na vida e se sente sozinha.
Temos a guerra. Os bons e os maus. Os judeus. A perseguição. O medo. Os nazis. O ódio. Está lá tudo. Mas depois os elementos das SS e da Gestapo parecem todos saídos de Alô Alô. São ridículos. Se as suas ideias são irracionais, então a melhor maneira de as criticar é ridicularizá-las.
O filme faz lembrar um pouco o A Vida é Bela, de Benigni, embora visto do lado oposto do campo de batalha. E talvez por isso, por nos pôr a gostar de um dos maus, seja menos demagógico. Embora em ambos o amor seja a salvação, aqui o amor não é um dado à partida, é algo que Jojo tem de encontrar por si próprio. Ainda há tempos eu falava aqui que para evitarmos o ódio temos de ver o outro como um igual - e este filme também é sobre isso. Jojo vai descobrir que o verdadeiro inimigo é, afinal, a ignorância.
Mas, bom, isto sou eu a pensar no filme depois de o ter visto. Na altura eu não pensei nada disto. Só me deliciei com os diálogos fabulosos e aquele miúdo traquinas e as suas borboletas na barriga e os pormenores das roupas e a música (a música é muito boa - o filme começa com Beatles e acaba com David Bowie, ainda que em alemão, e lá pelo meio também ouvimos uma versão de Everybody's gotta live e faz todo o sentido). Ri e chorei, porque o filme é para rir mas também é para chorar (e se forem lamechas como eu vão chorar muito).
E, no final, ainda com as lágrimas nos olhos, voltamos a sorrir e trazemos connosco a grande lição: dancem. Dançar é bom. Dançar é liberdade. Dançar é felicidade. Dançar faz bem.
E, pronto, foi assim que, para grande surpresa minha, na recta final da corrida, Jojo Rabbit chegou ao primeiro lugar da minha tabela de preferências. Este ano não foi fácil organizar esta lista. Para dizer a verdade, não tenho muita certeza sobre esta ordenação. Talvez o 4 pudesse ser o 3. Talvez o 3 pudesse ser o 2. Isto tem muito a ver com o prazer que cada filme me deu e o prazer, como se sabe, não é uma coisa muito fácil de medir. Talvez noutro dia isto estivesse ordenado de outra maneira. Mas é dia de fechar as votações. E ao dia de hoje a coisa vai mais ou menos assim:
1. Jojo Rabbit
2. Marriage Story
3. Mulherzinhas
4. Parasitas
5. 1917
6. Joker
7. Era uma vez... em Hollywood
8. Le Mans'66: O Duelo
9. (não vi O Irlandês)