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Não sou uma pessoa divertida. Não tenho jeito para dizer piadas. Não tenho um humor refinado. Não sou a pessoa que alivia o ambiente na sala com uma daquelas frases que a todos faz rir. Gostava de ser, gostava mesmo. Toda a gente gosta dessas pessoas. Tenho amigas assim e morro de inveja da sua presença de espírito, do seu tom acutilante, da capacidade de dizer a coisa certa no momento certo. A mim sai-me sempre mal. Por isso já nem me esforço por ter graça. Sou boa a rir. Aí sim, sou inconfundível. Não sabes quem é a Maria João? É aquela que tem aquelas gargalhadas. Demorei a aceitar esta minha característica. Aprendi a rir de me rir, se é que isto faz algum sentido. Ainda hoje, não sei se é uma coisa boa ou má. As pessoas que se riem têm mais dificuldades em serem levadas a sério. Como se por rir eu não pudesse fazer bem o meu trabalho. Ou não tivesse as minhas próprias tristezas. 

N’O Nome da Rosa, Umberto Eco refere o segundo livro da Poética, de Aristóteles, considerado perdido, no qual o filósofo, ao tratar da comédia, faz uma apologia do riso e das suas virtudes. Pelo contrário, na abadia onde se passa a acção do romance de Eco, o riso é proibido. ′′O riso mata o medo, e sem medo não pode haver fé. Aquele que não teme o demónio não precisa mais de Deus", diz uma das personagens. Ali, o riso, transgressor, é perigoso - e pode, em última análise, matar. Ficções à parte, a verdade é que, ao longo da história, o riso foi sempre associado aos tolos (muito riso, pouco siso, lá diz o ditado). Ou, no caso das mulheres, à leviandade.

Felizmente, evoluímos. Os cientistas descobriram que rir faz bem à saúde do corpo e da cabeça. "Sorriam", diz a Eunice Paiva aos seus filhos no filme Ainda Estou Aqui (outra vez, eu sei; este filme tem andado aqui a remoer). Sorriam, que sorrindo é mais fácil levar esta vida cheia de contrariedades, é nisto que acredito. Felizmente tenho muitos motivos para sorrir. E quando me rio, rio-me com gosto, com prazer, desbragadamente quase. O melhor riso é aquele que acontece quase sem pensarmos, que se espalha pelo corpo todo, que faz barulho. Aquelas gargalhadas que vêm mesmo cá de dentro, que não conseguimos (nem queremos) controlar. Tenho aprendido, com o tempo, a rir de mim mesma. Não me era óbvio nem fácil. Rir do corpo balofo, da idade que avança, dos esquecimentos, das figuras ridículas, das trapalhices. A vida às vezes é tão absurda que, não sei o que o diabo faria, mas a nós só nos resta rir. 

*

Como de costume, à sexta-feira há outros diabos que se riem:

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publicado às 09:45


2 comentários

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Anónimo 14.03.2025

gosto muito de me rir com vontade e de surpresa. nunca consegui gostar do humor preparado, stand up comedy e afins. um dia disseram-me: tu tens uma gargalhada. nunca tinha pensado que se podia não ter uma gargalhada.
rir-se com o corpo todo. tão bom <3
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blogdocaixote 22.03.2025

Não sei muito bem o que se passa neste "diabo das sextas-feiras" porque só dei conta dele hoje, mas levaste-me para blogs que eu acompanhava há anos e que a partir de determinada altura deixaram de postar. Vou ter de me atualizar. :)

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