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“Não vou conseguir.”
“O que é o pior que pode acontecer?”
“Vou morrer de vergonha.”
“Sim, e?”
“Não vou conseguir.”
“Ok. Vai morrer de vergonha, e depois?”
“Depois nada.”
“Exacto. Depois nada. A vida segue. Não custa assim tanto.”

Fui educada para não correr riscos. Nunca dar um passo maior do que as pernas, como diziam os meus pais. Para ser funcionária pública e ter um emprego para a vida. Para casar e ser para sempre. Para guardar o dinheiro numa conta-poupança. Seria incapaz de investir na bolsa, como é óbvio, se nem sou capaz de jogar no casino, deus me livre de entregar uns poucos de euros à sorte de uma roleta, uns dados, um baralho de cartas, uma máquina com morangos e cerejas. Mais vale um pássaro na mão, lá diz a sabedoria popular. Fui educada para não correr riscos. Para não me meter em aventuras. Para ter sempre a situação controlada. Nunca saltei no bungee jumping e não nado fora de pé. Em qualquer situação eu sou a mãe, mesmo quando ainda não tinha filhos. Sou a que viu o caminho no mapa. A que tem benurons na mala. A que leva sempre um casaco. A que não se atrasa. A que, na dúvida, diz não. E, então, o que é que isso tem de mal? Ser responsável é bom, certo? Sim. Mas. Fui educada para não correr riscos. Para não sair da linha. Para me comportar. O que é que as pessoas vão pensar? Queria ter uma nota, uma qualquer, por cada vez que ouvi esta frase. As meninas não podem. As meninas não devem. O que é que as pessoas vão pensar? Fui educada para ter vergonha. Para ter medo. Para preferir não experimentar a atrever-me a falhar. E se não consigo? E se corre mal? E se? O que é que as pessoas vão pensar? Tremem-me as pernas e a voz, revoltam-se-me as tripas, envermelha-se a cara de cada vez que me ponho a prova. Fui educada para não correr riscos. Para ficar, não para ir. Para me deixar estar. Para pensar antes de falar. Para pesar prós e contras. Para jogar pelo seguro. Fui educada para não correr riscos, mas a vida ri-se de mim e diz-me que quem manda aqui é ela. Achavas que tinhas isto tudo controlado? Que ingénua. A vida ri-se de mim à tripa-forra. Troca-me as voltas. Deita-me cascas de banana pelo caminho e eu, tão burra, escorrego em todas. Espalho-me ao comprido, ali mesmo, à vista de todos.

“Sim, e?”
“Depois levanto-me.”

“O que é o pior que pode acontecer?” era o que o psicólogo me perguntava quando eu lhe dizia que não conseguia alguma coisa. E havia muitas coisas que eu não conseguia (que não consigo ainda). É uma boa pergunta. Permite-nos distinguir entre aquilo que pode ter consequências realmente graves, e por isso talvez devamos evitar, e aquilo que terá consequências menores, muitas vezes até só na nossa cabeça e exacerbadas, no meu caso, pelo medo e pela falta de confiança. Tipo: claro que não é boa ideia gastar as poupanças no casino, mas que mal viria ao mundo se agora te pusesses a escrever umas coisas diferentes?

Aqui estamos.

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Foi a Carla que “resolveu que queria voltar a escrever e reuniu as tropas”. Eu não conheço a Carla. Nem a Joana. Nem a Helena. Nem a Mariana. Apenas conheço a Lia ao longe, das redes, e a Calita, um pouco mais ao perto mas ainda assim só virtualmente. Foi a Calita que me explicou aquilo do reunir as tropas e me desafiou a participar. Fiquei tão contente, nem sei se lhe disse isto assim com todas as letras, mas fiquei mesmo entusiasmada. Apresentei-me ao serviço, num grupo de whatsapp criado há escassos cinco dias, pronta a dar o corpo às balas. A ideia é termos um espaço partilhado e publicarmos semanalmente (ou quando for possível) textos escritos por todas sobre um mesmo tema. Ainda não temos esse espaço, mas não quisemos desperdiçar esta energia inicial, este ímpeto que nos levou a dizer bora lá, e por isso vamos já começar a publicar textos, por aqui e por aí. A Joana diz que vamos ressuscitar os blogues. Eu só queria ressuscitar o gosto por escrever. Acho que basicamente é isso. O primeiro tema é “espalhar-se ao comprido”.

“Sim, e?”
“Depois levanto-me.”

 

Aqui também estão a espalhar-se ao comprido comigo:

publicado às 13:55



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