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"O nojo da amamentação, essa função animal. E, mais tarde, os vapores mornos e adocicados das papas. Por mais que me lavasse, aquele mau cheiro a mãe não me saía do corpo. Mário às vezes colava-se a mim, abraçava-me e possuía-me ensonada, também ele cansado do trabalho, sem emoção. Fazia-o, atirando-se à minha carne quase ausente, que sabia a leite, a bolachas, a farinhas, cheio de um desespero pessoal que aflorava o meu sem o reconhecer. Eu era o corpo de um incesto, pensava atordoada pelo cheiro do vomitado de Gianni, era a violação da mãe e não a posse de uma amante."
de Os Dias do Abandono em Crónicas do Mal de Amor de Elena Ferrante
A Céu pega neste excerto para perguntar: poderia um homem ter escrito isto? A resposta parece óbvia. Mas deixem-me devolver a pergunta, em forma de provocação: poderia uma mulher que nunca teve filhos ter escrito isto? E, mesmo das que tiveram filhos, quantas sentiram a experiência de forma a poder escrever isto?
O que eu quero mesmo perguntar é: o que é isso de uma "escrita feminina"?
Não tenho uma resposta. Tenho algumas ideias sobre o assunto e muitas dúvidas. É um facto que tenho lido mais livros de mulheres e sobre mulheres. Mas resisto muito a classificações simplistas. Parece-me cada vez mais problemático arrumar autores (ou pessoas) em gavetas. Mas ainda não sei bem que outro tipo de arrumação lhes dar.
Ia aconselhar-vos o clube do livro da Sara Barros Leitão que ao longo de um ano vai discutir livros feministas mas, infelizmente, as inscrições para a primeira sessão esgotaram-se em poucas horas. Podemos sempre ir lendo os livros e acompanhando a discussão online, é melhor do que nada.
E vou também tentar acompanhar o curso de Introdução à História do Feminismo, que começa este sábado.
Talvez lá mais para o fim do ano já consiga alinhavar umas frases sobre o assunto.
Louisa May Alcott (1832-1888), autora de Mulherzinhas