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A 6 de outubro de 1973, o estado de Israel foi atacado pelo Egipto e pela Síria, que aproveitaram o facto de os judeus celebrarem o seu mais importante feriado, o Yom Kippur. As principais actividades militares aconteceram na Península do Sinai e nos Montes Golan. Apanhado de surpresa, Israel demorou a reagir. Durante os 20 dias que durou a guerra do Yom Kippur, como ficou conhecida, Israel perdeu perto de 2.800 militares. Mais de 8.000 ficaram feridos. 293 israelitas foram feitos prisioneiros. O país perdeu ainda perto de mil tanques, mais de 100 aviões e dois helicópteros. As estimativas para as perdas do lado árabe são ainda mais terríveis, referindo-se cerca de 16 mil mortos, 35 mil feridos e 9 mil prisioneiros. Apesar de, no final, Israel ter conseguido travar a ofensiva e repor as suas fronteiras, a guerra iria manchar a reputação da primeira-ministra, Golda Meier. Acusada de falta de preparação e de não ter conseguido reagir com maior rapidez, o que poderia ter impedido os avanços iniciais dos árabes e reduzido drasticamente o número de baixas, a primeira-ministra foi ilibida pela Comissão Agranat, que investigou a sua responsabilidade nas falhas na defesa. Apesar disso, Golda acabaria por resignar em abril 1974. Morreu em 1980, devido a um linfoma.
Não percebo muito do que se passa em Israel, com muita pena minha. Sei o básico sobre a diáspora dos judeus, expulsos da "Terra Santa" séculos antes de Cristo, e sobre o sionismo, o movimento que, desde o século XIX, defendeu a criação, nesse local original, de um estado para os "filhos de Israel". Golda Meier era sionista. Nascida na Ucrânia em 1898 e educada nos Estados Unidos, mudou-se para a Palestina em 1921, para morar num kibbutz e participar na vida comunitária e, mais, tarde, instalou-se em Jerusalém, onde iniciou a sua carreira política. Defendeu os refugiados judeus durante a Segunda Guerra Mundial e foi uma das duas mulheres que, em 1948, assinaram a declaração da fundação do estado de Israel. A partir daqui tudo me parece demasiado confuso. Os estados árabes vizinhos nunca aceitaram o novo estado e seguiram-se diversos conflitos armados, nos quais se disputaram quilómetros de território e se redefiniram fronteiras. Nascido em grande parte da culpa ocidental, após o Holocausto, Israel acabou por se tornar (e cada vez mais) um país pouco democrático, excessivamente militarizado e com práticas humanitárias muito duvidosas no que toca ao tratamento da comunidade palestiniana.
A nós, portugueses, no nosso cantinho da Europa sem grandes chatices desde o século XII (houve os espanhóis e os franceses, pois sim, mas nada a ver), pode parecer-nos um pouco estranho que povos vizinhos se odeiem tão visceralmente por causa de diferentes religiões e diferentes etnias, que se matem por uns metros de terra a que possam chamar seus. E, no entanto, isto acontece ainda hoje na Ucrânia, no Nagorno-Karabakh, em Israel, em tantos outros sítios do mundo. Valerá tudo isto a pena?, é sempre o que me pergunto. Este ódio, estas mortes farão sentido?
Para Golda esta seria seguramente uma não-questão. A guerra impõe-se. Não admite recusas.
50 anos depois do início da guerra do Yom Kippur, chega aos cinemas Golda, o filme realizado por Guy Nattiv e protagonizado por Helen Mirren, que retrata este período. Aqui encontramos Golda, figura imponente, cara enrugada, poucos sorrisos. Os cabelos brancos apanhados. O cigarro permanentemente acesso. Cigarros atrás de cigarros. Uma mulher doente, mas que não se queixa. Uma mulher habituada a tomar decisões mas, ainda assim, com dúvidas. Implacável com o inimigo mas que sofre com as mortes dos seus soldados, sofre pelas mães que perdem os seus filhos.
O filme não nos dá muitas informações biográficas, o que é uma pena, na minha opinião, porque me parece que ela teve uma vida e tanto. Não é tanto um filme sobre ela quanto um filme sobre ela nesta situação. Uma mulher à frente do seu país. Uma líder num momento de crise. Que cozinha bolos para as reuniões com os ministros do seu governo, onde decide ataques mortais. Que recebe Kissinger, o secretário de Estado norte-americano (interpretado por Liev Schreiber), na cozinha e o obriga a provar o borscht feito pela empregada, enquanto negoceiam aviões de guerra.
Fez-me lembrar um pouco A Hora Mais Negra (2017) que mostrava Churchill em 1940 quando as tropas alemãs encurralavam as tropas britânicas em Dunquerque e o parlamento exigia a demissão do primeiro-ministro acusando-o de estar a ser demasiado brando com os nazis.
A escolha de Helen Mirren foi criticada por alguns sectores que preferiam ver uma actriz judia no papel. Polémicas à parte, Mirren é uma excelente actriz e consegue, por baixo de todas as camadas de caracterização, fazer uma óptima interpretação de Golda. No entanto, apesar de alguns momentos bem conseguidos, o filme acaba por ser bastante repetitivo, com os seus mil planos de mapas, cinzeiros cheios e cigarros a arderem. É uma pena, porque, como já devem ter percebido, este é um tema que me interessa e eu queria mesmo ter gostado mais.