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Como prometido, mais livros:

Ao Paraíso

Li-o há já algum tempo, mas não sei porquê na altura não escrevi e não queria mesmo deixar de referi-lo porque foi uma boa surpresa: Ao Paraíso, de Hanya Yanagihara. Desta autora tinha lido Uma Pequena Vida, que é, atrevo-me a dizer, um dos livros da minha vida. Comprei este Ao Paraíso de olhos fechados, segura de que ia adorar. Depois quando lhe peguei e percebi exactamente como seria, temi o pior. Eu não sou da ficção científica, da fantasia nem das distopias, gosto da realidade real, das coisas como elas são. Comecei de pé atrás, confesso. Mas o livro estão tão bem escrito, as personagens são tão verdadeiras, tudo é descrito com tantos pormenores e com tanto realismo, que foi impossível não me agarrar de imediato àquelas pessoas e àquelas histórias.

Sem querer revelar muito: a acção passa-se em três momentos diferentes - no século XIX, nos anos de 1990 e num futuro próximo - mas sempre centrada em Manhattan, numa Nova Iorque inventada, numa América inventada. São três histórias diferentes mas subtilmente ligadas, onde o que está em causa é, acima de tudo, a liberdade e o desejo que todos temos de encontrar o nosso paraíso (e o que estamos dispostos a fazer para isso?). Pelo meio, a família, os amigos, a sexualidade, o amor, a doença (e as epidemias), a morte. Também pelo meio, o que é uma nação, o que queremos ser enquanto sociedade, o que nos liga e o que nos separa, a igualdade e a desigualdade. É um livro que nos levanta tantas questões, nos dá tantas coisas para pensar, mas que, ao mesmo tempo, me emocionou profundamente.

Maus Hábitos

E por falar em emoções: Maus Hábitos, de Alana S. Portero. Que murro no estomago. A personagem principal é um rapaz que, criança ainda, se apercebe que é transgénero. A história é contada na primeira na pessoa e é incrível a forma como ela (ela, claro, porque se refere sempre a si mesma no género feminino) se descobre, reconhecendo-se nas travestis dos filmes e das revistas, nos gays e nas outras mulheres trans com que se vai cruzando, a forma como se percebe antes mesmo de ter as palavras certas para dizê-lo, a forma como crescendo descobre o amor e a sexualidade, como aprende a esconder-se e a mentir aos outros, ao mesmo tempo que aprende a aceitar-se e a libertar-se, cada vez mais. E por fim é brutal a forma como se confronta com a violência, os preconceitos e toda a maldade da sociedade, que lhe nega a sua própria identidade. Tudo tão bem contado. E tão revoltante e tão tocante em doses iguais. Não conheço nenhuma pessoa trans, não faço ideia do que será uma vida assim, posso apenas imaginar o sofrimento de uma pessoa impedida de ser quem é - mas para mim esta leitura foi reveladora. Gostaria muito de saber a opinião de alguém trans sobre este livro.

As Primas

Mais uma raridade: As Primas, de Aurora Venturini, é um livro sobre a deficiência. Quantos livros já leram com personagens com deficiência? Penso que nunca tinha lido um livro que abordasse de forma tão crua (e sem qualquer condescendência) as deficiências - mental e física. Há momentos em que pode até ser um pouco chocante, mas esse choque é como uma chamada de atenção à nossa consciência: porque estás a pensar isso?, porque estás a sentir isto?. Que preconceitos são esses que temos aqui escondidos? Conhecer os nossos preconceitos é o primeiro passo para podermos combatê-los - foi isso que este livro me fez. Neste caso, não posso dizer que tenha adorado a escrita e confesso que tive muita dificuldade em empatizar com as personagens, mas foi seguramente um livro que não me deixou indiferente.

Não estava prometido, mas quero deixar aqui também uma nota sobre dois filmes:

Retratos Fantasmas acabou de entrar para o catálogo da Filmin e pude assim colmatar aquela enorme falha de não ter conseguido vê-lo no cinema. É um documentário do brasileiro Kleber Mendonça Filho (o realizador de Aquarius) que é uma declaração de amor à sua cidade, o Recife, e sobretudo às antigas (e entretanto desaparecidas) salas de cinema. É um filme sobre a memória, cheio de imagens da infância e da casa onde ele cresceu, sobre a importância dos lugares no nosso mapa de afectos. E a memória, como sabemos, é um tema que me é muito caro. (Posso dizer que me emocionei, posso? Ando uma lamechas, não sei se é da idade, mas parece que tudo me emociona por estes dias)

E por causa de umas publicações no Instagram decidi voltar a ver Frances Ha, do Noam Baumbach com a Greta Gerwig. Sinceramente, já nem me lembrava muito de pormenores e, sim, é um filme sobre a entrada na idade adulta, não é de todo para o meu target, mas, o que querem?, voltei a gostar. Aquela maravilhosa ingenuidade, aquele acreditar que tudo é possível e, depois, os socos que levamos da realidade. No fim de contas, todos aprendemos a arrumar o quarto e a não gastar mais dinheiro do que temos, mas deveríamos manter sempre um pouco daquela espontaneidade, não é?

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publicado às 19:37



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