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A propósito do Dia da Mulher, que amanhã se assinala: dois filmes que têm temas diferentes mas que, no fundo, falam da mesma coisa:
Ela Disse, de Maria Schrader, acompanha as duas jornalistas do The New York Times, Jodi Kantor e Meghan Thowey, que, em 2017, investigaram os abusos do produtor de cinema Harvey Weinstein. Durante anos, Weinstein, director da Miramax, usou a sua posição na indústria de cinema para abusar de jovens mulheres - algumas trabalhavam para ele, eram assistentes, secretárias, etc., outras eram actrizes no início de carreira. Lembro-me do quão enojada fiquei quando tudo isto se ficou a saber. Não foi uma nem duas vezes. Weinstein fazia isto por sistema, fê-lo muitas vezes (houve 107 mulheres que o acusaram, provavelmente haverá mais vítimas), e contava com a cumplicidade e a ajuda não só de outros trabalhadores (e trabalhadoras) como de grande parte do meio cinematográfico. É incrível percebermos como até há tão pouco tempo estes porcos abusadores podiam pavonear-se por aí impunemente, com a certeza de que ninguém teria coragem de os denunciar e que, se alguém o fizesse, bastava pedir aos seus caríssimos advogados para pagar o silêncio destas mulheres amendrontadas. Conseguir que essas mulheres falassem, conseguir derrubar o muro de silêncio em volta do assédio e dos abusos foi a grande conquista das duas jornalistas. E ver isso a acontecer neste filme é, para uma jornalista, quase como ver Os Homens do Presidente, o filme de 1976 sobre o caso Watergate - é lembramo-nos que existem jornalistas que de facto fazem a diferença e quão importante é o jornalismo quando é bem feito (depois há ali coisas que nós sabemos que não são bem assim, como, por exemplo, ninguém, e muito menos uma jornalista de investigação do NYT, faz telefonemas importantes para fontes ainda mais importantes enquanto se passeia numa rua de Manhattan ou enquanto entra no elevador do edifício da Oitava Avenida, mas, vá, a gente dá o desconto).
A Voz das Mulheres, de Sarah Polley, é um filme admirável por motivos totalmente distintos. O filme inspira-se nos acontecimentos na Colónia Manitoba, uma colónia de cristãos evangélicos na Bolívia, onde se descobriu que entre 2005 e 2009 um grupo de homens sedava as raparigas e as mulheres, com anestésicos para animais e, depois, durante a noite, as violava. As mulheres acordavam ensanguentadas e com dores mas na maioria das vezes não se lembravam com precisão do que tinha acontecido. Isso é da tua imaginação, disseram-lhes. Estás a inventar coisas. Ou então: isso é obra do demónio. Quando finalmente os homens foram apanhados no acto, a polícia foi chamada, concluindo-se que havia pelo menos cem vítimas, com idades entres os três (!) e os 65 anos. Oito homens foram acusados e condenados à prisão. O filme ficciona uma colónia semelhante, onde estes eventos ocorreram. Os violadores estão detidos a aguardar julgamento, os homens da colónia foram à cidade para tentar pagar as cauções, e as mulheres organizam-se para decidir o que podem fazer a seguir: perdoar e deixar tudo como antes; lutar (por quê? como?); partir, ou seja, abandonar a colónia. Têm apenas um par de dias para tomar essa decisão. O debate entre as mulheres, mais velhas e mais novas, solteiras e casadas, mais conservadoras ou mais progressistas, é um tratado sobre a condição feminina. E aquilo que ali se passa - algures, numa data indefinida, numa colónia religiosa, fundamentalista e fechada, que parece ter parado no tempo e viver ainda no século XIX - tem tudo a ver connosco. A influência da educação e da tradição naquilo que somos, os homens que não são todos iguais, as mulheres que também não o são, a violência doméstica, as questões transgénero, a masculinidade tóxica, a importância da religião, o poder - são tantas as questões que são ali abordadas. O que é a liberdade para quem nunca foi livre? Que escolhas temos? O que pode ambicionar quem não sabe ler, quem nunca foi à escola, quem nunca teve direito a ter opinião? Que voz é esta das mulheres quando finalmente se faz ouvir? Rooney Mara, Claire Foy, Jessie Buckley, Judith Ivey, Frances McDormand e todas as outras são maravilhosas. Este filme emocionou-me muito.
E, já agora, está patente até 23 de abril, no Museu de Serralves, no Porto, a exposição Metamorphosis, de Cindy Sherman. Esta também não se cala.