Voltar ao topo | Alojamento: Blogs do SAPO
Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Quando o filme terminou não consegui levantar-me. As luzes acenderam-se, a música a tocar, a ficha técnica a passar no ecrã, e eu ali, incapaz de fazer o que quer fosse, sentindo uma tristeza imensa, uma tristeza tão grande por Aurora e por nós todos, que raio de mundo este, a pensar nos meus filhos, no futuro que lhes estamos a deixar, nos valores que lhes queremos passar e, bolas, é Abril outra vez e aqui estamos, ainda, a lutar por termos todos vidas dignas.
On Falling é a primeira longa-metragem de ficção de Laura Carreira, realizadora portuguesa que vive na Escócia há mais de dez anos. É em Glasgow que se passa este filme. Aurora (interpretada pela excelente Joana Santos) também é portuguesa e trabalha como "colectora" num grande armazém de e-commerce. Passa os seus dias sozinha, vagueando pelos sombrios corredores do armazém a recolher os items para as encomendas. Trabalha muito e vive contando o dinheiro para que chegue ao fim do mês (e às vezes não chega). O filme mostra-nos a repetição dos seus dias, um a seguir ao outro, um igual ao outro, enfiada num armazém inóspito, com uma máquina que apita se ela demora um pouco mais a cumprir a tarefa, num sistema que a vê como um número, um funcionário sem rosto, cuja performance é contabilizada por um computador. Uma vida sem sorrisos nem alegrias. Nos poucos tempos livres que tem, Aurora está quase sempre sozinha, fechada no seu quarto, a olhar para o telefone. Ou então acompanhada dos colegas de trabalho, no refeitório para a pausa do almoço, ou dos colegas de casa, na pequena cozinha onde todos prepararam as refeições - pessoas com quem tem uma intimidade forçada mas com quem não estabelece uma verdadeira relação, e, por isso, até nesses momentos, continua a refugiar-se no scroll infinito do seu telefone. Aurora não tem amigos, não tem abraços.
Quão triste é a vida de alguém quando a única coisa que faz no seu tempo livre é lavar a roupa?
Já tínhamos visto como podem ser as vidas desgraçadas dos emigrantes em Great Yarmouth. Aqui temos outra perspectiva. On Falling é, antes de mais, um filme sobre o capitalismo selvagem em que vivemos e sobre a quase escravatura a que muitos trabalhadores estão sujeitos. Onde o trabalho é um meio de sobrevivência precária mas que não permite qualquer sobre-vivência. "Trabalhar para ganhar a vida, porque é que a vida que se ganha tem de gastar-se a trabalhar (para ganhar a vida)", lembram-se da canção? Contas feitas, aqui não há vida ganha. Este é também um filme sobre a falta que nos faz essa vida fora do trabalho, a falta que nos faz o tempo para sermos outros além de funcionários, a falta que nos faz o convívio, a ligação aos outros, os afectos. É isso que nos mostra a cena final, a única em que se vislumbram sorrisos e alguma alegria.