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E agora o que é que eu faço? Por instantes, os meus filhos crescidos voltaram a ser aquelas crianças que a meio de agosto já estão fartas de se aborrecer pela casa e precisam de ajuda para se entreter. Sem telemóveis, computadores, televisão ou consolas, parecia que não havia nada para fazer. Foram buscar as bicicletas, encheram os pneus, afinaram os travões e foram dar uma volta. Quando se fartaram disso, o mais velho foi namorar e o mais novo decidiu ir arrumar a marquise e até leu umas páginas do livro que tem há meses em cima da secretária.

Já eu, pessoa antiga e analógica, acho que estou quase preparada para o apocalipse. Não tenho rádio a pilhas, é verdade, e essa é uma falha a colmatar urgentemente. Mas tenho fogão a gás. Tenho velas e fósforos e lanternas. Relógios de ponteiros. Livros para ler e tricot para me entreter. 

Estava em casa às 11:33. Demorei a perceber o que é que se passava. Ao início pensei que era uma falha de eletricidade no prédio, só quando vi que não tinha dados nem rede móvel é que intui que algo maior estava a acontecer. Ficámos assim, eu e o António, na ignorância durante uma hora até que, por milagre, o whatsapp encheu-se de mensagens. Durou pouco a alegria. Ficámos à espera que o Pedro voltasse da escola com novidades: o metro parado, os autocarros cheios, as pessoas na rua, as filas nos supermercados. Não deu para tomar banho (odeio água fria), mas estávamos juntos e, por isso, estávamos tranquilos. Aproveitei para cozinhar a pescada congelada antes que se estragasse e a única preocupação era como iríamos comprar a comida para o gato, que, inacreditavelmente, se tinha acabado - fomos salvos pelo mais novo da família, o único que não tem multibanco mas tem um mealheiro bem recheado. Se o apagão tivesse durado mais tempo, é claro que surgiriam outras angústias. Assim, foi só desfrutar do privilégio. Não fosse ter que ir trabalhar depois do almoço e também teria ido passear com os rapazes, aproveitar o magnífico dia de primavera e relaxar, longe dos telemóveis e do scroll infinito, sem pensar nas notícias nem nos políticos. 

Se há lição a tirar deste dia em que ficámos às escuras - literal e metaforicamente - é perceber o quão dependentes estamos da electricidade e como isso nos deixa tão vulneráveis, como indivíduos e como país. Basta alguém desligar um botão para ficarmos isolados e paralisados. 

E já agora: não romantizemos o apagão. Se acharam fixe desligar o telefone e ir para o jardim, então desliguem o telefone e vão para o jardim todos os dias. Se gostaram de jogar às cartas e de conversar com os vizinhos, experimentem fazê-lo mais vezes. Não é uma pandemia ou uma falha eléctrica que vai mudar a nossa vida, somos nós mesmos que temos que fazê-lo.

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A foto foi tirada já hoje

publicado às 19:50



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