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Chorei copiosamente a ver o documentário 20 Dias em Mariupol, do jornalista Mstyslav Chernov, que retrata a saga da equipa de jornalistas da AP, os únicos jornalistas que ficaram na cidade de Mariupol nos primeiros dias da invasão russa e que se esforçaram para contar ao mundo o que ali se passava. Chorei pelas crianças que morreram, pelos pais em sofrimento, por todas as pessoas com medo. Pelos jornalistas que correram risco de vida. Pelos militares que salvaram os jornalistas porque perceberam a importância do que eles estavam a fazer. "Filmem isto, mostrem ao mundo o que nós estamos a passar", diziam-lhes os médicos. E se não fossem eles, se não fosse a sua coragem, como saberíamos?

 

Não chorei mas foi por pouco a ler Um Dia na Vida de Abed Salam, o angustiante livro de Nathan Thrall , jornalista norte-americano a viver há 12 anos em Jerusalém. O livro conta a história verdadeira de um acidente com um autocarro que, num dia de muita chuva, transportava crianças de uma escola palestiniana para um parque de diversões. Thrall ouviu as muitas versões daquela história. E foi ainda mais longe e quis saber as histórias das pessoas que, de uma forma ou de outra, estiveram ligadas a esse acidente. O pai que perdeu um filho, o condutor do autocarro, a professora que ia com as crianças, a médica que salvou vidas, o bombeiro que apagou o fogo, a enfermeira que não chegou a horas, o urbanista que planeou aquela estrada, o militar que a vigiava. Quase sem darmos por isso a história daquele acidente transforma-se na história da Palestina. 

Desde 7 de outubro, são pelo menos 79 os jornalistas e profissionais de órgãos de comunicação social, a maioria dos quais palestinianos, mortos na guerra entre Israel e o Hamas. Quem irá contar as histórias daquelas pessoas quando não houver mais jornalistas na Faixa de Gaza?

Vejo nas redes sociais muitos comentários de pessoas que desprezam os jornalistas e que dizem que o seu trabalho não serve para nada. Eu também sou muito crítica em relação ao jornalismo que fazemos. Sim, é verdade, há muito mau jornalismo por aí. Por isso é cada vez mais importante preservarmos o bom jornalismo. Fazermos escolhas acertadas. Reflectirmos todos sobre o que andamos aqui a fazer.  Fazermos o nosso trabalho o melhor possível. Porque, não tenhamos ilusões, o mundo será um lugar muito pior e muito mais escuro se (quando) não houver jornalistas. Quando estivermos exclusivamente à mercê de informações enviesadas, não verificadas, falsas, divulgadas sabe-se lá por quem e a servir sabe-se lá que interesses.

Esta semana realiza-se o 5º Congresso dos Jornalistas. Tenho vários mixed feelings sobre o que se passa nos media, não tenho qualquer espírito de classe e há muito tempo que não visto camisolas. Mas paguei a minha inscrição, talvez me apeteça passar por lá. E, por fim, peguei nas minhas dúvidas, fui perguntar a outros jornalistas o que é que eles achavam disto tudo e escrevi um artigo. É a minha singela participação para o debate.

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O jornalista da Al Jazeera Wael Dahdouh chora a morte do seu filho Hamza, que também trabalhava para a Al Jazeera e que foi morto num ataque aéreo israelita em Rafah, Faixa de Gaza, domingo, 7 de janeiro de 2024. Dahdouh já tinha perdido a sua esposa, outros dois filhos e um neto nesta guerra e ele próprio quase foi morto. (Foto AP/Hatem Ali)

publicado às 22:36



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