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Já passou algum tempo mas não queria deixar de vir aqui escrever porque quero mesmo guardar comigo esse momento maravilhoso que foi o espectáculo A Colónia, de Marco Martins. Antes de ir eu já sabia que ia gostar. Primeiro, por ter a ver com o Estado Novo e os presos políticos, e depois porque gosto muito de teatro documental e tenho esta panca com tudo o que tenha a ver com a memória e a fixação das memórias. Ainda assim, nada me preparou para esta avalanche.

A ideia surgiu de uma reportagem de Joana Pereira Bastos, publicada no Expresso, sobre a colónia de férias para filhos de presos políticos, que aconteceu em 1972, nas Caldas da Rainha e que, durante duas semanas,  juntou 18 crianças entre os 3 e os 14 anos. Mas o que se conta em palco vai muito além disso. Partindo dos testemunhos de duas dessas crianças, hoje crescidas, a Manuela e a Rita, e com a ajuda de Conceição Matos e Domingos Abrantes, começa-se por recordar o sistema opressivo em que se vivia, contar como era a vida dos opositores ao regime, a clandestinidade, a prisão e a tortura pela Pide. Só depois é que se passa para a colónia, juntando os testemunhos da monitora e de mais três dessas crianças. Como era para uma criança viver na clandestinidade, sem saber o seu verdadeiro nome e sem brincar com outras crianças? Como foi ver o pai a ser preso ou visitar o pai na prisão? 

Não se limitando a ter estas pessoas todas em palco a contar as suas histórias, o que já seria brutal, Marco Martins criou um espectáulo cheio de camadas e de uma grande beleza, com os extraordinários actores João Pedro Vaz, Sara Carinhas, Ana Vilaça e Rodrigo Tomás (e aquele achado inicial - viver em clandestinidade era, também, representar, interpretar diversas personagens), a que se juntaram um grupo de jovens actores e ainda B. Fachada e um pequeno coro infantil. E aquilo que era a história de um grupo de crianças passa a ser a história de um povo, a nossa história, a história das crianças e dos jovens de hoje, que se perguntam afinal o que é isso de ser livre.

Posso dizer-vos que chorei muito e embora isso não queira dizer nada sobre a qualidade da obra quer dizer muito sobre o quanto me tocou e me abalou. É muito importante que estas histórias sejam contadas uma e outra vez, que não sejam esquecidas. Fascismo nunca mais, gritou-se no momento dos aplausos. Fascismo nunca mais. Fascismo nunca mais.

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Ainda deste último mês temos a assinalar:

A Reunião, um espectáculo bonito e igualmente importante do Teatro Meridional. Confesso que não sou a maior fã de commedia dell'arte e nessa noite estava um pouco cansada e talvez não tenha apreciado devidamente a peça, mas o texto do Mário Botequilha é muito bom.

Um grande concerto dos Expresso Transatlântico no MusicBox. São todos óptimos, mas o Gaspar Varela tem, de facto, uma energia especial.

Um workshop com a Ana "apetite pela vida" sobre comida saudável, sem açúcares nem processados nem proteína animal. Vim de barriga cheia e com muitas dicas para melhorar as receitas cá de casa.

A figura do ano para mim é, sem dúvida, Gisèle Pelicot. No meio de todo o horror, esta mulher dá-nos alguma esperança. Este caso mexeu muito comigo e penso que não exagero quando digo que através da sua análise podemos perceber um pouco do tanto que precisamos mudar enquanto sociedade. 

(temos outras coisas a assinalar, boas e más, mas vou tentar escrever sobre elas com calma)

Ainda nem é natal e já estou empaturrada. De comida, sim, mas sobretudo de amor. Dezembro tem esta magia, fazemos um esforço para encaixar na agenda encontros com os amigos (não todos, mas quase). Só nesta última semana contaram-se um almoço e três jantares, deitando por terra o esforço dos últimos meses para comer menos e para comer melhor. Sim, eu sei, eu sei, se eu tivesse realmente força de vontade conseguiria, mas não tenho, portanto isto anda assim mais ou menos ao sabor do vento e das flutações da minha vida e da minha cabeça, mas não nos martirizemos, em janeiro retomamos o caminho.

publicado às 11:34


1 comentário

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Cristina 26.12.2024

Não sei se conhece, mas o Fumaça está a publicar um podcast incrível, sobre as criadas no Estado Novo e advento da democracia.

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