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11
Abr25

Purgatório

“Essa sensação de o tempo estar a escassear e uma pessoa ser demasiado medricas para fazer explodir a vida que leva.”

No livro De Quatro, Miranda July mostra como uma mulher de 45 anos enfrenta a sua crise de meia-idade (também conhecida como perimenopausa) e decide abanar a sua vida e o seu casamento tradicional para se permitir partir à descoberta daquilo que realmente gosta e quer para si. Antes que seja demasiado tarde. Ou seja, antes de o envelhecimento a desfigurar.

Há muito sexo em De Quatro. Há masturbação, sexo hetero e homossexual, fantasias, brinquedos sexuais, role play. É engraçado pormo-nos na cabeça de outra mulher. Porém, não gostei assim tanto quanto esperava deste livro, que me foi muito recomendado. Em parte acho que isso tem a ver com a escrita da autora e também com a tradução. Não foi só isso. Mas prefiro falar daquilo que gostei. Sendo um livro escrito por uma mulher sobre mulheres e envelhecimento é claro que há sempre algum momento onde nos reconhecemos. Por exemplo, na eterna questão: conseguiremos, apesar de todas as condicionantes sociais, ser quem realmente somos (ainda que para isso precisemos de ter um quarto-refúgio num motel a vinte minutos de casa, como esta mulher)? Ou na outra pergunta, que todas nos fazemos a determinada altura: como será a paixão (ainda haverá paixão) quando envelhecemos? 

Depois, achei interessante a relação dela com as amigas e as conversas com outras mulheres, como quem percebe que afinal não está sozinha. E gostei de toda a parte mais doméstica, da relação da protagonista com o marido e o filho, a vidinha que temos e que às tantas já nem sabemos se estamos ali porque queremos ou simplesmente porque nos habituámos a viver daquela forma.

Falando com amigos, apercebo-me da quantidade de gente que vive infeliz em casamentos e que não sabe o que fazer. Porque é mesmo muito difícil ficar uma vida inteira com uma pessoa. As pessoas crescem e evoluem e é normal que aos 50 anos já não sejamos exactamente a mesma pessoa que éramos quando nos apaixonámos e fizemos juras de amor aos 20 e tal. Talvez por isso são cada vez mais as pessoas que pura e simplesmente não casam, também as que não querem ter filhos. São cada vez mais as que procuram outras maneiras de viver o amor. Não é à toa que cada vez mais se fala de relações abertas, de poliamor, de casais que querem permanecer juntos, mas que precisam que essa relação seja diferente do que é. E finalmente são cada vez mais as pessoas que dizem chega! e se divorciam.

Infelizmente são, parece-me, também muitas aquelas que se deixam ficar na infelicidade, como se o casamento fosse um buraco do qual não conseguem sair. Por causa dos filhos. Por causa da estabilidade. Por causa das memórias. Por causa do compromisso. Por causa de um sonho por cumprir. Por causa de dinheiro. Por causa dos outros. Por causa do medo. Por medo da solidão e da velhice. Por não terem a certeza que sozinhos ficarão melhor. Cada pessoa tem as suas razões, e são todas válidas. Mas quão triste será viver nesta espécie de beco sem saída?

Não tenho respostas nem conselhos. Só perguntas. E, ainda que não tenha adorado, ler um livro que me deixa tantas perguntas nunca é tempo perdido.

A este propósito:

  • muito interessante o podcast 451 MHz sobre o livro;
  • no outro dia, a Tânia Graça falava um pouco sobre os motivos porque se fica numa relação em que não se é feliz;
  • também apanhei por acaso um artigo na The Atlantic com boas dicas para quem, como eu, tem dificuldades em fazer mudanças na sua vida: To Be Happier, Stop Resisting Change;
  • outra perspectiva engraçada aqui: "Para as mulheres, o melhor sexo pode chegar depois dos 50"
  • Não sabia quem era a Miranda July, tive que ir à procura. Nesta entrevista ela fala um pouco das suas motivações para escrever este livro. All Fours é um dos nomeados para o prémio britânico Women's Prize for Fiction, cujo vencedor será anunciado a 12 de junho; e também já se sabe que o livro vai ser adaptado para uma série de televisão.

Captura de ecrã 2025-04-07 211737.png @Quino

O que é que isto tudo tem a ver com "purgatório", que é o tema desta semana no largo? Ah, essa também é uma boa pergunta. Talvez encontrem respostas mais úteis aqui:

publicado às 08:48


1 comentário

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Inês 13.04.2025

Sempre certeira a Mafalda

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