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Calhou estar a ler Um Cão no Meio do Caminho, de Isabela Figueiredo, na mesma altura em que vi o filme All of Us Strangers, de Andrew Haigh. São obras sobre a perda daqueles que amamos e sobre orfandade. Em ambas, os protagonistas acabam por enterrar a dor numa vida solitária, à margem, incapazes de se dar aos outros, porventura incapazes de amar. Como se a ferida aberta pela perda dos pais numa idade muito precoce (na infância, na adolescência) contaminasse tudo o resto que vem a seguir - e o que vem a seguir é uma vida inteira.
É engraçado pensar que talvez se estas duas obras não tivessem coincidido no mesmo momento da minha vida eu não tivesse dado tanta importância a este aspecto. Até porque não há muito mais semelhanças entre elas.
Em All of Us Strangers, Adam (interpretado por Andrew Scott) é um jovem gay que cresceu nos anos 80 sentindo-se incompreendido e mal amado, sem nunca conseguir ser completamente honesto com os pais, que entretanto morrem num acidente, e, por isso, sem nunca ter a aceitação que desejaria, ainda que os tempos mudem e a sociedade pareça estar mais tolerante - ou talvez não, como comprovará Harry (Paul Mescal). Não quero revelar demais. Só dizer-vos que é tudo muito bonito. Até a tristeza de Adam, o medo com que resiste a entregar-se, o modo como ele imagina o amor e como os seus corpos se vão entrelaçando cada vez mais e deixando cair as defesas. Amar, seja qual for o tipo de amor, é colocar-se numa situação de enorme fragilidade e estar disponível para sofrer mais uma perda. É preciso estar disposto a correr o risco.
Mas é um risco necessário - ou, então, corremos um outro risco, o de passar pela vida sem nos ligarmos verdadeiramente a ninguém e sem sentirmos essa felicidade da partilha. Como se lê na contra-capa de Um Cão no Meio do Caminho: "Precisamos de alguém com quem falar. Não interessa de quê. Precisamos de uma voz humana".