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Podia falar-vos das minhas mil angústias, do trabalho que me faz infeliz quase todos os dias, dos horários terríveis, do ordenado miserável, da prestação da casa a subir, da frustração, podia dizer-vos das noites que passo sem dormir preocupada com os meus filhos, com o futuro que não consigo prever nem controlar, da culpa permanente, sempre a culpa, das saudades, do cansaço, do quão farta estou de decidir o que vai ser o jantar, de preparar marmitas, de estender a roupa, de mandá-los arrumar os quartos e desligar os telemóveis, das listas de compras, da máquina da louça avariada, das luzes que se fundem, do bolor no tecto da casa-de-banho, das obras que queria fazer, que é preciso fazer, mas é tudo tão difícil, tantos problemas, tantas preocupações e ainda mais as guerras, as alterações climáticas, a pobreza, a maldade das pessoas, podia contar-vos dos dias, semanas, meses em que o meu corpo sangra incontrolavelmente por causa da porcaria da perimenopausa, do meu médico a dizer "é só sangue", com um sorriso de desdém, como se por ser mulher tivesse que aguentar todos os incómodos sem me queixar, dos quilos que ganhei, das rugas, das peles flácidas, da exaustão, da apatia que me invade em dias em que me afundo no sofá e não me apetece nada, falar-vos da solidão que se esconde atrás das gargalhadas.

É tudo verdade. E, no entanto, 2023 não foi só isto.

"Contra todas as evidências em contrário, a alegria".

A alegria dos putos nos dias bons. Só isso já basta.

Aprendi a fazer pão. Fiz pão. Voltarei a fazer pão, isso é certo.

Páscoa na praia de sempre. Os putos com pranchas de surf. E o meu pai comeu pizza pela primeira vez na vida.

Quando a Paula me diz: vou passar aí. E vamos as duas. Seja onde for.

Nós os três a jogarmos snooker numa noite de verão.

Um grupo de whatsapp com amigas pode ser um refúgio, um colo, um escape, um conforto. Sabermos que não estamos sozinhas. 

Os poemas que nunca teria descoberto sozinha e as pessoas que dizem esses poemas naqueles encontros que juntam comida e bebida e tantas partilhas. 

Os amigos. Os amigos de sempre, os amigos recentes, os amigos que vêm e que vão. Os que estão sempre aqui. Os que raramente vejo. Os que me levam para copos, jantares, programas, e me obrigam a sair de mim. Aqueles com quem converso e me fazem mergulhar no mais fundo de mim. Os que telefonam e os que mandam muitas mensagens. Os que quase não dizem nada. São todos importantes, à sua maneira.

As vezes em que consegui vencer a preguiça. Ir a uma aula de yoga ou de pilates. Caminhar. Pedalar. Passear. Ir. Não me deixar ficar. Partir a telha.

Os livros (Annie Ernaux, Fernanda Melchor, Anabela Mota Ribeiro, Alia Trabuco Zerán, Catarina Gomes, Susana Moreira Marques, Ruy Castro, Douglas Stuart, Abed Salama, outros que agora não me lembro porque não conto os livros que leio); os filmes (tantos, não consigo enumerá-los); os espectáculos (menos do que gostaria, mas ainda assim); os concertos (Chico e Caetano no mesmo ano é como ganhar o totoloto, não é? Mas também Blur, Arcade Fire, Dino D'Santiago, Ana Lua Caiano). As artes todas. Janelas abertas para o mundo. Oxigénio para mim.

A Garota Não. À parte porque é especial. Vi-a três vezes e foi sempre maravilhosa. "A vida fica difícil, o tempo passa tipo míssil, derramado em suor."

Os dias em que o trabalho vale a pena. Poucos mas bons.

Os putos a pintarem as paredes do quarto, com a música em altos gritos.

A viagem a Nápoles. E a Alda.

Os miúdos fizeram-me um "bolo da caneca" e foram acordar-me à meia-noite para me cantarem os parabéns.

Um ano sem aplicações de encontros. Muita tranquilidade.

O António a chegar a casa às quatro da manhã, vai ao meu quarto - "Mãe, já cheguei" - deita-se ao meu lado e conta-me como foi a noite.

O meu pai, de braço dado comigo, a reaprender a andar com a sua anca nova.

Tricotei um cachecol enorme e lindo.

Eu e o Pedro a andarmos de bicicleta junto ao Tejo.

Pôr música a tocar e passar horas a cozinhar. Não por obrigação, mas por prazer.

O Natal. Apesar de tudo. E o privilégio de participar numa festa diferente.

A casa da minha irmã, sinónimo de família, de Alentejo, o sítio onde voltamos sempre. 

A surpresa de encontrar alguém com quem me apetece estar. Aceitar a impossibilidade. Sentir que me poderia apaixonar. Ficar feliz só com a possibilidade.

Ter uma agenda para 2024. Fazer planos.

O verso de Manuel Gusmão que está no título desde post é bem conhecido, mas foi só quando o re-ouvi no espectáculo Bravo 2023!, dos Praga, que percebi que era a frase ideal para descrever este ano (ou esta vida). Contra todas as evidências em contrário, a alegria surge nos momentos mais inesperados. A tal da felicidade nas coisas pequenas, que é o combustível que nos faz continuar todos os dias e não nos deixa desesperar. Que nos salva.

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(nesta foto, a minha maior alegria, o meu maior medo, o meu tudo, para o bem e para o mal)

publicado às 09:23

01
Nov23

Nápoles

"Amigos com quem temos vontade de apanhar aviões", diz a Alda. São amigos preciosos esses. Acho que ganhei mais uma amiga dessas, com quem gosto de calcorrear caminhos e descobrir lugares. Fomos juntas a Nápoles. Foi a minha primeira vez em Itália. E foi tão bom. Em primeiro lugar por causa dela, claro. Com outra pessoa seria outra viagem. Fomos com os sentidos todos bem despertos, queríamos ver com olhos de ver, ouvir o italiano e o napolitano, andar pelas ruas a pé, sentir os cheiros todos, até mesmo o cheiro do peixe frito, provar as comidas verdadeiras. E foi tão bom (já disse, eu sei, mas nunca é demais repetir). Foram apenas quatro dias e deixámos muita coisa por ver, como é óbvio. Haveremos de voltar. 

Para memória futura:

Ficámos instaladas mesmo no centro, numa ruazinha ao lado da Piazza Dante. Fantástica localização. Meia dúzia de passos e estávamos na Via Toledo, uma avenida comercial. Muito barulho. Muito trânsito. Todos os dias, a toda a hora. Montes de lambretas. Bastante poluição. Atravessar a rua era sempre um acto de bravura, uma vez que os condutores não páram nas passadeiras. É preciso avançar com determinação. Também vimos muitos condutores sem cinto de segurança e muita gente nas lambretas sem capacete - famílias inteiras, incluindo crianças, encavalitadas numa maquineta minúscula a acelerar por aquelas ruas estreitas, apitando para afastar os peões, desviando-se dos obstáculos. Andámos muito a pé, experimentámos o metro e o comboio que foram uma boa surpresa, o funicular e os autocarros. Não fomos ao bairro da Amiga Genial, da Elena Ferrante, mas "encontrámos" muitas personagens dos livros nas ruas.

O azul forte é a cor predominante em Nápoles, a cor do clube de futebol. Por todo o lado, até nos bairros menos populares, encontramos bandeiras e faixas a exaltar o "Napoli campione" e o Maradona, claro, a cara do Maradona para onde quer que nos viremos, nas paredes e nos cartazes, nas montras e nas camisolas. Não tenho muitas memórias do Maradona mas ajudou ter visto A Mão de Deus, do Sorrentino.

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Diz quem já lá esteve antes que a cidade está cada vez mais turística. Há de facto muitos grupos de turistas, filas gigantes para comer nas pizzarias mais famosas, mil lojinhas de recordações. Domingo de manhã no centro histórico era quase impossível avançar por entre a multidão - fugimos dali o mais rapidamente possível. A gentrificação está a fazer o seu caminho, é visível. O segredo é procurar outros caminhos. E pedir dicas a pessoas de lá.

Como qualquer outra cidade, Nápoles é uma cidade feita de muitas cidades. Os Quartieri Spagnoli são o bairro mais tradicional, com ruínhas estreitas que sobem e descem, prédios quase em ruínas, mercados de rua, peixe em alguidares, legumes de cores garridas. É também aqui que fica o Mural do Maradona, pintado em 1990 pelo adepto Mario Filardi. 

Atravessando para o outro lado da Via Toledo, temos o Centro Histórico. Continuam a ser ruas muito estreitas mas o ambiente é diferente. Todas as paredes e portas estão grafitadas, o que lhes dá um certo ar decadente. Há uma sujidade que faz parte do encanto destes bairros mais antigos. Vale a pena espreitar pelos portões dos pátios, alguns estão muito bem recuperados. A Piazza Bellini é um recanto simpático, a que se segue aquela que me pareceu ser uma zona mais hipster.

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Subimos no funicular até lá a cima, ao Vomero, e é como se estivéssos noutra cidade. Quem leu A Vida Mentirosa dos Adultos, da Ferrante, vai reconhecer. É uma zona mais rica, com prédios bons, árvores, silêncio. Outro tipo de lojas, outro tipo de pessoas. E uma vista fantástica sobre toda a região. Seja do Castel Sant'Elmo ou da Villa Floridiana, um pequeno paraíso verde numa cidade que é quase só cimento. Vemos o Vesúvio lá ao fundo - haveremos de lá ir numa próxima vez, assim como às ilhas de Capri, Ischia e Procida. 

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À medida que descemos as escadinhas (há muitas escadinhas, intermináveis, também podem optar por subir mas é preciso ter fôlego) voltamos ao mundo das ruelas com pouca luz e muita roupa estendida. Passeámos junto ao mar, numa zona com urbanização mais recente - Posillipo e Chiaia - e visitámos o Castel Nuovo. 

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Além dos dois castelos, só entrámos brevemente no Duomo, a catedral, que é bastante bonita, mas não tínhamos tempo para explorar - também não fomos ao Museu Arqueológico nem aos subterrâneos. Guardámos todo o nosso empenho histórico para a visita a Pompeia. Monumental. Por mais que tenha lido sobre Pompeia, não estava preparada para aquela dimensão. Ficámos lá umas quatro horas e temos a noção de que não vimos tudo, mas tentámos ver as casas principais, os murais mais interessantes e bem conservados. Dá mesmo para imaginar a vida naquela cidade. E compensa bem as dores nos pés ao final do dia causadas pelo pavimento irregular.

Comer e beber: Tudo óptimo. Não houve um dia que tivéssemos comido mal. Panini (sandes) maravilhosas, pasta (massa), peixe de todas as maneiras e feitios, pizza frita - de que não fiquei particularmente fã, a verdadeira pizza Margherita, gelados. Aperol Spritz (bebe-se mas não é a minha cena) e Limoncello (melhor, mas não dá para beber tanto). 

Dicas que nos foram úteis e por isso partilho:

O  Spiedo D'oro é um restaurante com comida de todos-os-dias, muita gente a ir buscar para levar para casa. Além da comida, tem a simpatia do Vicenzo, que, assim que descobriu que éramos portuguesas, foi ainda mais simpático.

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Para uma experiência mais turística mas ainda assim compensadora, há a Pescheria Azzurra. É daqueles sítios onde se tem de ir com tempo para desfrutar verdadeiramente. Bom para quem, como eu, gosta de ficar a observar as pessoas e as suas dinâmicas. E a comida é bastante boa.

Entre as várias livrarias-bar, gostámos da Libreria Berisio.

Para a pizza fomos à Dal Presidente que, além de ter um verdadeiro mural do Banksy (cuja fotografia, sabe-se lá como, desapareceu do meu telefone), tem muito menos confusão. 

A Vineria Indovino (para vinho e panini) e o Zazzu - Gusto Sano Napoletano (para vinho e pratos tradicionais) ficam um ao lado do outro, numa rua pouco movimentada, com esplanada e óptimo ambiente. 

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O melhor de viajar é sair da nossa conforto e deixarmo-nos ir. Entrar por ruas que não conhecemos. Levantar os olhos do chão e ver uma nesga de mar lá ao fundo. Surpreendermo-nos com os cartazes colados na parede que anunciam funerais e missas de sétimo dia como quem anuncia o circo. Tentar perceber o que dizem as pessoas na ruas e dizer um "grazzie" sem parecer que estamos a tossir. Conversar com desconhecidos que também estão a ver a final do rugby e descobrir que são jornalistas (aconteceu mesmo). Vestir uma camisola do Nápoles e ir ver o jogo de futebol num café. Ficar só a ver a paisagem, sem olhar para o relógio. Ter conversas profundas ao jantar, enquanto bebemos uma garrafa de vinho, e percebermos que queremos voltar - voltar a Nápoles, voltar a Itália, voltar a viajar, voltar a apanhar um avião ou um comboio ou uma boleia ou o que seja. Assim haja orçamento para cumprir os sonhos.

publicado às 11:41

13
Jun23

Partir a telha

Andei aí uns tempos com a telha. Estou a falar no passado sem grandes certezas, mas porque sou uma pessoa optimista. Andei com a telha que é como quem diz andei aí uns tempos a achar-me a pessoa mais infeliz e injustiçada do mundo, a ver tudo negro à minha frente, como se os problemas não tivessem resolução e as dificuldades fossem inultrapassáveis. Nestas fases, quando me sinto assim, fecho-me sempre um bocadinho, o que não é propriamente uma boa estratégia. Sem me apetecer fazer nada nem falar com ninguém nem sequer pensar muito no assunto, o sentimento de solidão adensa-se. A verdade é que não podemos contar sempre com os outros. Os amigos têm as suas vidas. Têm almoços de família ao domingo. Têm companheiros com quem passam os serões. Têm filhos pequenos com quem fazem os programas que eu também fazia quando tinha filhos pequenos. Os meus amigos, na sua maioria, não conhecem esta solidão, e eu não quero estar a chateá-los com as minhas tretas. E quem vê no instagram não imagina, não é? Como poderiam saber que por trás daquelas fotografias bonitas também bate um coração? De maneiras que a telha. E porquê? Não há um motivo concreto. Há uma série de coisas que existem na minha vida e que chega ali um momento em que parece que me pesam mais, sem razão para tal. Os putos não se estão a portar pior do que antes. O trabalho não está mais insuportável. A vida não está mais difícil. Simplesmente acontece que eu estou com menos tolerância e tudo me parece pior e talvez as hormonas não ajudem. Isto não é uma depressão. São fases. Conheço-as bem. O problema é quando as fases se prolongam. Esta foi longa. 

Neste entretanto, mesmo com a telha, aconteceram coisas bonitas, há que dizê-lo.

Fui a um workshop de crochet na Retrosaria e descobri que o crochet não é para mim.

Fui ver e ouvir a Ana Lua Caiano (vale a pena descobrir).

Li o livro da Anabela. E houve momentos em que ela era eu.

Ouvi muitas músicas da Rita Lee e da Tina Turner. Não chorei, mas fizeram-me pensar nisto tudo.

Fui ao concerto do Chico Buarque. E, mesmo a ouvir mal, chorei, ao lado da Ângela.

Passei uma tarde com a Sandy e outras pessoas fixes a pensar em podcasts.

Fui ver e ouvir o Luís Miguel Cintra, tão magrinho, tão frágil, na Feira do Livro. E voltei a chorar. (um dia vou escrever sobre isto.) 

Estou a ler os livros da Annie Ernaux e a surpreender-me com a consciência que ela tem de si mesma. Com a forma despudurada como se expõe (ter vergonha do quê? sou como sou). Que lição.

Obriguei-me a estar com pessoas. E acabei por ser feliz nesses momentos. Porque estar com as nossas pessoas é bom (mesmo que eu não goste nada do festival da canção e não seja a maior fã dos santos populares). Juntar-me a um clube de poesia de gente bonita que me obriga, todos os meses, a sair da minha zona de conforto, foi uma das melhores decisões que tomei há quase um ano.

É assim que, lentamente, estou a partir a telha.

Isto é uma coisa que resulta para mim. Comprometo-me com coisas que tenho de fazer e comprometo-me com outras pessoas. Obrigo-me a planear eventos para o futuro. Por exemplo, pelo sim, pelo não, já comprei vários bilhetes para ir ver espectáculos nos próximos tempos. E garanto, assim, que num dia destes, mesmo que me apeteça muito ficar em casa, vou ter que me forçar a sair. Tal como me forcei a fazer muitas das coisas atrás descritas.

Não há receitas. Cada pessoa é uma pessoa. E não temos que estar sempre felizes e esfuziantes. Mas convém estarmos atentos. Até porque, como canta o Tom Jobim (mas o poema é de Vinicius), "tristeza não tem fim, felicidade sim".

publicado às 17:28

 

Isto já começou há uns tempos, uma pessoa aqui e outra ali, mas acho que só agora estou a tomar verdadeira consciência do facto: estamos a chegar aos 50. Ainda no outro dia estávamos a fazer as festas dos 40, todas giras e frescas, a beber gin tónico e a dançar pela noite fora, a sentirmo-nos as maiores a meio da vida e a dizer que os 40 são os novos 30 e que bom que era, mesmo com uma ruga ou outra, termos esta dose de experiência e maturidade, lembram-se? Não sei muito bem o que aconteceu pelo meio - ou melhor, até sei, passaram dez anos e aconteceu uma pandemia e os filhos deixaram de ser crianças e começámos a perder as nossas pessoas e as hormonas desataram a fazer das suas e algumas de nós ainda sofreram mais uns quantos atropelos - mas sei que de repente estamos nos 50 e, não sei quanto a vocês, mas a meu ver isto parece-se exactamente como os 50 que são. Sem filtros nem melhoramentos. 

Isso não é propriamente mau, atenção. É o que é. Não podes fugir, não te podes esconder, portanto, mais vale aproveitar muito bem enquanto aqui estamos, porque, como diz o Ivo Canelas, "isto passa a correr".

Duas coisas boas que a idade nos dá: uma consciência muito clara daquilo que nos interessa e a coragem de assumir isso mesmo, dizendo que "me estou a cagar" para o que não interessa (sejam os cabelos brancos, as opiniões dos outros, a marca dos sapatos ou as pessoas tóxicas à nossa volta).

É procurar as coisas boas, que as há sempre, até mesmo quando parece que não (isto sou eu a dizer a mim mesma, que me esqueço tantas vezes deste conselho básico) e dar muitos abraços a todas as pessoas que importam, porque as pessoas de quem gostamos e que gostam de nós são a única coisa que vale realmente a pena nesta viagem.  

Este ano, três das minhas melhores amigas fazem 50 anos. 

Foi a pensar nelas - e em todas nós, que já estamos ou que vamos a caminho dos 50 - que fiz esta playlist, com a mesma dedicação com que, na adolescência, enchíamos cassetes com as músicas que queríamos ouvir nas férias. São 50 canções cantadas por mulheres e, muitas delas, são também canções sobre mulheres. Havia outras mas a vida é feita de escolhas, não é? Estas são, sobretudo, canções de que gosto muito e, por isso, quero partilhá-las, assim em forma de prenda.

 

publicado às 09:24

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Esta foto foi tirada há quase dez anos. Os sorrisos escondem uma história. Neste dia, tinha assinado o meu divórcio. Estava de rastos. Enchi o porta-malas do carro, peguei nos miúdos, que nessa altura eram mesmo miúdos, e rumei ao sul para aquelas que seriam as minhas primeiras férias só com eles. Aterrei nessa tarde no colo da Sónia, que me acolheu, como sempre, com os braços abertos. E copos de vinho. E tranquilidade.

Temos outras histórias juntas, mais divertidas, mais animadas, com maior ou menor grau de loucura. Mas no fim das contas é isto. Às vezes só precisamos de alguém que nos ouça e nos limpe as lágrimas. E que nos diga que vamos conseguir. Nunca poderei agradecer completamente a todas as pessoas (e são algumas) que nos últimos anos têm feito isto por mim. 

Parabéns, minha querida, e obrigado por estares sempre aqui.

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publicado às 08:13

Um dia, estava a conversar com a minha amiga Paula e o que é que vais fazer nas férias, sei lá, os putos não querem fazer nada, acham tudo uma seca, pois é, podíamos fazer alguma coisa juntos, isso era giro, eu gostava de os levar aos Açores, olha, eu também, o que dizes?, é uma boa ideia, pois é, vamos tratar já disso. Confirmámos as disponibilidades com os adolescentes, perdemos horas em sites a ver preços de voos e marcámos. São Miguel, aí vamos nós. 

O único receio era juntar este quatro putos - o mais novo com 14 anos, um de 17, outro de 18 e a mais velha com 20. Os miúdos conhecem-se. Brincaram juntos quando eram pequenos. Tínhamos passado uma semana de férias em 2015 e tinha sido óptimo. E voltámos a encontrar-nos na praia durante uns dias em 2018. Mas, depois disso, vieram as adolescências. E a pandemia. Cada um cresceu à sua maneira. Tornaram-se pessoas muito diferentes. Ainda assim, pareceu-nos possível. E toda a gente estava animada com a ideia.

No primeiro dia, depois de uma noite mal dormida e de uma madrugadora viagem de avião, olhei para os quatro putos a dormitar estendidos na areia preta, cada um para seu lado, quase sem trocarem uma palavra entre si, e temi o pior. Ai, tu queres ver que isto vai correr mal? Mas, logo nessa noite, os três mais velhos saíram para beber um copo em Ponta Delgada e no regresso, quando o táxi os deixou à porta de casa à duas da manhã, já eram grandes companheiros. A partir daí correu tudo bem. Mesmo com todas as diferenças de gostos e de personalidades. Foi lindo de se ver, sobretudo os dois rapazes do meio que, há que admitir, vivem em mundos completamente distintos, mas conseguiram facilmente encontrar uma plataforma de entendimento e de cumplicidades que fez com que, pelo menos durante aqueles dez dias, fossem os melhores amigos.

Com este problema resolvido, as férias só podiam ser óptimas. Alugámos uma carrinha de sete lugares e fizemo-nos à estrada, por paisagens verdejantes, espreitando em miradouros, com os putos a protestarem por causa da música que as cotas escolhiam e nós a odiarmos a música que eles escolhiam. A ilha de São Miguel é linda, já se sabe, e entre águas quentes e águas frias, águas doces e águas salgadas, acho que mergulhámos em todos os cantos em que se podia mergulhar. Bom, eu não, bem entendido, que não sou muito de mergulhos, mas o resto do grupo. Da Caldeira Velha à Ponta da Ferraria, com passagens repetidas pela Poça da Dona Beija e pelas praias - Milícias, Pópulo, Mosteiros, Santa Bárbara (e os rapazes divertidos, nas ondas, a fingirem que sabiam surfar). Os dois rapazes foram acampar uma noite com amigos da ilha e foram a um "festival de música" numa aldeia próxima. As mães vestiram roupa colorida e foram destoar para a "noite branca" de Ponta Delgada. Fizemos umas férias low-cost, sem hotel nem restaurantes. E foi do melhor. Dormimos ao molho na casa da família Paula, comemos bolos lêvedos todos os dias, provámos os gelados do Tomé, eles beberam Kima, eu deliciei-me com os chicharros fritos e ainda tivemos a sorte de fazer um almoço nas Furnas, com uma bela de uma feijoada caseira. 

Foram dias muito bons. Familiares. Entre amigos que são casa. Sem merdas. Foram dias muito felizes, daquela felicidade que nos enche a alma e nos faz pensar que, mesmo com todas as dificuldades e todas as tristezas, esta vida vale a pena. Porque, com sorte, uma vez por ano, temos direito ao nosso bocadinho no paraíso.

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publicado às 15:59

Uma das coisas mais incríveis que aconteceram este verão foi eu ter ido a dois festivais de música. 

É preciso dizer que eu vou a festivais de verão desde praí 1998 quando fui pela primeira vez ao Sudoeste e aquilo era um mar de pó e uma bebedeira de liberdade e, desde então, fui a vários festivais, sempre em trabalho. Que me lembre, só por uma vez comprei um bilhete para um festival. Foi em 2013 para ver os Depeche Mode, no Alive. De resto, sempre tive acreditações e sempre fui lá fazer o meu trabalho e vi muito poucos concertos. Muito poucos mesmo, sobretudo se tivermos em conta que poderia tê-los visto todos. Eu não sou a maior fã de festivais de música. Mesmo gostando de música, não gosto de multidões nem de filas nem de casas-de-banho sujas nem de cerveja nem de ver concertos esmagada. 

Ou, pelo menos, era isso que eu pensava.

Por isso, é, de facto, surpreendente que este ano eu tenha comprado passes - algo que fiz pela primeira vez na minha vida - e tenha ido a dois festivais de música, pura e simplesmente como espectadora.

Aconteceu assim. Não tem grande explicação. Foi tudo um pouco por acaso. E foi exactamente como deveria ser. Uma conjugação daquela urgência do fim da pandemia com filhos crescidos que já me deixam respirar, um não me apetece nada ir trabalhar em festivais com um queria tanto ver aqueles concertos, o meu psicólogo a falar-me da necessidade de sair da minha zona de conforto com a Alda a dizer-me: vem, e eu, quase sem dar tempo para pensar muito, porque se pensasse nunca o teria feito, a comprar o bilhete para o Primavera Sound com a emoção de uma miúda adolescente. 

Fui então ao Primavera Sound, onde nunca tinha ido, com um grupo de pessoas que conheci às duas da tarde de quinta-feira, em Algés, quando entrámos no carro para nos dirigirmos ao Porto. Vi o Nick Cave e o Beck e o Arnaldo Antunes e os Gorillaz e mais outros, mas estes foram os que me marcaram mais. E foi bom, foi mesmo, mas não foi "tcharán!" como toda a gente disse que ia ser. As multidões e as filas, sim, e a dificuldade em chegar a casa porque não havia transportes decentes, tudo isso me tirou ali um bocadinho do prazer, mas pronto, faz parte. E foi preciso haver Primavera para depois haver Bons Sons.

Fui, mais ou menos com o mesmo grupo de pessoas, ao Bons Sons, que eu já conhecia bem. E foi lindo de mais e foi exactamente aquilo que eu precisava para fechar aquelas semanas de férias, com quatro dias longe do mundo, sem pensar em nada, só a desfrutar da música e da felicidade e dos abraços que fui dando a todos os amigos que encontrava pelo caminho. Mesmo com mais gente do que seria desejável e um grave problema sanitário (vejam lá isso, para o ano, ok? é que têm mesmo de melhorar essa parte), o Bons Sons é o único festival onde podemos aplaudir com a mesma intensidade um grupo de cantadeiras de Viana de Castelo, o fado da Aldina Duarte e das fabulosas Fado Bicha, a ironia do B Fachada, a criatividade de Omiri, a energia dos Pluto e a coragem dos 5ª Punkada, entre tantos outros concertos, terminando com a Lena D'Água, depois de saltos e saltos, a cantar a capella que "a culpa é da vontade", do grande Variações. É de rir e chorar ao mesmo tempo, com tanta emoção junta.

E, para além da música, estes festivais foram também, e sobretudo, as pessoas. Foram as viagens de carro e dançarmos e cantarmos em coro e acordarmos todos estremunhados e as conversas ao almoço e descobrirmos músicos que não conhecíamos e fazermos piadas sobre o Reininho e, por uns dias, esquecermos juntos as preocupações. E, entre as pessoas, a Alda, amiga de amigos que eu conhecia de longe e que agora espero manter por perto, que entrou na minha vida no momento certo, trazendo consigo um grupo de outras pessoas bonitas e levando-me pela mão, a furar por entre multidões, até chegarmos lá à frente, o mais perto possível dos palcos, mesmo junto às grades se tivermos sorte. Acho que nem ela sabe como isto tudo tem sido importante para mim (mas isso fica para contar noutra altura). 

Aconteceu assim. Não tem grande explicação. Foi tudo um pouco por acaso. E foi exactamente como deveria ser. Para o ano não sabemos como será. Se calhar, para o ano apetece-me ficar em casa a ler os clássicos. Aconteceu assim e foi bom, mas bom. E isso já ninguém nos tira.

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publicado às 23:25

Fomos passar o fim-de-semana a Sevilha. Fomos - eu e um grupo de amigas. Foi espectacular. Por estarmos juntas. Pelas conversas e pelas partilhas e pelas gargalhadas. Porque é muito fixe ver como esta amizade entre seis pessoas tão diferentes e tão parecidas tem evoluído. Porque é bom ter pessoas que são casa. Eu já tinha algumas pessoas assim e, nos últimos anos, ganhei mais estas pessoas-casa e sinto uma enorme alegria por isso. Foi muito fixe também porque comemos maravilhosamente e passeámos e porque (do pouco que vi) achei Sevilha uma cidade muito bonita. Agradável, animada e com poucos carros. Num momento em que em Lisboa se discute tanto esta questão, foi bom passear no centro de Sevilha com tantas ruas sem carros. Não são uma nem duas, são muitas. Ruas largas, ruas estreitas, ruas antigas, ruas novas. E não há carros a passarem nem carros estacionados em cada canto nem carros de pessoas que vão só ali e já vêm nem carros de lojistas nem carros de moradores nem carros de ninguém. Há eléctricos e bicicletas e trotinetes e pessoas a andarem a pé. Muitas pessoas na rua, muitas lojas, muita vida. Todo o centro sem carros. Acho que o Moedas devia ir lá, e os seus acólitos também. Para verem que é possível. Que até pode ser difícil ao início, que é preciso garantir que os transportes públicos funcionam e é preciso todo um trabalho de educação para o civismo mas, sabem, não é assim tão complicado não chegar de carro até à porta da Louis Vitton ou da escola ou do escritório ou do cinema ou do que for. E que é bom passear e parar numa das muitas esplanadas, aproveitando o silêncio e o ar puro.

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publicado às 18:18

Sempre que vou à Avenida da Liberdade no 25 de Abril encontro amigos. São encontros inesperados. Olha, tu, aqui. E é uma festa. Amigos que já não via há que tempos e que me aparecem à frente de braços abertos. No meio daquela gente toda, encontramo-nos. São esses momentos que me fazem acreditar que isto tudo há-de ter um sentido. Que o sentido disto tudo talvez seja só dar abraços e sorrir de felicidade por estarmos nisto juntos. E por nos emocionarmos, todos os anos, a cantar o Grândola. 

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publicado às 11:53

Viajei. Mas o importante não foi a viagem em si nem os passeios que demos por Bruxelas. O importante foi, primeiro, poder partilhar esta experiência com o Pedro e passarmos tempo os dois e voltarmos a andar de avião e tentar explicar-lhe que é bom sair de casa e descobrir o mundo (e também irritar-me um bocadinho com ele, que está naquela fase aborrescente mas, pronto, faz parte). E, depois, visitar a minha amiga Aline e a sua família. Já não nos víamos há quase um ano e foi bom demais voltarmos a partilhar as nossas alegrias e as nossas angústias e comer os seus cozinhados e desfrutar da sua alegria e da sua energia. E depois da viagem ainda deu para ir ao Alentejo e para passear por Lisboa, para ir ao MAAT - Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia ver as "Interferências" e a fantástica instalação do Vhils (por favor, não percam), para ver as maravilhosas "Bacantes" da Marlene Monteiro Freitas, para dar um passeio na praia, para ir dançar no Incógnito (as saudades que eu tinha disto), para fazer isto tudo ao mesmo tempo que estava com amigos bons e conversávamos e ríamos e chorávamos juntos. Porque o mais importante são sempre as pessoas que estão connosco neste caminho e os abraços todos que damos.

Foram 10 dias bons, depois de muitos dias difíceis, ou melhor, no meio de muitos dias difíceis. Não tem sido fácil, por vários motivos, muito diversos, muito meus. Mas, como diz, a canção

"Tem vez que as coisas pesam mais
Do que a gente acha que pode aguentar
Nessa hora fique firme
Pois tudo isso logo vai passar

Você vai rir, sem perceber
Felicidade é só questão de ser
Quando chover, deixar molhar
Pra receber o sol quando voltar"

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publicado às 19:18


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