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Começou com sol, acabou já de noite e pelo meio choveu bastante. Não houve bolo de aniversário, mas foi bonito, pois foi. Desde os 40 que não fazia uma festa. Esta foi diferente, não foi bem uma festa, foi mais um encontro. Um encontro de pessoas que se gostam. E não podia ser melhor. Estiveram o meu pai, a minha irmã e cunhado, os meus rapazes e muitos amigos do peito. Faltaram algumas pessoas importantes, porque estavam longe ou ocupadas. Mas, ainda assim, reunimos uma bela grupeta. Andei tipo noiva a tentar falar com toda a gente, privilegiando aqueles que vejo menos vezes. Amigos de há mais de 30 anos, amigos de há menos de 3. Gosto tanto destas pessoas todas. As amigas da faculdade, os amigos dos tempos do DN, os amigos que já me deu a CNN, os amigos que vieram com o casamento, os que vieram com a vida, os amigos dos amigos que se tornaram meus amigos. Comemos, bebemos, conversámos. Dei muitos abraços. Ao ver agora as fotos reparo que estou sempre a rir, a felicidade estampada no rosto.
Estão encerradas as festividades. Sou uma cinquentona feliz. E, agora, seguimos. Enquanto houver estrada para andar.
Para não me stressar, meti férias na semana dos 50. Dediquei estes dias a fazer coisas que me dão algum prazer. Por exemplo, no sábado, passei um dia inteiro à mesa, com amigos e amigos de amigos, a conversar, entre comidas e copos de vinho, sem dar conta do frio e da chuva lá fora. No domingo, do nada, o telefonema de outra amiga com convites inesperados para o concerto do Nick Cave, tirou-me do sofá para uma noite maravilhosa. Desta vez, senti-o menos melancólico, menos triste, pelo contrário, saímos de lá em paz, felizes por termos podido estar ali, por termos partilhado aquelas quase três horas de música, por vermos o prazer que todos tinham em cima do palco, o prazer de todos os que encheram a arena. O resto da semana está a correr tranquilamente. A organizar os álbuns de fotografias, a ir a aulas de pilates, a ler a Virginie Despentes, a cozinhar sem pressa, a jantar com os rapazes, a ver filmes de pijama, a aproveitar o silêncio, a trabalhar nas minhas coisas, nas coisas que gosto, para me lembrar que trabalhar também pode ser bom. Não vi notícias. Tatuei a liberdade. Comprei bilhetes para concertos em 2025. Inscrevi-me num voluntariado. Podia viver assim e ser feliz, só a deixar-me levar.
Foi um verão atípico, mas, ainda assim, foi bem bom. Houve praia no Algarve de sempre. Os miminhos deles. Os amigos. Voltámos ao Bons Sons, e foi outra vez um conforto para a alma. Voltámos à Zambujeira. Os amigos, já disse? Houve almoços e jantares e conversas prolongadas, gargalhadas e confissões. A habitual reunião de família no Alentejo (é cada vez mais difícil juntar os putos todos). A primeira coisa que fiz quando a médica me deu alta foi ir ao cinema ver o Verdade ou Consequência e ouvir o Luís Miguel Cintra, que vale sempre a pena. Já em setembro deu para ir ver o Rodrigo Amarante ao B.Leza. Para ir ao teatro ver o belíssimo Blackface do Marco Mendonça (levei o Pedro, foi alegria a dobrar), ouvir umas histórias do "retorno" (A Outra Casa na Praia, pelo Teatro Meia Volta) e as histórias que poucas vezes são contadas do Brasil (Depois do Silêncio, de Christiane Jatahy). Para espreitar a nova pala do CAM.
No último fim-de-semana, para fechar o verão, rumámos ao outro canto do Algarve: eu, a Filipa, a Patrícia, a Lina, a Ana Bela, a Maia. Elas que me perdoem, que eu sei que nem todas gostam de estar assim expostas na internet, mas é que quero mesmo dizer o seu nome e dizer que gosto muito destas miúdas e gosto de como funcionamos todas juntas, tão diferentes e ao mesmo tempo tão parecidas, ainda que às vezes as conversas se sobreponham e pareça que 48 horas não chegam para tudo o que queremos partilhar, e que, quando a noite avança, eu adormeça e perca as partes mais divertidas.
Gosto muito do verão, destes três meses em que fazemos de conta que não temos problemas e em que optamos por só ter coisas boas, dias compridos, calor na pele, pés descalços, os amigos, já disse, não já?, os filhos felizes, horários flexíveis, tardes a ler, passadeiras que nos levam à praia, as farófias da Noélia, a cor do céu antes de o sol se pôr, a liberdade. Preciso muito disto tudo para recarregar as baterias e poder, agora, enfrentar este outubro cinzento.
Venha de lá, então, a vidinha. A gente aguenta.
Quando releio o que por aqui publico lembro-me sempre da minha mãe: "não páras no armeiro"*, costumava dizer. De onde ela me via, a minha vida parecia uma enorme agitação, como se eu nunca parasse em casa e tivesse sempre mil programas. A verdade não é assim tão interessante. Sou mãe sozinha há [precisamente] doze anos, praticamente sem descanso. O meu dia-a-dia é feito de muitas rotinas, de muita louça suja, máquinas de roupa, almoços e jantares, marmitas e compras, ralhetes e preocupações, muitas noites solitárias. Por isso, não se deixem enganar pelas redes sociais, a vida real é outra coisa. Mas, sim, tenho a imensa sorte de ter um trabalho que, nos dias bons, me proporciona muitas alegrias. E, sim, à medida que o tempo passa e que os rapazes crescem, os fins-de-semana deixaram de ser ocupados com festas de aniversário, tabuadas e jogos de futebol, e passaram a ser cada vez mais meus, o que me permite fazer muitas coisas fixes, sobretudo, ir ao teatro e ao cinema, estar com amigos, passear. O que é bom, claro, mas também é um sintoma. Dentro em breve (em breve significa ainda uns anos) não será só ao fim-de-semana. O ninho irá ficar vazio, mesmo que eles fiquem por aqui, se é que me entendem. Se tudo correr bem, não faltará muito para que não haja mais marmitas nem ralhetes (as preocupações, estou em crer, não hão de passar nunca), com tudo o que isso tem de bom e de mau, o que não é novidade nenhuma, não faltam por aí estudos sobre o "síndroma", diz que não é fácil para nenhuns pais e mais difícil se torna quando não há um casal. Olhamos para o lado e, de repente, não está lá ninguém. Não é a primeira vez que falo deste assunto. A solidão é uma realidade. Está presente todos os dias. E sei que tem tendência para se adensar, se não a combater. Por isso, estou a preparar-me. Lentamente. O desafio é encontrar este equilíbrio entre o desfrutar o meu tempo sozinha mas não me deixar deprimir, entre o este fim-de-semana apetece-se ficar no sofá a ler e a ver filmes mas no próximo já tenho a agenda cheia. Tenho outra sorte, que é a de ter amigos muito especiais que vão cuidando de mim, às vezes sem o saberem, "mensajando-me", convidando-me, aturando-me, desafiando-me, não desistindo de mim mesmo quando eu lhes dou negas (e dou muitas). [Fui ver agora e este foi o primeiro post que publiquei depois da separação]. Acredito profundamente que somos mais felizes quando somos-com-outros, quando nos damos, quando recebemos, quando partilhamos - nem que seja partilhar o silêncio (é tão bom quando encontramos alguém com quem conseguimos partilhar o silêncio).
Este ano faço 50 anos. Há [exactamente] doze anos que me separei. Há pouco mais de três anos mudei de emprego. Ainda no outro dia fiz novos amigos. Continuo a fazer coisas pela primeira vez (e há tantas ainda por fazer). É incrível perceber a quantidade de vidas que já vivi neste meio século, como as coisas mudam e nós mudamos com elas, como nunca poderemos prever com exactidão o que vem a seguir. É assustador mas, ao mesmo tempo, essa a beleza da vida, não é?
* não faço ideia de onde vem esta expressão, se alguém puder explicar ficarei bastante agradecida
Podia falar-vos das minhas mil angústias, do trabalho que me faz infeliz quase todos os dias, dos horários terríveis, do ordenado miserável, da prestação da casa a subir, da frustração, podia dizer-vos das noites que passo sem dormir preocupada com os meus filhos, com o futuro que não consigo prever nem controlar, da culpa permanente, sempre a culpa, das saudades, do cansaço, do quão farta estou de decidir o que vai ser o jantar, de preparar marmitas, de estender a roupa, de mandá-los arrumar os quartos e desligar os telemóveis, das listas de compras, da máquina da louça avariada, das luzes que se fundem, do bolor no tecto da casa-de-banho, das obras que queria fazer, que é preciso fazer, mas é tudo tão difícil, tantos problemas, tantas preocupações e ainda mais as guerras, as alterações climáticas, a pobreza, a maldade das pessoas, podia contar-vos dos dias, semanas, meses em que o meu corpo sangra incontrolavelmente por causa da porcaria da perimenopausa, do meu médico a dizer "é só sangue", com um sorriso de desdém, como se por ser mulher tivesse que aguentar todos os incómodos sem me queixar, dos quilos que ganhei, das rugas, das peles flácidas, da exaustão, da apatia que me invade em dias em que me afundo no sofá e não me apetece nada, falar-vos da solidão que se esconde atrás das gargalhadas.
É tudo verdade. E, no entanto, 2023 não foi só isto.
"Contra todas as evidências em contrário, a alegria".
A alegria dos putos nos dias bons. Só isso já basta.
Aprendi a fazer pão. Fiz pão. Voltarei a fazer pão, isso é certo.
Páscoa na praia de sempre. Os putos com pranchas de surf. E o meu pai comeu pizza pela primeira vez na vida.
Quando a Paula me diz: vou passar aí. E vamos as duas. Seja onde for.
Nós os três a jogarmos snooker numa noite de verão.
Um grupo de whatsapp com amigas pode ser um refúgio, um colo, um escape, um conforto. Sabermos que não estamos sozinhas.
Os poemas que nunca teria descoberto sozinha e as pessoas que dizem esses poemas naqueles encontros que juntam comida e bebida e tantas partilhas.
Os amigos. Os amigos de sempre, os amigos recentes, os amigos que vêm e que vão. Os que estão sempre aqui. Os que raramente vejo. Os que me levam para copos, jantares, programas, e me obrigam a sair de mim. Aqueles com quem converso e me fazem mergulhar no mais fundo de mim. Os que telefonam e os que mandam muitas mensagens. Os que quase não dizem nada. São todos importantes, à sua maneira.
As vezes em que consegui vencer a preguiça. Ir a uma aula de yoga ou de pilates. Caminhar. Pedalar. Passear. Ir. Não me deixar ficar. Partir a telha.
Os livros (Annie Ernaux, Fernanda Melchor, Anabela Mota Ribeiro, Alia Trabuco Zerán, Catarina Gomes, Susana Moreira Marques, Ruy Castro, Douglas Stuart, Abed Salama, outros que agora não me lembro porque não conto os livros que leio); os filmes (tantos, não consigo enumerá-los); os espectáculos (menos do que gostaria, mas ainda assim); os concertos (Chico e Caetano no mesmo ano é como ganhar o totoloto, não é? Mas também Blur, Arcade Fire, Dino D'Santiago, Ana Lua Caiano). As artes todas. Janelas abertas para o mundo. Oxigénio para mim.
A Garota Não. À parte porque é especial. Vi-a três vezes e foi sempre maravilhosa. "A vida fica difícil, o tempo passa tipo míssil, derramado em suor."
Os dias em que o trabalho vale a pena. Poucos mas bons.
Os putos a pintarem as paredes do quarto, com a música em altos gritos.
A viagem a Nápoles. E a Alda.
Os miúdos fizeram-me um "bolo da caneca" e foram acordar-me à meia-noite para me cantarem os parabéns.
Um ano sem aplicações de encontros. Muita tranquilidade.
O António a chegar a casa às quatro da manhã, vai ao meu quarto - "Mãe, já cheguei" - deita-se ao meu lado e conta-me como foi a noite.
O meu pai, de braço dado comigo, a reaprender a andar com a sua anca nova.
Tricotei um cachecol enorme e lindo.
Eu e o Pedro a andarmos de bicicleta junto ao Tejo.
Pôr música a tocar e passar horas a cozinhar. Não por obrigação, mas por prazer.
O Natal. Apesar de tudo. E o privilégio de participar numa festa diferente.
A casa da minha irmã, sinónimo de família, de Alentejo, o sítio onde voltamos sempre.
A surpresa de encontrar alguém com quem me apetece estar. Aceitar a impossibilidade. Sentir que me poderia apaixonar. Ficar feliz só com a possibilidade.
Ter uma agenda para 2024. Fazer planos.
O verso de Manuel Gusmão que está no título desde post é bem conhecido, mas foi só quando o re-ouvi no espectáculo Bravo 2023!, dos Praga, que percebi que era a frase ideal para descrever este ano (ou esta vida). Contra todas as evidências em contrário, a alegria surge nos momentos mais inesperados. A tal da felicidade nas coisas pequenas, que é o combustível que nos faz continuar todos os dias e não nos deixa desesperar. Que nos salva.
(nesta foto, a minha maior alegria, o meu maior medo, o meu tudo, para o bem e para o mal)
"Amigos com quem temos vontade de apanhar aviões", diz a Alda. São amigos preciosos esses. Acho que ganhei mais uma amiga dessas, com quem gosto de calcorrear caminhos e descobrir lugares. Fomos juntas a Nápoles. Foi a minha primeira vez em Itália. E foi tão bom. Em primeiro lugar por causa dela, claro. Com outra pessoa seria outra viagem. Fomos com os sentidos todos bem despertos, queríamos ver com olhos de ver, ouvir o italiano e o napolitano, andar pelas ruas a pé, sentir os cheiros todos, até mesmo o cheiro do peixe frito, provar as comidas verdadeiras. E foi tão bom (já disse, eu sei, mas nunca é demais repetir). Foram apenas quatro dias e deixámos muita coisa por ver, como é óbvio. Haveremos de voltar.
Para memória futura:
Ficámos instaladas mesmo no centro, numa ruazinha ao lado da Piazza Dante. Fantástica localização. Meia dúzia de passos e estávamos na Via Toledo, uma avenida comercial. Muito barulho. Muito trânsito. Todos os dias, a toda a hora. Montes de lambretas. Bastante poluição. Atravessar a rua era sempre um acto de bravura, uma vez que os condutores não páram nas passadeiras. É preciso avançar com determinação. Também vimos muitos condutores sem cinto de segurança e muita gente nas lambretas sem capacete - famílias inteiras, incluindo crianças, encavalitadas numa maquineta minúscula a acelerar por aquelas ruas estreitas, apitando para afastar os peões, desviando-se dos obstáculos. Andámos muito a pé, experimentámos o metro e o comboio que foram uma boa surpresa, o funicular e os autocarros. Não fomos ao bairro da Amiga Genial, da Elena Ferrante, mas "encontrámos" muitas personagens dos livros nas ruas.
O azul forte é a cor predominante em Nápoles, a cor do clube de futebol. Por todo o lado, até nos bairros menos populares, encontramos bandeiras e faixas a exaltar o "Napoli campione" e o Maradona, claro, a cara do Maradona para onde quer que nos viremos, nas paredes e nos cartazes, nas montras e nas camisolas. Não tenho muitas memórias do Maradona mas ajudou ter visto A Mão de Deus, do Sorrentino.
Diz quem já lá esteve antes que a cidade está cada vez mais turística. Há de facto muitos grupos de turistas, filas gigantes para comer nas pizzarias mais famosas, mil lojinhas de recordações. Domingo de manhã no centro histórico era quase impossível avançar por entre a multidão - fugimos dali o mais rapidamente possível. A gentrificação está a fazer o seu caminho, é visível. O segredo é procurar outros caminhos. E pedir dicas a pessoas de lá.
Como qualquer outra cidade, Nápoles é uma cidade feita de muitas cidades. Os Quartieri Spagnoli são o bairro mais tradicional, com ruínhas estreitas que sobem e descem, prédios quase em ruínas, mercados de rua, peixe em alguidares, legumes de cores garridas. É também aqui que fica o Mural do Maradona, pintado em 1990 pelo adepto Mario Filardi.
Atravessando para o outro lado da Via Toledo, temos o Centro Histórico. Continuam a ser ruas muito estreitas mas o ambiente é diferente. Todas as paredes e portas estão grafitadas, o que lhes dá um certo ar decadente. Há uma sujidade que faz parte do encanto destes bairros mais antigos. Vale a pena espreitar pelos portões dos pátios, alguns estão muito bem recuperados. A Piazza Bellini é um recanto simpático, a que se segue aquela que me pareceu ser uma zona mais hipster.
Subimos no funicular até lá a cima, ao Vomero, e é como se estivéssos noutra cidade. Quem leu A Vida Mentirosa dos Adultos, da Ferrante, vai reconhecer. É uma zona mais rica, com prédios bons, árvores, silêncio. Outro tipo de lojas, outro tipo de pessoas. E uma vista fantástica sobre toda a região. Seja do Castel Sant'Elmo ou da Villa Floridiana, um pequeno paraíso verde numa cidade que é quase só cimento. Vemos o Vesúvio lá ao fundo - haveremos de lá ir numa próxima vez, assim como às ilhas de Capri, Ischia e Procida.
À medida que descemos as escadinhas (há muitas escadinhas, intermináveis, também podem optar por subir mas é preciso ter fôlego) voltamos ao mundo das ruelas com pouca luz e muita roupa estendida. Passeámos junto ao mar, numa zona com urbanização mais recente - Posillipo e Chiaia - e visitámos o Castel Nuovo.
Além dos dois castelos, só entrámos brevemente no Duomo, a catedral, que é bastante bonita, mas não tínhamos tempo para explorar - também não fomos ao Museu Arqueológico nem aos subterrâneos. Guardámos todo o nosso empenho histórico para a visita a Pompeia. Monumental. Por mais que tenha lido sobre Pompeia, não estava preparada para aquela dimensão. Ficámos lá umas quatro horas e temos a noção de que não vimos tudo, mas tentámos ver as casas principais, os murais mais interessantes e bem conservados. Dá mesmo para imaginar a vida naquela cidade. E compensa bem as dores nos pés ao final do dia causadas pelo pavimento irregular.
Comer e beber: Tudo óptimo. Não houve um dia que tivéssemos comido mal. Panini (sandes) maravilhosas, pasta (massa), peixe de todas as maneiras e feitios, pizza frita - de que não fiquei particularmente fã, a verdadeira pizza Margherita, gelados. Aperol Spritz (bebe-se mas não é a minha cena) e Limoncello (melhor, mas não dá para beber tanto).
Dicas que nos foram úteis e por isso partilho:
O Spiedo D'oro é um restaurante com comida de todos-os-dias, muita gente a ir buscar para levar para casa. Além da comida, tem a simpatia do Vicenzo, que, assim que descobriu que éramos portuguesas, foi ainda mais simpático.
Para uma experiência mais turística mas ainda assim compensadora, há a Pescheria Azzurra. É daqueles sítios onde se tem de ir com tempo para desfrutar verdadeiramente. Bom para quem, como eu, gosta de ficar a observar as pessoas e as suas dinâmicas. E a comida é bastante boa.
Entre as várias livrarias-bar, gostámos da Libreria Berisio.
Para a pizza fomos à Dal Presidente que, além de ter um verdadeiro mural do Banksy (cuja fotografia, sabe-se lá como, desapareceu do meu telefone), tem muito menos confusão.
A Vineria Indovino (para vinho e panini) e o Zazzu - Gusto Sano Napoletano (para vinho e pratos tradicionais) ficam um ao lado do outro, numa rua pouco movimentada, com esplanada e óptimo ambiente.
O melhor de viajar é sair da nossa conforto e deixarmo-nos ir. Entrar por ruas que não conhecemos. Levantar os olhos do chão e ver uma nesga de mar lá ao fundo. Surpreendermo-nos com os cartazes colados na parede que anunciam funerais e missas de sétimo dia como quem anuncia o circo. Tentar perceber o que dizem as pessoas na ruas e dizer um "grazzie" sem parecer que estamos a tossir. Conversar com desconhecidos que também estão a ver a final do rugby e descobrir que são jornalistas (aconteceu mesmo). Vestir uma camisola do Nápoles e ir ver o jogo de futebol num café. Ficar só a ver a paisagem, sem olhar para o relógio. Ter conversas profundas ao jantar, enquanto bebemos uma garrafa de vinho, e percebermos que queremos voltar - voltar a Nápoles, voltar a Itália, voltar a viajar, voltar a apanhar um avião ou um comboio ou uma boleia ou o que seja. Assim haja orçamento para cumprir os sonhos.
Andei aí uns tempos com a telha. Estou a falar no passado sem grandes certezas, mas porque sou uma pessoa optimista. Andei com a telha que é como quem diz andei aí uns tempos a achar-me a pessoa mais infeliz e injustiçada do mundo, a ver tudo negro à minha frente, como se os problemas não tivessem resolução e as dificuldades fossem inultrapassáveis. Nestas fases, quando me sinto assim, fecho-me sempre um bocadinho, o que não é propriamente uma boa estratégia. Sem me apetecer fazer nada nem falar com ninguém nem sequer pensar muito no assunto, o sentimento de solidão adensa-se. A verdade é que não podemos contar sempre com os outros. Os amigos têm as suas vidas. Têm almoços de família ao domingo. Têm companheiros com quem passam os serões. Têm filhos pequenos com quem fazem os programas que eu também fazia quando tinha filhos pequenos. Os meus amigos, na sua maioria, não conhecem esta solidão, e eu não quero estar a chateá-los com as minhas tretas. E quem vê no instagram não imagina, não é? Como poderiam saber que por trás daquelas fotografias bonitas também bate um coração? De maneiras que a telha. E porquê? Não há um motivo concreto. Há uma série de coisas que existem na minha vida e que chega ali um momento em que parece que me pesam mais, sem razão para tal. Os putos não se estão a portar pior do que antes. O trabalho não está mais insuportável. A vida não está mais difícil. Simplesmente acontece que eu estou com menos tolerância e tudo me parece pior e talvez as hormonas não ajudem. Isto não é uma depressão. São fases. Conheço-as bem. O problema é quando as fases se prolongam. Esta foi longa.
Neste entretanto, mesmo com a telha, aconteceram coisas bonitas, há que dizê-lo.
Fui a um workshop de crochet na Retrosaria e descobri que o crochet não é para mim.
Fui ver e ouvir a Ana Lua Caiano (vale a pena descobrir).
Li o livro da Anabela. E houve momentos em que ela era eu.
Ouvi muitas músicas da Rita Lee e da Tina Turner. Não chorei, mas fizeram-me pensar nisto tudo.
Fui ao concerto do Chico Buarque. E, mesmo a ouvir mal, chorei, ao lado da Ângela.
Passei uma tarde com a Sandy e outras pessoas fixes a pensar em podcasts.
Fui ver e ouvir o Luís Miguel Cintra, tão magrinho, tão frágil, na Feira do Livro. E voltei a chorar. (um dia vou escrever sobre isto.)
Estou a ler os livros da Annie Ernaux e a surpreender-me com a consciência que ela tem de si mesma. Com a forma despudurada como se expõe (ter vergonha do quê? sou como sou). Que lição.
Obriguei-me a estar com pessoas. E acabei por ser feliz nesses momentos. Porque estar com as nossas pessoas é bom (mesmo que eu não goste nada do festival da canção e não seja a maior fã dos santos populares). Juntar-me a um clube de poesia de gente bonita que me obriga, todos os meses, a sair da minha zona de conforto, foi uma das melhores decisões que tomei há quase um ano.
É assim que, lentamente, estou a partir a telha.
Isto é uma coisa que resulta para mim. Comprometo-me com coisas que tenho de fazer e comprometo-me com outras pessoas. Obrigo-me a planear eventos para o futuro. Por exemplo, pelo sim, pelo não, já comprei vários bilhetes para ir ver espectáculos nos próximos tempos. E garanto, assim, que num dia destes, mesmo que me apeteça muito ficar em casa, vou ter que me forçar a sair. Tal como me forcei a fazer muitas das coisas atrás descritas.
Não há receitas. Cada pessoa é uma pessoa. E não temos que estar sempre felizes e esfuziantes. Mas convém estarmos atentos. Até porque, como canta o Tom Jobim (mas o poema é de Vinicius), "tristeza não tem fim, felicidade sim".
Isto já começou há uns tempos, uma pessoa aqui e outra ali, mas acho que só agora estou a tomar verdadeira consciência do facto: estamos a chegar aos 50. Ainda no outro dia estávamos a fazer as festas dos 40, todas giras e frescas, a beber gin tónico e a dançar pela noite fora, a sentirmo-nos as maiores a meio da vida e a dizer que os 40 são os novos 30 e que bom que era, mesmo com uma ruga ou outra, termos esta dose de experiência e maturidade, lembram-se? Não sei muito bem o que aconteceu pelo meio - ou melhor, até sei, passaram dez anos e aconteceu uma pandemia e os filhos deixaram de ser crianças e começámos a perder as nossas pessoas e as hormonas desataram a fazer das suas e algumas de nós ainda sofreram mais uns quantos atropelos - mas sei que de repente estamos nos 50 e, não sei quanto a vocês, mas a meu ver isto parece-se exactamente como os 50 que são. Sem filtros nem melhoramentos.
Isso não é propriamente mau, atenção. É o que é. Não podes fugir, não te podes esconder, portanto, mais vale aproveitar muito bem enquanto aqui estamos, porque, como diz o Ivo Canelas, "isto passa a correr".
Duas coisas boas que a idade nos dá: uma consciência muito clara daquilo que nos interessa e a coragem de assumir isso mesmo, dizendo que "me estou a cagar" para o que não interessa (sejam os cabelos brancos, as opiniões dos outros, a marca dos sapatos ou as pessoas tóxicas à nossa volta).
É procurar as coisas boas, que as há sempre, até mesmo quando parece que não (isto sou eu a dizer a mim mesma, que me esqueço tantas vezes deste conselho básico) e dar muitos abraços a todas as pessoas que importam, porque as pessoas de quem gostamos e que gostam de nós são a única coisa que vale realmente a pena nesta viagem.
Este ano, três das minhas melhores amigas fazem 50 anos.
Foi a pensar nelas - e em todas nós, que já estamos ou que vamos a caminho dos 50 - que fiz esta playlist, com a mesma dedicação com que, na adolescência, enchíamos cassetes com as músicas que queríamos ouvir nas férias. São 50 canções cantadas por mulheres e, muitas delas, são também canções sobre mulheres. Havia outras mas a vida é feita de escolhas, não é? Estas são, sobretudo, canções de que gosto muito e, por isso, quero partilhá-las, assim em forma de prenda.
Esta foto foi tirada há quase dez anos. Os sorrisos escondem uma história. Neste dia, tinha assinado o meu divórcio. Estava de rastos. Enchi o porta-malas do carro, peguei nos miúdos, que nessa altura eram mesmo miúdos, e rumei ao sul para aquelas que seriam as minhas primeiras férias só com eles. Aterrei nessa tarde no colo da Sónia, que me acolheu, como sempre, com os braços abertos. E copos de vinho. E tranquilidade.
Temos outras histórias juntas, mais divertidas, mais animadas, com maior ou menor grau de loucura. Mas no fim das contas é isto. Às vezes só precisamos de alguém que nos ouça e nos limpe as lágrimas. E que nos diga que vamos conseguir. Nunca poderei agradecer completamente a todas as pessoas (e são algumas) que nos últimos anos têm feito isto por mim.
Parabéns, minha querida, e obrigado por estares sempre aqui.
Um dia, estava a conversar com a minha amiga Paula e o que é que vais fazer nas férias, sei lá, os putos não querem fazer nada, acham tudo uma seca, pois é, podíamos fazer alguma coisa juntos, isso era giro, eu gostava de os levar aos Açores, olha, eu também, o que dizes?, é uma boa ideia, pois é, vamos tratar já disso. Confirmámos as disponibilidades com os adolescentes, perdemos horas em sites a ver preços de voos e marcámos. São Miguel, aí vamos nós.
O único receio era juntar este quatro putos - o mais novo com 14 anos, um de 17, outro de 18 e a mais velha com 20. Os miúdos conhecem-se. Brincaram juntos quando eram pequenos. Tínhamos passado uma semana de férias em 2015 e tinha sido óptimo. E voltámos a encontrar-nos na praia durante uns dias em 2018. Mas, depois disso, vieram as adolescências. E a pandemia. Cada um cresceu à sua maneira. Tornaram-se pessoas muito diferentes. Ainda assim, pareceu-nos possível. E toda a gente estava animada com a ideia.
No primeiro dia, depois de uma noite mal dormida e de uma madrugadora viagem de avião, olhei para os quatro putos a dormitar estendidos na areia preta, cada um para seu lado, quase sem trocarem uma palavra entre si, e temi o pior. Ai, tu queres ver que isto vai correr mal? Mas, logo nessa noite, os três mais velhos saíram para beber um copo em Ponta Delgada e no regresso, quando o táxi os deixou à porta de casa à duas da manhã, já eram grandes companheiros. A partir daí correu tudo bem. Mesmo com todas as diferenças de gostos e de personalidades. Foi lindo de se ver, sobretudo os dois rapazes do meio que, há que admitir, vivem em mundos completamente distintos, mas conseguiram facilmente encontrar uma plataforma de entendimento e de cumplicidades que fez com que, pelo menos durante aqueles dez dias, fossem os melhores amigos.
Com este problema resolvido, as férias só podiam ser óptimas. Alugámos uma carrinha de sete lugares e fizemo-nos à estrada, por paisagens verdejantes, espreitando em miradouros, com os putos a protestarem por causa da música que as cotas escolhiam e nós a odiarmos a música que eles escolhiam. A ilha de São Miguel é linda, já se sabe, e entre águas quentes e águas frias, águas doces e águas salgadas, acho que mergulhámos em todos os cantos em que se podia mergulhar. Bom, eu não, bem entendido, que não sou muito de mergulhos, mas o resto do grupo. Da Caldeira Velha à Ponta da Ferraria, com passagens repetidas pela Poça da Dona Beija e pelas praias - Milícias, Pópulo, Mosteiros, Santa Bárbara (e os rapazes divertidos, nas ondas, a fingirem que sabiam surfar). Os dois rapazes foram acampar uma noite com amigos da ilha e foram a um "festival de música" numa aldeia próxima. As mães vestiram roupa colorida e foram destoar para a "noite branca" de Ponta Delgada. Fizemos umas férias low-cost, sem hotel nem restaurantes. E foi do melhor. Dormimos ao molho na casa da família Paula, comemos bolos lêvedos todos os dias, provámos os gelados do Tomé, eles beberam Kima, eu deliciei-me com os chicharros fritos e ainda tivemos a sorte de fazer um almoço nas Furnas, com uma bela de uma feijoada caseira.
Foram dias muito bons. Familiares. Entre amigos que são casa. Sem merdas. Foram dias muito felizes, daquela felicidade que nos enche a alma e nos faz pensar que, mesmo com todas as dificuldades e todas as tristezas, esta vida vale a pena. Porque, com sorte, uma vez por ano, temos direito ao nosso bocadinho no paraíso.