Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]


01FEV_Exposicao_Lisboa_Fragil.jpg

Na Lisboa dos anos 80, fotografada por Luís Pavão e agora mostrada na exposição "Lisboa Frágil", no Museu da Cidade, há tabernas com balcões peganhentos; rebanhos de ovelhas a passearem por Alvalade; matinés dançantes onde as senhoras se sentavam em fileira, nas cadeiras encostadas à parede, controlando os passos atrevidos dos jovens; colectividades onde se jogava à laranjinha, às cartas, às damas. Parece que foi noutro tempo. E foi mesmo. Os anos 80 foram no século passado, foram há 40 anos, como é possível, é tão estranho pensar que os anos 80, os anos da minha infância, de que me lembro tão bem, estão, afinal, tão distantes de nós, a vida era tão diferente do que é hoje, sem telemóveis, sem internet, sem selfies, sem reels, sem polémicas da treta no twitter nem dancinhas no tik-tok. A vida era toda real, carne, sangue e suor. Para o bem e para o mal. Esta exposição é uma viagem a um mundo que já só existe nas nossas memórias. E, caramba, se me senti velha a percorrer estas fantásticas fotografias. Ainda assim, ou talvez por isso, vale muito a pena.

publicado às 12:56

Antes desta semana de caos que agora terminou e do mês de caos que aí vem, o mês de janeiro foi bom para mim. Foi mesmo. Inesperadamente bom por vários motivos, entre os quais estes: consegui ir passar um bocadinho de uma tarde com os meus queridos amigos da Companhia Maior, fui conversar com o Eduardo Gageiro e ver as suas maravilhosas fotografias e ainda ouvi o fantástico Jorge Calado a falar sobre as fantásticas fotos de Maria Lamas - sim, assim mesmo, com adjectivos em excesso para que se perceba que estou a falar de eventos mesmo importantes e - e isso é o mais relevante para o caso - que me deixaram verdadeiramente feliz. 

Os acontecimentos dos últimos dias têm me feito reflectir muito sobre o estado do nosso país e sobre a cada vez maior visibilidade e representatividade da extrema-direita. Para quem, como eu, se revê incondicionalmente nos ideais da democracia, da liberdade, da igualdade e do respeito por todas as pessoas, tudo isto é bastante angustiante e confesso que ainda não encontrei as palavras certas para falar deste tema. É importante ver as fotografias de Eduardo Gageiro e Maria Lamas, falar sobre elas, tentar entendê-las. É preciso não esquecer o que foi a ditadura. O que foi verdadeiramente, sem romantizar. A história ensina-nos muito e manter a memória desperta é mesmo um dos maiores antítodos contra as ameaças que enfrentamos. É preciso não esquecer os que resistiram e lutaram contra a ditadura. Que o seu exemplo nos inspire. E nos dê alento.

Se puderem, não percam estas exposições. Para ver com olhos de ver.

original-ezgif.com-webp-to-jpg-converter.jpg 

Mulheres do nosso país fotografadas por Maria Lamas (1948)

240201_EG_005_lisboa5outubro_1960-1461x1080.jpg

 Polícias batem em manifestantes durante o Estado Novo. Fotografia de Eduardo Gageiro

publicado às 11:24

24
Set23

Esclarecimento

Não, não são críticas.

A crítica é um trabalho, sério e exigente. Tenho um respeito enorme pelos críticos - de cinema, de literatura, de arte, de performance, de tudo. Tenho os meus críticos preferidos e também tenho aqueles com quem sei que raramente concordo. Com todos eles aprendo alguma coisa. Sobre as obras, sobre a vida, sobre a escrita. Aprendo a ser melhor espectadora (ou leitora ou o que seja), porque não só com mais informação mas também com mais dúvidas, mais perguntas, mais pontos de vista a acrescentar aos meus. 

Não, não são críticas. O que escrevo aqui são impressões. Lembretes para um dia quando quiser falar de um filme, que a minha cabeça é uma desgraça e eu preciso destes auxiliares de memória para me lembrar do que vi e do que li e do que ouvi e até do que vivi e do que senti. É para isto, essencialmente, que serve este blog. Para coleccionar as minhas memórias. (desculpem, isto dito assim é um bocadinho egoísta, mas é a verdade. se vocês soubessem a quantidade de vezes que venho aqui confirmar datas e acontecimentos e procurar informações para completar conversas sobre tudo e mais alguma coisa.) E depois, também, claro, porque é um blog público, para partilhar estas minhas impressões com quem as quiser aproveitar. Sem qualquer pretensão. Só assim como quem conversa com os amigos sobre os filmes que viu. 

Mas não são críticas. Nada de confusões.

1024_682.jpeg 

O crítico gastronómico Anton Ego, do filme Ratatouille

publicado às 22:08

_128093063_goldin.jpg

Lembro-me de ver uma exposição em Serralves, no Porto, há muito tempo, 2002 talvez. E as fotografias e os vídeos dela apareciam de vez em quando noutras exposições. Lembro-me de corpos nus, do desconforto, da crueza. Mas sabia muito pouco sobre Nan Goldin, a artista. Andava a tentar verToda a beleza e carnificina, o documentário de Laura Poitras sobre Nan Goldin, desde que esteve nomeado para os Óscares mas ainda não tinha sido possível. Vi-o hoje e achei-o extraordinário. Está muito bem feito, sim, mas é extraordinário sobretudo por ela, pela sua vida, pelas suas lutas, pela maneira tranquila como fala, pela verdade que se sente naquilo tudo, pelas dores acumuladas, pelo seu olhar desassombrado sobre o mundo e as pessoas que a rodeiam, pela forma como chegou aos 69 anos, por não baixar os braços nem a câmara. Não fazia ideia que tinha sido uma das principais activistas contra a família Slacker e a farmacêutica Purdue (há coisas que me passam ao lado não percebo muito bem como, que vergonha, caramba) e vê-la aos gritos no Guggenheim ou no Metropolitan fez-me gostar ainda mais dela.

 

O documentário está no Filmin e se subscreverem até dia 3 de setembro apanham uma promoção bem catita (ninguém me paga para dizer isto, mas eu sou uma pessoa simpática, que gosta de espalhar as boas notícias).

publicado às 17:26

A propósito do Dia da Mulher, que amanhã se assinala: dois filmes que têm temas diferentes mas que, no fundo, falam da mesma coisa:

Ela Disse, de Maria Schrader, acompanha as duas jornalistas do The New York Times, Jodi Kantor e Meghan Thowey, que, em 2017, investigaram os abusos do produtor de cinema Harvey Weinstein. Durante anos, Weinstein, director da Miramax, usou a sua posição na indústria de cinema para abusar de jovens mulheres - algumas trabalhavam para ele, eram assistentes, secretárias, etc., outras eram actrizes no início de carreira. Lembro-me do quão enojada fiquei quando tudo isto se ficou a saber. Não foi uma nem duas vezes. Weinstein fazia isto por sistema, fê-lo muitas vezes (houve 107 mulheres que o acusaram, provavelmente haverá mais vítimas), e contava com a cumplicidade e a ajuda não só de outros trabalhadores (e trabalhadoras) como de grande parte do meio cinematográfico. É incrível percebermos como até há tão pouco tempo estes porcos abusadores podiam pavonear-se por aí impunemente, com a certeza de que ninguém teria coragem de os denunciar e que, se alguém o fizesse, bastava pedir aos seus caríssimos advogados para pagar o silêncio destas mulheres amendrontadas. Conseguir que essas mulheres falassem, conseguir derrubar o muro de silêncio em volta do assédio e dos abusos foi a grande conquista das duas jornalistas. E ver isso a acontecer neste filme é, para uma jornalista, quase como ver Os Homens do Presidente, o filme de 1976 sobre o caso Watergate - é lembramo-nos que existem jornalistas que de facto fazem a diferença e quão importante é o jornalismo quando é bem feito (depois há ali coisas que nós sabemos que não são bem assim, como, por exemplo, ninguém, e muito menos uma jornalista de investigação do NYT, faz telefonemas importantes para fontes ainda mais importantes enquanto se passeia numa rua de Manhattan ou enquanto entra no elevador do edifício da Oitava Avenida, mas, vá, a gente dá o desconto).

A Voz das Mulheres, de Sarah Polley, é um filme admirável por motivos totalmente distintos. O filme inspira-se nos acontecimentos na Colónia Manitoba, uma colónia de cristãos evangélicos na Bolívia, onde se descobriu que entre 2005 e 2009 um grupo de homens sedava as raparigas e as mulheres, com anestésicos para animais e, depois, durante a noite, as violava. As mulheres acordavam ensanguentadas e com dores mas na maioria das vezes não se lembravam com precisão do que tinha acontecido. Isso é da tua imaginação, disseram-lhes. Estás a inventar coisas. Ou então: isso é obra do demónio. Quando finalmente os homens foram apanhados no acto, a polícia foi chamada, concluindo-se que havia pelo menos cem vítimas, com idades entres os três (!) e os 65 anos. Oito homens foram acusados e condenados à prisão. O filme ficciona uma colónia semelhante, onde estes eventos ocorreram. Os violadores estão detidos a aguardar julgamento, os homens da colónia foram à cidade para tentar pagar as cauções, e as mulheres organizam-se para decidir o que podem fazer a seguir: perdoar e deixar tudo como antes; lutar (por quê? como?); partir, ou seja, abandonar a colónia. Têm apenas um par de dias para tomar essa decisão. O debate entre as mulheres, mais velhas e mais novas, solteiras e casadas, mais conservadoras ou mais progressistas, é um tratado sobre a condição feminina. E aquilo que ali se passa - algures, numa data indefinida, numa colónia religiosa, fundamentalista e fechada, que parece ter parado no tempo e viver ainda no século XIX - tem tudo a ver connosco. A influência da educação e da tradição naquilo que somos, os homens que não são todos iguais, as mulheres que também não o são, a violência doméstica, as questões transgénero, a masculinidade tóxica, a importância da religião, o poder - são tantas as questões que são ali abordadas. O que é a liberdade para quem nunca foi livre? Que escolhas temos? O que pode ambicionar quem não sabe ler, quem nunca foi à escola, quem nunca teve direito a ter opinião? Que voz é esta das mulheres quando finalmente se faz ouvir? Rooney Mara, Claire Foy, Jessie Buckley, Judith Ivey, Frances McDormand e todas as outras são maravilhosas. Este filme emocionou-me muito.

E, já agora, está patente até 23 de abril, no Museu de Serralves, no Porto, a exposição Metamorphosis, de Cindy Sherman. Esta também não se cala.

webimage-91154223-9FCA-41D1-8C066D4076FF83B8.jpg

publicado às 18:20

Como posso viver a vida ao máximo e não desperdiçar o meu potencial?, perguntou Ruben, de 13 anos, ao músico Nick Cave, através do (maravilhoso) site "The Red Hand Files". 

A resposta é fantástica. Serve para o Ruben e serve para todos nós. É exactamente isto.

"Dear Ruben, 

When I read this question, my initial thought was that the kid who wrote this has nothing to worry about, they’re going to be all right. Ruben, you are very smart, you are engaged with the world and I’m not sure what your creative interests are, but you can certainly already write. Not only that, you are also reaching out for answers. At thirteen, this is all brilliant! Luckily for you, Ruben, I have some! So here goes!

Read. Read as much as possible. Read the big stuff, the challenging stuff, the confronting stuff, and read the fun stuff too. Visit galleries and look at paintings, watch movies, listen to music, go to concerts –  be a little vampire running around the place sucking up all the art and ideas you can. Fill yourself with the beautiful stuff of the world. Have fun. Get amazed. Get astonished. Get awed on a regular basis, so that getting awed is habitual and becomes a state of being. Fully understand your enormous value in the scheme of things because the planet needs people like you, smart young creatives full of awe, who can minister to the world with positive, mischievous energy, young people who seek spiritual enrichment and who see hatred and disconnection as the corrosive forces they are. These are manifest indicators of a human being with immense potential.

Absorb into yourself the world’s full richness and goodness and fun and genius, so that when someone tells you it’s not worth fighting for, you will stick up for it, protect it, run to its defence, because it is your world theyre talking about, then watch that world continue to pour itself into you in gratitude. A little smart vampire full of raging love, amazed by the world – that will be you, my young friend, the earth shaking at your feet.

Love, Nick"

publicado às 08:12

290829501_5200154216736945_7946157847271640827_n.j 

Esta podia ser eu, hoje, a desesperar com o calor.

Isto é só para lembrar que todes temos "corpo de praia". É o corpo que temos e de mais não precisamos. 

A fotografia é de Robbie McIntosh, street photographer italiano, de Nápoles. Podem ver mais no seu Instagram

publicado às 14:34

A série documental Diários de Andy Warhol, que está na Netflix, foi uma das melhores surpresas que tive nos últimos tempos. Ao princípio faz um bocadinho de confusão sabermos que a voz que estamos a ouvir não é dele, é gerada por computador a imitar a voz dele, mas ao fim de um tempo esquecemo-nos e já não questionamos. Para quem, como eu, sabia muito pouco sobre o Warhol, há ali imensas revelações, quer sobre a sua vida pessoal quer sobre o seu lado artístico e a sua personalidade, com as suas muitas imperfeições e os seus momento de genialidade. É também um retrato de uma época, de como Nova Iorque mudou entre os anos 60 e os anos 80. E tem momentos bastante emocionantes (ou então sou eu que ando com lágrima fácil, também pode ser).

publicado às 12:19

Viajei. Mas o importante não foi a viagem em si nem os passeios que demos por Bruxelas. O importante foi, primeiro, poder partilhar esta experiência com o Pedro e passarmos tempo os dois e voltarmos a andar de avião e tentar explicar-lhe que é bom sair de casa e descobrir o mundo (e também irritar-me um bocadinho com ele, que está naquela fase aborrescente mas, pronto, faz parte). E, depois, visitar a minha amiga Aline e a sua família. Já não nos víamos há quase um ano e foi bom demais voltarmos a partilhar as nossas alegrias e as nossas angústias e comer os seus cozinhados e desfrutar da sua alegria e da sua energia. E depois da viagem ainda deu para ir ao Alentejo e para passear por Lisboa, para ir ao MAAT - Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia ver as "Interferências" e a fantástica instalação do Vhils (por favor, não percam), para ver as maravilhosas "Bacantes" da Marlene Monteiro Freitas, para dar um passeio na praia, para ir dançar no Incógnito (as saudades que eu tinha disto), para fazer isto tudo ao mesmo tempo que estava com amigos bons e conversávamos e ríamos e chorávamos juntos. Porque o mais importante são sempre as pessoas que estão connosco neste caminho e os abraços todos que damos.

Foram 10 dias bons, depois de muitos dias difíceis, ou melhor, no meio de muitos dias difíceis. Não tem sido fácil, por vários motivos, muito diversos, muito meus. Mas, como diz, a canção

"Tem vez que as coisas pesam mais
Do que a gente acha que pode aguentar
Nessa hora fique firme
Pois tudo isso logo vai passar

Você vai rir, sem perceber
Felicidade é só questão de ser
Quando chover, deixar molhar
Pra receber o sol quando voltar"

image_50405889.JPG

image_50411777.JPG

publicado às 19:18

Há dois anos, mais ou menos, numa altura em que me senti mais em baixo, marquei uma consulta numa psiquiatra com a esperança que ela me receitasse um prozac ou coisa parecida. A médica deixou-me falar e gesticular e rir e chorar durante quase uma hora, enquanto lhe fazia um resumo da minha vida, e no final disse-me:

- A Maria João não tem uma depressão. Está sozinha com dois filhos e um deles é adolescente, não tem uma vida fácil. Mas não há comprimidos para isso.

Tive que admitir que tinha razão, claro. Não, eu não estava deprimida. Ainda. Falámos um pouco sobre estratégias para lidar melhor com algumas situações, como a solidão e a adolescência, ela aconselhou-me a voltar à psicoterapia e no final receitou-me paciência, amigos e alguma vigilância.

Não voltei lá, como era suposto. Mas vigilante me encontro. Sabendo que a vida é difícil e que os problemas existem, a grande questão é como é que lidamos com eles. Há dias em que me apetece fugir. Há dias em que me esqueço de tudo. Há dias em que só me apetece chorar. Há dias em que me sinto confiante. Há dias em que acho que estou a falhar em todas as frentes. Na maior parte das vezes, as crises duram um ou dois dias, uma semana no máximo. A vida é uma constante montanha-russa, já o sabemos, e enquanto assim for, enquanto encontrarmos maneiras de nos recompormos e tivermos energia para alavancar a subida, cá estaremos para dar luta.  

A situação agrava-se, naturalmente, quando vivemos um confinamento como este. Não podemos contar com as ajudas que costumamos ter. Para mim, os momentos com a família e com os amigos, um passeio na praia, ir ao cinema ou ao teatro, ler um livro numa esplanada. Isolada e fechada em casa, e ainda por cima sem uma ocupação, todos os problemas parecem mais graves, seja a dificuldade em educar os putos ou a falta de alguém com quem me aninhar o sofá. Enfim. Não me quero estar a queixar, não faz parte do meu feitio, e, sim, já sei, há sempre quem esteja pior. Estou só a dizer que para mim tem sido mais difícil. E que por isso tenho de estar ainda mais vigilante.

Temos todos.

Não tendo melhor para vos dar, aconselho-vos a, não havendo felicidade nas coisas grandes, procurar sempre a felicidade nas coisas pequenas. Inspirem-se, por exemplo, nas "coisas maravilhosas" do Ivo Canelas ou no David Byrne e nas suas "reasons to be cheerful".

E partilho os bons conselhos de quem sabe do assunto, sublinhando este: não tenham medo ou vergonha de pedir ajuda. Às vezes basta conversar com alguém que nos ajude a olhar para os problemas de outra maneira e que nos faça sentir melhor. Outras vezes é mesmo preciso um comprimido. 

Paula-Rego-Depression-Series-Nine-2007-pastel-on-p

Paula Rego, Depression Series, Nine (2007)

 

publicado às 20:30


Mais sobre mim

foto do autor