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13
Jun23

Partir a telha

Andei aí uns tempos com a telha. Estou a falar no passado sem grandes certezas, mas porque sou uma pessoa optimista. Andei com a telha que é como quem diz andei aí uns tempos a achar-me a pessoa mais infeliz e injustiçada do mundo, a ver tudo negro à minha frente, como se os problemas não tivessem resolução e as dificuldades fossem inultrapassáveis. Nestas fases, quando me sinto assim, fecho-me sempre um bocadinho, o que não é propriamente uma boa estratégia. Sem me apetecer fazer nada nem falar com ninguém nem sequer pensar muito no assunto, o sentimento de solidão adensa-se. A verdade é que não podemos contar sempre com os outros. Os amigos têm as suas vidas. Têm almoços de família ao domingo. Têm companheiros com quem passam os serões. Têm filhos pequenos com quem fazem os programas que eu também fazia quando tinha filhos pequenos. Os meus amigos, na sua maioria, não conhecem esta solidão, e eu não quero estar a chateá-los com as minhas tretas. E quem vê no instagram não imagina, não é? Como poderiam saber que por trás daquelas fotografias bonitas também bate um coração? De maneiras que a telha. E porquê? Não há um motivo concreto. Há uma série de coisas que existem na minha vida e que chega ali um momento em que parece que me pesam mais, sem razão para tal. Os putos não se estão a portar pior do que antes. O trabalho não está mais insuportável. A vida não está mais difícil. Simplesmente acontece que eu estou com menos tolerância e tudo me parece pior e talvez as hormonas não ajudem. Isto não é uma depressão. São fases. Conheço-as bem. O problema é quando as fases se prolongam. Esta foi longa. 

Neste entretanto, mesmo com a telha, aconteceram coisas bonitas, há que dizê-lo.

Fui a um workshop de crochet na Retrosaria e descobri que o crochet não é para mim.

Fui ver e ouvir a Ana Lua Caiano (vale a pena descobrir).

Li o livro da Anabela. E houve momentos em que ela era eu.

Ouvi muitas músicas da Rita Lee e da Tina Turner. Não chorei, mas fizeram-me pensar nisto tudo.

Fui ao concerto do Chico Buarque. E, mesmo a ouvir mal, chorei, ao lado da Ângela.

Passei uma tarde com a Sandy e outras pessoas fixes a pensar em podcasts.

Fui ver e ouvir o Luís Miguel Cintra, tão magrinho, tão frágil, na Feira do Livro. E voltei a chorar. (um dia vou escrever sobre isto.) 

Estou a ler os livros da Annie Ernaux e a surpreender-me com a consciência que ela tem de si mesma. Com a forma despudurada como se expõe (ter vergonha do quê? sou como sou). Que lição.

Obriguei-me a estar com pessoas. E acabei por ser feliz nesses momentos. Porque estar com as nossas pessoas é bom (mesmo que eu não goste nada do festival da canção e não seja a maior fã dos santos populares). Juntar-me a um clube de poesia de gente bonita que me obriga, todos os meses, a sair da minha zona de conforto, foi uma das melhores decisões que tomei há quase um ano.

É assim que, lentamente, estou a partir a telha.

Isto é uma coisa que resulta para mim. Comprometo-me com coisas que tenho de fazer e comprometo-me com outras pessoas. Obrigo-me a planear eventos para o futuro. Por exemplo, pelo sim, pelo não, já comprei vários bilhetes para ir ver espectáculos nos próximos tempos. E garanto, assim, que num dia destes, mesmo que me apeteça muito ficar em casa, vou ter que me forçar a sair. Tal como me forcei a fazer muitas das coisas atrás descritas.

Não há receitas. Cada pessoa é uma pessoa. E não temos que estar sempre felizes e esfuziantes. Mas convém estarmos atentos. Até porque, como canta o Tom Jobim (mas o poema é de Vinicius), "tristeza não tem fim, felicidade sim".

publicado às 17:28

06
Nov22

"O bom vai vir"

Sou só eu que, apesar de toda a alegria rítmica, ouvi esta canção e senti que ela estava a falar de como sair de uma depressão?

"Bom-Bom", Batida feat. Mayra Andrade

 

"Hoje lutei p'ra conseguir me levantar
Quando acordei, meu coração quase parou
Sei que sonhei, mas não consigo recordar
Eu me deixei até que a vida me chamou

(...)

Na zunga zango, não me deixam respirar
Vou acatando, mascarando meu olhar
Fazem feitiços que te chegam a matar
Risos postiços branqueiam o mau olhar

(...)

Estou a aprender a dizer não, ai
Não desejar que é só p'ra mim, dá
Quem vive só, só do seu céu cai
Ubuntu é junto, vamo' lá

(...)

Planeta tá Wazebele
Ser humano complica
Desacata, não maia
Porque eu sei que vai
Planeta tá Wazebele
Nenhum mal é p'ra sempre
Numa dança infinita
O bom vai vir, eu sei, o bom vai-ai"

publicado às 22:44

Covid-19. Outra vez. Exactamente seis meses depois.

Experiência de doença muito parecida, só que em vez de começar com dor de garganta começou com nariz entupido. Evolução muito rápida nas primeiras horas para um estado gripal e, depois, aquela tosse que vai dando um ar da sua graça (e ainda por aqui anda).

Experiência muito pior com o SNS. 48 horas depois do teste na farmácia (que me custou 15 euros) continuava sem receber qualquer mensagem com a declaração de isolamento. Passei, então, várias horas ao telefone a tentar falar com a Saúde 24. Às vezes a chamada caía. Outras vezes fiquei num loop de "digite o número de utente", "responda às questões com sim ou não", "aguarde o atendimento", e passados uns minutos de espera recomeçava tudo do início. Houve uma vez em que de facto consegui falar com uma assistente que, depois de me perguntar tudo de novo, achou por bem reencaminhar-me para o serviço clínico e vai daí fiquei mais dez minutos à espera até a chamada cair. Várias tentativas depois, lá consegui, sei lá como, que uma voz automática me garantisse que iam enviar a declaração. Mandaram, sim, mas com a data errada, uma vez que a máquina não percebeu que eu já estava há dias a tentar ter a porcaria do papel. Adiante. 

Estou há sete dias em casa, molengas mas sem mais problemas. Isolada, praticamente sem falar com ninguém dias inteiros. Vi montes de coisas na televisão (quem diz televisão diz streaming, ok?). Fiz chili com carne, lulas recheadas, filetes de peixe panados, brigadeiros de chocolate. Cozinhar, sobretudo cozinhar coisas complicadas, que exigem total atenção e mexer com as mãos na comida (como rechear as lulas ou panar peixe ou fazer bolinhas de chocolate), continua a ser uma das minhas terapias preferidas. Mas é uma terapia que engorda e suja muita louça.

Estou farta de estar em casa. Amanhã regresso à vidinha. Ainda nem voltei e já estou farta da vidinha. Precisava de férias. Férias disto tudo. Férias de mim, isso é que era.

publicado às 11:40

Não sejamos injustos. Houve coisas boas em 2021.

Novos trabalhos, novos desafios.

Voltei a fazer yoga. Sou péssima mas estou a esforçar-me.

A viagem a Paris.

Os bons momentos com os meus putos.

Caminhar, voltar aos transportes públicos, andar a pé sempre que possível.

Voltei à terapia. Também sou péssima nisto mas estou a esforçar-me.

Os meus amigos (vocês sabem quem são). Não estive com eles tanto quanto gostaria mas aproveitei todas as oportunidades para encontrá-los, abraçá-los e mostrar-lhes o quanto são importantes para mim.

Fiz uma amiga nova ("e coisa mais preciosa no mundo não há").

Os espectáculos que vi, os filmes e as séries, os livros (poucos mas bons), as músicas que descobri e todas as outras coisas boas da vida.

A família reunida e feliz no dia do meu aniversário.

Os sonhos do natal.

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Para 2022 só queria isto tudo mas mais. 

publicado às 13:31

04
Ago21

Simone

Tenho passado os dias entre o trabalho e os Jogos Olímpicos de que, como vocês devem saber, sou grande fã. Sou aquela maluquinha que, mesmo já sabendo os resultados, põe a box para trás para ver o que perdeu durante a madrugada. Gosto particularmente do atletismo e da ginástica. Desde sempre. E foi por isso com grande pena que vi a Simone Biles desistir de quase todas as suas provas. Nem consigo imaginar o que ela deve estar a sentir. Primeiro, não consigo imaginar o que é ter 19 anos e estar a competir nos Jogos Olímpicos e ganhar tantas medalhas, como aconteceu com ela no Rio de Janeiro. A mim, que se me acelera o coração se tiver que falar em público, que ainda hoje me tremem as pernas se sentir que estou a ser avaliada em qualquer situação, acho que nunca seria capaz de competir em coisa nenhuma. Não consigo imaginar como será ser a melhor do mundo e sentir toda a pressão que ela sentiu para repetir os feitos, como aconteceu antes destes jogos. E, finalmente, não consigo imaginar como será treinar durante tanto tempo - praticamente uma vida inteira - e com tanto empenho para, depois, chegar ali, ao momento mais importante, e desistir. Mas uma coisa eu consigo imaginar: o sofrimento enorme que esta decisão lhe deve ter causado. Não é uma decisão que se tome de ânimo leve. Para que um atleta, seja a Simone ou outro qualquer, tome a decisão de desistir de uma prova nos Jogos Olímpicos tem de sentir verdadeiramente que não tem outra opção. Alguém duvida disto? Acho incrível que algumas pessoas venham para aí comentar que ela desistiu porque é fraquinha ou que foi tudo uma estratégia para chamar a atenção ou que ela estava era com medo de falhar. A sério. Fico passada com a falta de noção.

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É tão surpreendente que, chegados aqui, ainda haja tanta gente que desvalorize a saúde mental e que ache sempre que as pessoas estão a exagerar ou são fracas por assumirem que têm problemas. Está na hora de mudar isto. Talvez o facto de Simone (tal como Naomi Osaka há uns tempos) se ter sentido à vontade para desistir seja um sinal de que as coisas já estão a mudar. Talvez.

Tenho falado um pouco sobre saúde mental por aqui

E sobre os Jogos Olímpicos havia tanto a dizer. Estes jogos do Japão estão cheios de histórias e pessoas incríveis. Mas, de todos, este é o meu momento preferido: quando o italiano Gianmarco Tamberi e o atleta do Qatar Mutaz Barshim decidem partilhar a medalha de ouro do salto em altura.

publicado às 15:58

30
Abr21

Blah

 Languish.jpg

Languishing. Aprendi esta palavra há pouco tempo e acho que descreve bem aquilo por que temos passado neste último ano. Não é que se esteja doente, mas também não se pode dizer que se está propriamente saudável. "Feeling blah", diz-se em inglês. Eu costumo dizer que estou "a sentir-me nheca" mas é igual. Está tudo explicado NESTE ARTIGO do The New York Times

"The absence of well-being. You don’t have symptoms of mental illness, but you’re not the picture of mental health either. You’re not functioning at full capacity. Languishing dulls your motivation, disrupts your ability to focus, and triples the odds that you’ll cut back on work."

Portanto, é isto. 

Os dias passam, uns a seguir aos outros, e há uns bons e outros maus, e há uns melhores e outros piores, mas na verdade é tudo muito mais ou menos a mesma coisa, como se não conseguíssemos ver a tal luz no fundo do túnel e apenas nos continuássemos a empurrar pela vida porque é o que temos de fazer e vamos lá ver no que isto vai dar.

Voltamos sempre ao mesmo. É tentar não perder o pé.

Entretanto, só para constatar que nada disto é realmente novo, criei uma tag "blah" e tentei colocá-la em todos os artigos onde já falei deste assunto, mesmo antes de saber o que era o languishing

Porque a culpa é da pandemia, claro, embora não seja só da pandemia, claro. A pandemia só veio tornar tudo mais intenso. Aprofundar a solidão dos que já estavam sozinhos. Tornar clara a tristeza dos que já se sentiam tristes. Antes, era mais fácil maquilhar a vida com o frenesim do para lá e para cá e estou tão ocupada e falo com tantas pessoas todos os dias e não tenho tempo para nada. E, de repente, só nos temos a nós e à nossa casa e à nossa situação e não há como fugir. Isto e o resto, que não se pode escrever aqui, porque há falhanços que custa admitir para nós mesmos quanto mais para o mundo.

publicado às 10:51

Des'ree, You Gotta Be

 

Liguei o computador às 11.00 da manhã para acompanhar mais uma sessão do clube de leitura Heróides e a Sara recebeu-nos com esta música. Tão bom. É engraçado como, tantas vezes, as músicas que ouvimos por acaso parecem falar para nós. 

Está quase a fazer um ano que a pandemia nos caiu em cima e acho que ainda não temos uma compreensão plena de como isto tudo nos mudou e mudou a nossa vida. Eu a trabalhar em casa. Os miúdos a terem aulas por zoom. Todos longe dos amigos. Um ano inteiro com os contactos sociais reduzidos ao mínimo. Nós três aqui fechados, uns dias a seguir aos outros, com a cabeça enfiada nos computadores, nos telefones, na televisão e na playstation. Tentar manter a sanidade. Tentar encontrar a felicidade nas coisas pequenas. E, no meio disto, um layoff, um despedimento e começar um novo trabalho. É muita coisa para assimilar e não, ainda não é tempo para escrever sobre esta parte (lá chegaremos, prometo).

Entretanto. No último mês, tenho trabalhado praticamente de manhã à noite. Entre o emprego novo -  com tanta coisa para aprender, aquela sensação de me sentir uma estagiária outra vez e de ter de provar a toda a gente (incluindo a mim mesma) que sou capaz -  e os projetos que entretanto aceitei porque eram irresistíveis e eu sou um bocadinho louca, não tenho tido tempo para muito mais. Nem livros, nem filmes, nem passeios, nem nada. A casa está meio caótica, os putos andam em roda livre e as amigas queixam-se da minha ausência nos grupos de whatsapp. Mas está quase. 

Agora que já se vê a luz de março ao fundo do túnel, quero dizer-vos isto: 

"Listen as your day unfolds
Challenge what the future holds
Try and keep your head up to the sky
Lovers, they may cause you tears
Go ahead release your fears
Stand up and be counted
Don't be ashamed to cry

You gotta be
You gotta be bad, you gotta be bold, you gotta be wiser
You gotta be hard, you gotta be tough, you gotta be stronger
You gotta be cool, you gotta be calm, you gotta stay together
All I know, all I know, love will save the day

Herald what your mother said
Read the books your father read
Try to solve the puzzles in your own sweet time
Some may have more cash than you
Others take a different view
My, oh, my, yea, eh, ee

You gotta be bad, you gotta be bold, you gotta be wiser
You gotta be hard, you gotta be tough, you gotta be stronger
You gotta be cool, you gotta be calm, you gotta stay together
All I know, all I know, love will save the day

Time ask no questions, it goes on without you
Leaving you behind if you can't stand the pace
The world keeps on spinning
Can't stop it, if you tried to
This best part is danger staring you in the face

Remember
Listen as your day unfolds
Challenge what the future holds
Try and keep your head up to the sky
Lovers, they may cause you tears
Go ahead release your fears
My oh my yea, ye, ee

You gotta be bad, you gotta be bold, you gotta be wiser
You gotta be hard, you gotta be tough, you gotta be stronger
You gotta be cool, you gotta be calm, you gotta stay together
All I know, all I know, love will save the day".

publicado às 15:05

Há dois anos, mais ou menos, numa altura em que me senti mais em baixo, marquei uma consulta numa psiquiatra com a esperança que ela me receitasse um prozac ou coisa parecida. A médica deixou-me falar e gesticular e rir e chorar durante quase uma hora, enquanto lhe fazia um resumo da minha vida, e no final disse-me:

- A Maria João não tem uma depressão. Está sozinha com dois filhos e um deles é adolescente, não tem uma vida fácil. Mas não há comprimidos para isso.

Tive que admitir que tinha razão, claro. Não, eu não estava deprimida. Ainda. Falámos um pouco sobre estratégias para lidar melhor com algumas situações, como a solidão e a adolescência, ela aconselhou-me a voltar à psicoterapia e no final receitou-me paciência, amigos e alguma vigilância.

Não voltei lá, como era suposto. Mas vigilante me encontro. Sabendo que a vida é difícil e que os problemas existem, a grande questão é como é que lidamos com eles. Há dias em que me apetece fugir. Há dias em que me esqueço de tudo. Há dias em que só me apetece chorar. Há dias em que me sinto confiante. Há dias em que acho que estou a falhar em todas as frentes. Na maior parte das vezes, as crises duram um ou dois dias, uma semana no máximo. A vida é uma constante montanha-russa, já o sabemos, e enquanto assim for, enquanto encontrarmos maneiras de nos recompormos e tivermos energia para alavancar a subida, cá estaremos para dar luta.  

A situação agrava-se, naturalmente, quando vivemos um confinamento como este. Não podemos contar com as ajudas que costumamos ter. Para mim, os momentos com a família e com os amigos, um passeio na praia, ir ao cinema ou ao teatro, ler um livro numa esplanada. Isolada e fechada em casa, e ainda por cima sem uma ocupação, todos os problemas parecem mais graves, seja a dificuldade em educar os putos ou a falta de alguém com quem me aninhar o sofá. Enfim. Não me quero estar a queixar, não faz parte do meu feitio, e, sim, já sei, há sempre quem esteja pior. Estou só a dizer que para mim tem sido mais difícil. E que por isso tenho de estar ainda mais vigilante.

Temos todos.

Não tendo melhor para vos dar, aconselho-vos a, não havendo felicidade nas coisas grandes, procurar sempre a felicidade nas coisas pequenas. Inspirem-se, por exemplo, nas "coisas maravilhosas" do Ivo Canelas ou no David Byrne e nas suas "reasons to be cheerful".

E partilho os bons conselhos de quem sabe do assunto, sublinhando este: não tenham medo ou vergonha de pedir ajuda. Às vezes basta conversar com alguém que nos ajude a olhar para os problemas de outra maneira e que nos faça sentir melhor. Outras vezes é mesmo preciso um comprimido. 

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Paula Rego, Depression Series, Nine (2007)

 

publicado às 20:30

Desde o dia em que recebi o telefonema do meu director a informar-me que iria ser despedida até hoje, dia em que levantei nos correios a carta que oficializa o meu despedimento, passaram-se exactamente dois meses. Foram dois meses estranhos. Ainda empregada mas sem trabalho. Quase desempregada mas sem poder procurar activamente uma nova ocupação. Os dias podem ser demasiado longos quando não temos um horário a cumprir. Mas a vida continua a ser demasiado curta. Por outro lado, quem tem filhos e uma casa para cuidar sabe que temos sempre muito com que nos entreter. Na verdade, quase poderíamos fazer só isto. Lavar o chão, passar a roupa, temperar a carne para o jantar. Mas eu não quero. Não quero ficar enredada nas compras e nos almoços. Odeio a sensação de estar a perder tempo. Não me quero deixar ficar. No entanto, para já, ainda não há muito que possa fazer. Não é fácil. 

O meu desafio nestes últimos meses tem passado por três frentes:

Organização. 

O pior que pode acontece quando temos tempo a mais é deixar tudo para amanhã e não fazer nada. É preciso manter algumas rotinas. Fazer sempre a cama, não acumular louça suja. Limpar a casa. Cozinhar refeições. Comer fruta. Beber água. Pagar as contas. Organizar os meus contactos. Mandar mails. Apagar mails. Fazer listas das coisas que tenho que fazer para não me esquecer delas (estou cada vez mais desmemoriada, tenho de fazer listas de tudo). Estabelecer pequenos objectivos. Ter uma agenda para 2021 (e a alegria de ter já alguns dias ocupados).

Cuidar do corpo.

Nunca fui muito boa nisto. Gosto de comer e gosto pouco de me mexer. Mas estou a tentar, juro. Esta semana estou em detox pós-natalício. Aproveito a ausência dos miúdos para fazer refeições diferentes. Obrigo-me a sair de casa. Caminho sempre que possível (quase todos os dias, mesmo com frio e com chuva). E inscrevi-me no "treino das mães" no clube de BTT do Pedro. Domingo de manhã, ao ar livre, com um grupo de mães divertidas e uma PT que puxa por nós e me obriga a mexer partes do corpo que têm estado adormecidas. Não é muito, eu sei, mas é melhor do que nada.

Ginasticar a mente.

A ordem é para fugir das redes sociais e do facilitismo do scrolldown. Não é fácil mas é necessário. Tenho tentado ser selectiva nos filmes e séries que vejo (e tenho visto muitos). Ir ao teatro. Ler, claro (nem sempre encontro o mood certo mas há que insistir). Escrever (aqui, mas não só). Continuar a aprender. Preciso muito disso. Fiz uma assinatura de um jornal para me manter actualizada. Já fiz um curso online (daqueles com direito a diploma e tudo), estou a acompanhar um seminário online só para ouvir pessoas interessantes e abrir a cabeça, e inscrevi-me num mini-curso mais sério para o início 2021. Ainda não consegui voltar à rotina matinal de me sentar ao computador e ir ver os "meus" sites mas lá chegarei.

E assim vamos. Caminhando no arame, lentamente, tentando manter o equilíbrio e não dar nenhum passo em falso. Não tarda nada chegamos ao outro lado, seja lá isso onde for.

Where is my mind?, Placebo com Franck Black.

publicado às 14:25

Não tenho tido muito tempo para pensar na covid-19. 

Quando entrei em layoff, despedi a empregada, que vinha cá a casa fazer magia uma vez por semana. Desde então, sou eu (com alguma - pouca - ajuda dos rapazes) que trato de tudo, da roupa para passar à limpeza das casas-de-banho. Entretanto, o layoff acabou mas por causa das coisas que se sabe (e sobretudo das coisas que ainda não se sabe) continuo sem empregada. O layoff acabou e voltei a trabalhar todos os dias, em casa mas também muito na rua e num ritmo por vezes frenético. Os miúdos também estão de volta à escola. O Pedro no horário da manhã, o António no horário da tarde. Almoçam ambos em casa mas não se cruzam. Já há treinos de parkour e de futebol. Estamos naquela fase de ajustar rotinas. De nos custar acordar com o despertador. De experimentar lanches diferentes. De forrar livros e pôr etiquetas em cadernos. De descobrir que é preciso ir comprar calças e camisolas. 

Ai, setembro, setembro, todos os anos a mesma coisa. A vidinha toda a cair-me em cima, outra vez. Mil conversas para tentar enfiar algum juízo na cabeça dos putos. Exausta de discussões e de argumentações e de desilusões e de ter que pensar em tudo, sempre a pensar em tudo, a minha cabeça não pára, é o dentista, é a explicação, são as sapatilhas da ginástica que não servem e o chapéu-de-chuva que desapareceu, acabou-se o leite, é preciso comprar iogurtes, as reuniões de pais, os papéis para assinar, um filho que está na fase em que tomar banho é um martírio e outro que está na fase em que toma dois e três banhos por dia, e se calhar desligavam os telefones para irmos para a mesa e, então, já é tardíssimo, porque é que ainda não estão a dormir?

Não tenho tido muito tempo para pensar na covid-19. 

Tirando as máscaras, umas descartáveis, outras reutilizáveis (máscaras a toda a hora de molho e penduradas na corda da roupa, mais uma coisa com que me preocupar), e o gel desinfectante que cada um de nós tem na sua mochila para usar quando fôr necessário, cá em casa estamos a tentar viver o mais normalmente possível. Estou farta da covid-19. Só de imaginar que nos podem fechar a todos em casa outra vez começo a sentir suores frios. Estou farta da covid-19 e das regras estúpidas que inventam em todo o lado, seja na escola ou nos correios, quando vamos comprar sapatos e nos obrigam a calçar uma meia de plástico ou quando queremos renovar o cartão de cidadão e o site nos informa que não, que ainda não é possível fazer agendamentos. A covid-19 como justificação para todas as incompetências e todas as burocracias e todos os abusos de autoridade. Estou tão farta que já não leio notícias e não quero saber dos números de mortos e infectados e internados, juro-vos. 

Não tenho tido muito tempo para pensar na covid-19 e ainda bem porque se uma pessoa se põe a pensar a sério nisto ainda acaba dando em maluca. 

Também não tenho tido muito tempo para mais nada. 

Mas isso é outra história.

Wake me up when september ends, dos Green Day
(com beijinhos para a Raquel)

publicado às 09:38


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