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No camarote dançámos, cantámos, ficámos só muito atentos a ver e ouvir Caetano Veloso, emocionámo-nos. A certa altura pensei: que privilégio este, estar aqui, rodeada de amigos, vendo e ouvindo mais uma vez um dos meus artistas preferidos, que privilégio poder ouvir esta voz, desfrutar desta música. Não sou nada da moda do "estar grata", pelo contrário, queixo-me e reclamo muito, passo demasiado tempo zangada com a vida, sempre a querer mais. Mas há momentos assim, tão bons, que é impossível não pensar: que privilégio. Em vez de pensar nos concertos e nos espectáculos e nas viagens e em todos os programas a que não me consigo juntar por falta de tempo, de dinheiro ou de energia, prefiro pensar em todas as coisas boas que me acontecem e nas pessoas amigas com quem as partilho. Tanta felicidade nas coisas pequenas que me tenho esquecido de assinalar. Este ano, por exemplo, o privilégio duplo de ver ao vivo Caetano, com 81 anos, e Chico, com 79 (não os vou comparar sequer, estou só a dizer que senti o mesmo com ambos).
Nesta entrevista, Caetano explica quase tudo sobre o seu último disco, Meu Côco.
E esta é a parte sobre uma das minhas cançõs preferidas desse disco, Não Vou deixar:
"Não vou deixar, não vouNão vou deixar você esculacharCom a nossa históriaÉ muito amor, é muita luta, é muito gozoÉ muita dor e muita glória"
Estive a ver o documentário Um Lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro, sobre aqueles ricos que moram nas coberturas do Rio de Janeiro e que ficam da sua varanda a ouvir os tiroteios dos gangues nas favelas como quem assiste a fogo de artifício e a ver as pessoas que chegam à praia rindo e carregando lancheiras - e que têm de mudar de lugar, à medida que o sol vai virando e a sombra dos prédios lhes vai retirando espaço de felicidade na areia. Tinha pensado em várias coisas para dizer sobre isto e sobre as injustiças sociais e a empatia e mais não sei quê. Mas essa imagem é tão forte que acho que nem precisa de explicação.
Morreu João Gilberto. E não há muito mais a dizer.
Está tudo aqui .
- Mãe, sabias que o Raul Solnado foi eleito presidente do Brasil?, anunciou o Pedro, de 10 anos, na segunda-feira de manhã.
Do outro lado da mesa da cozinha, o António levantou os olhos da taça de cereais e respondeu: - Quem? Mas esse não é o da guerra?
Ri-me tanto.
Agora, experimentem dizer Raul Solnado em voz alta e depressa e digam lá se não é parecido.
"Quando dizem que a idade está na cabeça, meu fígado e minha coluna dão uma risadinha sarcástica."
Rita Lee, quase 70 anos e muito "rockenrou", conta as suas memórias numa autobiografia sincera e divertida que é agora editada em Portugal.
Saí do cinema feliz. Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, com uma fantástica Sônia Braga, foi uma boa surpresa. Um filme com pessoas reais, com diálogos reais, com cenários reais, com histórias reais. Tão bom, mas tão bom, que apetece ver de novo.
(ah, esta semana não vais ter os putos vais ter uma vida louca, pensam as pesoas. e depois é isto. filmes e mais filmes. a felicidade nas coisas pequenas também é isto.)
Véspera de Natal, por Adoniran Barbosa
"Eu me lembro muito bem
Foi numa véspera de natal
Cheguei em casa
Encontrei minha nega zangada, a criançada chorando,
Mesa vazia, não tinha nada.
Saí, fui comprar bala mistura,
Comprei também um pãozinho de mel
E cumprindo a minha jura,
Me fantasiei de papai noel
Falei com minha nega de lado
Eu vou subir no telhado
E descer na chaminé
Enquanto isso você
Pega a criançada e ensaia o dingo-bel
Ai meu deus que sacrifício
O orifício da chaminé era pequeno
Pra me tirar de lá
Foi preciso chamar
Os bombeiros"
Elza Soares esteve entre nós nestes últimos dias. Eu não fui vê-la. Mas li a história dela, uma história fantástica. Conhecia-a vagamente, muito pouco, afinal, mas depois de ouvir o último disco, que é extraordinário, fui à procura do que estava para traz. É fascinante ouvi-la, é fascinante vê-la, ainda hoje, com a sua peruca exuberante, a encher o palco apesar de estar confinada a uma cadeira de rodas. E os relatos de quem a viu em algum dos concertos que deu em Portugal deixam-me cheia de inveja, tenho que admitir. Ouço-a outra vez. Muitas vezes. Ouçam-na também.
Esta é Elza Soares, A Mulher do Fim do Mundo