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Quando o filme terminou não consegui levantar-me. As luzes acenderam-se, a música a tocar, a ficha técnica a passar no ecrã, e eu ali, incapaz de fazer o que quer fosse, sentindo uma tristeza imensa, uma tristeza tão grande por Aurora e por nós todos, que raio de mundo este, a pensar nos meus filhos, no futuro que lhes estamos a deixar, nos valores que lhes queremos passar e, bolas, é Abril outra vez e aqui estamos, ainda, a lutar por termos todos vidas dignas. 

On Falling é a primeira longa-metragem de ficção de Laura Carreira, realizadora portuguesa que vive na Escócia há mais de dez anos. É em Glasgow que se passa este filme. Aurora (interpretada pela excelente Joana Santos) também é portuguesa e trabalha como "colectora" num grande armazém de e-commerce. Passa os seus dias sozinha, vagueando pelos sombrios corredores do armazém a recolher os items para as encomendas. Trabalha muito e vive contando o dinheiro para que chegue ao fim do mês (e às vezes não chega). O filme mostra-nos a repetição dos seus dias, um a seguir ao outro, um igual ao outro, enfiada num armazém inóspito, com uma máquina que apita se ela demora um pouco mais a cumprir a tarefa, num sistema que a vê como um número, um funcionário sem rosto, cuja performance é contabilizada por um computador. Uma vida sem sorrisos nem alegrias. Nos poucos tempos livres que tem, Aurora está quase sempre sozinha, fechada no seu quarto, a olhar para o telefone. Ou então acompanhada dos colegas de trabalho, no refeitório para a pausa do almoço, ou dos colegas de casa, na pequena cozinha onde todos prepararam as refeições - pessoas com quem tem uma intimidade forçada mas com quem não estabelece uma verdadeira relação, e, por isso, até nesses momentos, continua a refugiar-se no scroll infinito do seu telefone. Aurora não tem amigos, não tem abraços.

Quão triste é a vida de alguém quando a única coisa que faz no seu tempo livre é lavar a roupa?

Já tínhamos visto como podem ser as vidas desgraçadas dos emigrantes em Great Yarmouth. Aqui temos outra perspectiva. On Falling é, antes de mais, um filme sobre o capitalismo selvagem em que vivemos e sobre a quase escravatura a que muitos trabalhadores estão sujeitos. Onde o trabalho é um meio de sobrevivência precária mas que não permite qualquer sobre-vivência. "Trabalhar para ganhar a vida, porque é que a vida que se ganha tem de gastar-se a trabalhar (para ganhar a vida)", lembram-se da canção? Contas feitas, aqui não há vida ganha. Este é também um filme sobre a falta que nos faz essa vida fora do trabalho, a falta que nos faz o tempo para sermos outros além de funcionários, a falta que nos faz o convívio, a ligação aos outros, os afectos. É isso que nos mostra a cena final, a única em que se vislumbram sorrisos e alguma alegria.

publicado às 18:46

Depois de uma semana de muitas e fortes emoções, passei o fim-de-semana todo em casa, sozinha. Foi tempo para ler, escrever, ver filmes antigos, pensar na vida. Lá fora o vento e a chuva, de vez em quando uns raios de sol. Não adoro estar sozinha, mas sinto que, de vez em quando, também preciso destes momentos de silêncio e de confronto comigo mesma. É tudo uma questão de equilíbrio. No domingo à tarde temperei um frango e deixei-o a ganhar sabor durante horas, antes de o meter no forno por outras tantas horas. Quando os rapazes foram chegando, dos seus fins-de-semana, a cozinha estava quentinha e com aquele cheiro adocicado do assado. O frango ficou delicioso. Macio, húmido, a carne a soltar-se dos ossos. Um frango assado precisa de tempo. Não é possível fazer um bom frango assado no forno com pressa. Aquele frango precisou daquele domingo passado de pijama, das lágrimas que derramei enquanto acabava de ler o Somos o Esquecimento que Seremos, do colombiano Hector Abad Faciolince, da leveza de ver o Peggy Sue Casou-se, do Coppola (um filme de 1986 que não me lembrava de já ter visto, embora tudo aquilo me parecesse familiar), do espanto renovado ao reler passagens do António Lobo Antunes (tem coisas tão boas, caramba), da alegria de encontrar no Filmin A Ama de Cabo Verde, de Marie Amachoukeli, que queria ter visto no cinema mas acabei por deixar passar. Isto tudo até que finalmente nos sentámos os três a comer o frango tenrinho e saboroso e, entre conversas cruzadas e gargalhadas, olhámos para o calendário e fizemos planos para três meses (somos assim ambiciosos). Um jantar de família que não se vai repetir nos próximos dias, pois estarei a trabalhar à noite, e que cada vez acontece menos porque eles já não são crianças e temos todos as nossas vidas, com compromissos e actividades várias, mas talvez seja por isso que estes momentos são tão especiais. Ou então é o contrário, é por termos estes momentos tão bons juntos que, depois, podemos ir às nossas vidas descansados, sem dramas, sabendo que num domingo qualquer vamos encontrar-nos outra vez na cozinha, falar de coisas sem importância e ficar com as mãos sujas da gordura.

publicado às 12:47

Um livro

É engraçado quando vamos lendo livros de um autor e vamos percebendo qual é o seu universo, os temas de que gosta, o espaço onde se movimentam as suas personagens. No seu mais recente livro, Toda a Gente Tem um Plano, Bruno Vieira do Amaral continua a sua investida pelos bairros mais pobres da margem Sul para nos mostrar aqueles que tantas vezes parecem invisíveis. Continua, por exemplo, entre gente que veio de África (ou do Brasil) e gente que procura conforto em deus. Gosto muito da maneira como o autor construiu esta história, evitando a linearidade, fazendo-nos ir lá atrás no tempo, uma vez e outra vez, para conhecermos melhor este Calita e as curvas da sua vida. Também gosto muito do cuidado que põe na criação das personagens e dos contextos, quase como se nos transportasse para aqueles locais, como se aquelas pessoas fossem de carne e osso e nos pudéssemos ter cruzado com elas em algum momento. Gosto de me apegar às personagens, de compreender as suas fraquezas, de ficar a torcer por elas. De sofrer com elas quando elas sofrem.

Um filme

Já o vi há algum tempo, mas, depois, com o barulho dos Óscares e a crise política que nos caiu em cima, acabei por não ter tempo de vir aqui escrever sobre O Atentado de 5 de Setembro. O filme acompanha o atentado terrorista ocorrido nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, mas do ponto de vista dos jornalistas do canal americano CBS, que estavam na torre do satélite, a uma centenas de metros da aldeia olímpica. Admito que será um filme que talvez toque mais os jornalistas. E ainda mais os jornalistas que estejam ligados à televisão. Afinal, aquela foi não só a primeira vez que os jogos olimpicos foram transmitidos em directo, mas também a primeira vez que um atentado terrorista foi transmitido em directo pela televisão - com todas as questões que isso levanta. Mas acho que pode ser interessante para toda a gente. Posso dizer-vos que, mesmo sabendo como aquilo ia acabar, o filme conseguiu envolver-me completamente e até deixar-me nervosa.

Uma série

Adolescência é mesmo imperdível. O nome diz tudo: é uma minissérie sobre a adolescência, nos seus muitos aspectos. A pressão a que os jovens estão sujeitos, por parte dos outros jovens, agravada pelas redes sociais. A influência que alguns gurus e ideologias podem ter sobre os jovens. A relação com os pais. A escola. O desespero dos professores. A falta de perspectivas. A falta de empatia. A linguagem. Os telemóveis sempre na mão. As portas dos quartos fechadas. A impotência dos pais. A culpa. Está lá tudo, mas ao mesmo tempo é uma série muito diferente de todas as outras séries que já vimos sobre adolescentes. São quatro episódios muito bem feitos, muito bem realizados, muito bem interpretados. O primeiro episódio tem imensa tensão. O episódio da escola é bastante perturbador. O último é o mais tocante (pelo menos, para mim). Fez-me pensar tanto. Não quero estar a contar muito. Está na Netflix. Vejam que não se vão arrepender.

publicado às 20:12

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Só para pôr uns pontos nos is nesta história dos Óscares porque há gente que aparece aqui e não me conhece e fica a achar que eu sou uma maluquinha dos Óscares. Não sou, ok? Na verdade, não me interessa muito quem ganha o quê. Gosto de ver filmes. Gosto de discutir filmes e de pensar um bocadinho sobre eles. Divirto-me com isto. Vejos os filmes que consigo, há anos em que há filmes muito bons, a maioria são assim mais ou menos, tento evitar aqueles que me parece que não vou gostar mas mesmo assim às vezes ainda levo umas banhadas, mas de uma maneira geral divirto-me. 

Em toda a minha existência de 50 anos só fiquei 5 vezes acordada para ver a cerimónia: duas quando era mais nova, com a minha amiga Isabel, e três porque estava a trabalhar. Acho sempre uma seca. Não tenho paciência para os vestidos nem para os discursos emocionados nem para os números músicais. Não tenho sequer grande paciência para os prémios. Arrependo-me de ter perdido horas de sono e juro que nunca mais.

Os Óscares só são importantes para quem os ganha e para quem os perde.

Para quem vê filmes, o importante é o prazer que temos a ver os filmes. E o que tiramos dessa experiência.

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publicado às 20:03

Isto este ano foi fraquinho, ou sou eu que não estou alinhada com o espírito do tempo?

Seria muito bonito se Ainda Estou Aqui ganhasse algum dos três Óscares para que está nomeado. Não por ser brasileiro, mas porque gostei mesmo do filme. Objectivamente, penso que não vai acontecer. Palpita-me que os filmes de que gostei menos são aqueles que vão ganhar mais prémios. Mas quem sabe?

Então, da lista de nomeados para Melhor Filme, temos:

Os meus preferidos

 

Até que gostei

 

Não são maus, mas 

 

Não gostei

 

Não vi, obviamente

  • Wicked
  • Dune: Part Two

 

De entre os nomeados para Filme Internacional, além de Ainda Estou Aqui e Emilia Pérez, só consegui ver A Rapariga da Agulha, de que gostei bastante. 

E queria também deixar aqui uma palavra para o documentário No Other Land. Dos nomeados, vi apenas outro, Sugarcane. Mas o No Other Land é, de longe, muito melhor. Escrevi sobre ele no sítio onde me pagam para escrever, vão ler para ficar a saber mais. Os realizadores - o palestiniano Basel Adra e o israelita Yuval Abraham - são esses que estão na fotografia.

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E, pronto, é tudo. Tarefa superada! Que seja uma cerimónia curtinha e que ninguém dê bofetadas em ninguém é o que peço para esta noite. E muito café para os guerreiros que vão ficar acordados.

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publicado às 20:00

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Quase que não ia a tempo de vê-lo (fui hoje à sessão das 12:30) e não ia entusiasmada por aí além, uma vez que várias pessoas me tinham dito que não era assim tão bom. Mas eis que, surpreendentemente, gostei muito de A Complete Unknown, o filme de James Mangold, onde o Timothée Chalamet interpreta muito bem o papel de um muito novinho Bob Dylan. 

Acho que em parte isto tem a ver com o facto de eu ser meia apaixonada pelos anos 60. Além de ser fã dos Beatles - as únicas pessoas que até têm direito a uma tag própria aqui - e de gostar de muita da música que se fazia nessa altura, também gosto muito de toda a onda hippie do "peace and love", das várias lutas pelas liberdades, da contra-cultura e do desafio à autoridade que geralmente associamos a essa época. Descobri a música The times they are a changin quando tinha uns 15 anos e ouvi-a em repeat durante algum tempo, acho que ainda hoje aquela letra fala muito para os jovens e para toda a revolta que sentimos com aquela idade. Até me emocionei um bocadinho nessa cena do filme.

Apesar de não ser a maior conhecedora da carreira do Bob Dylan, parece-me que o filme mostra bem a sua transformação, de miúdo do Midwest agarrado à guitarra para um cantor reconhecido, o impacto da fama e os seus dilemas criativos, a vontade de evoluir e a necessidade de se afastar dos seus ídolos da folk e seguir o seu próprio caminho. Não era propriamente um namorado cinco estrelas. Já o sabíamos através da Joan Baez. Fui entretanto à procura de mais sobre Sylvie.  O filme aldraba um bocadinho alguns factos, o que é normal, mas eu tenho passado à tarde entretida a ler coisas e a descobrir muitas histórias sobre o Bob Dylan e, só por isso, já valeu a pena. 

publicado às 19:41

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O filme Nickel Boys, realizado por RaMell Ross a partir do romance de Colson Whitehead (que ganhou um dos seus dois Pulitzer com este livro), recua até à América de 1962, um momento de segregação racial e crescimento do movimento pelos direitos civis. Elwood Curtis é um jovem afro-americano abandonado pela mãe e educado pela avó, que gosta de ler, é bem comportado e óptimo aluno. Só que um dia tem o azar de apanhar boleia de um bandido. Apanhados pela polícia, Elwood é considerado cúmplice e enviado pelo tribunal para um centro de reeducação de jovens, a Nickel Academy. Ali dentro, tal como lá fora, negros e brancos vivem vidas separadas e têm tratamentos distintos. Os jovens negros comem pior, têm piores instalações, trabalham mais e são sujeitos a duros castigos corporais. A avó faz tudo o que pode para tentar tirá-lo de lá, mas não é bem sucedida. Elwood não tem uma vida fácil. Mas faz um amigo, Turner, com quem conversa e desabafa. Um dia, depois de Elwood ser severamente castigado, Turner teme que matem o seu amigo e decide que é tempo de fugirem do reformatório.

O filme é realizado com a câmara a assumir o ponto de vista, primeiro, de Elwood e, depois (opção que ficará justificada mais à frente da história), alternando entre Elwood e Turner. Este artifício começa por ser algo que diferencia o filme e o torna especial, mas às tantas confesso que me começou a enervar e a cansar. Ok, já percebemos a ideia, não dá para agora ter uma imagem como deve ser? A câmara treme, acompanhando os sobressaltos dos protagonistas, foca-se em rostos e pormenores, e depois desfoca-se, assume ângulos esquisitos, numa tentativa de mostrar aquilo que cada um dos rapazes vê. Mas a verdade é que isso só faz com que sintamos a câmara sempre presente. E em vez ver o filme e deixar-me levar pela história, fiquei ali super-consciente da câmara e dos seus erros. Não, nenhuma pessoa veria o mundo daquela forma, não, aquele enquadramento não corresponde ao que os olhos veriam.

Estou convencida que se o realizador tivesse filmado "normalmente" o filme seria muito melhor. Porque, tirando isso, é até bastante bom. A história é boa. O argumento é bom. Os actores são bons. A introdução de imagens e referências da época está bem conseguida. Há ali uma poesia. Mas talvez não fosse considerado "experimentalista" e não tivesse despertado a atenção de tantas pessoas. Talvez fosse só considerado bonzinho e não fosse tão elogiado pela crítica. Talvez nem fosse nomeado para os Óscares. Ainda assim, estou em crer que seria muito melhor.

(tinha este texto pronto nos rascunhos há uma semana, mas não tive tempo de olhar para ele e publicá-lo, assim está a minha vida. mas vou recuperar tudo a tempo e horas dos Óscares, vão ver)

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publicado às 18:19

20
Fev25

"O Brutalista"

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(este texto contém spoilers)

A mim não me custou a extensão. São três horas e meia mas vê-se bem. Por aí já se vê que há coisas boas neste filme. A mim custou-me a falta de foco. O filme distrai-se por muitas personagens, pequenas histórias que, depois, são abandonadas e ficamos sem saber como acabam. Então, afinal, o que aconteceu ao milionário? E o filho violou a outra e? E a miúda começou a falar? Mas como? E ultrapassou os traumas e já está grávida e tudo? E afinal a mulher já anda? E que lhe aconteceu no fim? São muitas perguntas sem resposta. E claro que os filmes não têm que contar tudo, eu sei isso. Mas também é preciso saber dar esses saltos, não é assim de qualquer maneira. Para quê estar a investir naquelas personagens e em tantos pormenores para a seguir desprezá-las desta maneira? Na minha opinião, faltou ali um editor que cortasse as gorduras, como se dizia antigamente nas redacções dos jornais, e que orientasse um bocadinho a história. 

Mas tirando isso é um bom filme. A sério. Se não ligarmos a esses detalhes até é bastante bom. É a história de László Tóth, arquitecto húngaro, da escola Bauhaus, e judeu, sobrevivente do Holocausto, que emigra para os Estados Unidos em busca de uma nova vida e que enfrenta inúmeras dificuldades e até alguns preconceitos, contrariando um bocado aquela visão que os filmes americanos geralmente dão da "terra dos sonhos".  O Adrien Brody já sabe como é fazer de vítima da guerra e fá-lo na perfeição. Tóth acaba por ser contratado por um industrial rico, Harrison Van Buren (Guy Pearce), para construir um centro comunitário megalómano. A partir daí, começa a tensão entre as vontades do arquitecto e o orçamento de quem paga a construção. Todas as cenas em volta da arquitectura brutalista, do que Tóth imagina para o edifício que está a construir e da enormidade do projecto são muito interessantes. 

No fim não se percebe muito bem qual é o objectivo daquilo tudo, se é falar de arquitectura ou de imigração, se é mostrar a superação daquele homem que tanto sofreu ou mostrar os caminhos dos judeus após a guerra, se é falar da tensão de classes ou do modo como os ricos abusavam dos que estavam à sua volta sem lhes dar qualquer importância. Como eu dizia: falta de foco. Há tanta ponta por onde pegar e tanta ponta que fica solta que dá a sensação que o realizador Brady Corbet, também argumentista a meias com Mona Fastvold, deu um passo maior do que as pernas. 

Críticos respeitáveis deram-lhe cinco estrelas. Que este filme ande por aí a ganhar prémios e, possivelmente, vá ganhar Óscares, é coisa que não entendo. Mas isto acontece-me tanto que já não estranho.

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publicado às 16:51

Pequenas coisas como estas

Baseado no livro de Claire Keegan, realizado por Tim Mielants e protagonizado por Cillian Murphy. É um filme muito realista e bem feito e com tudo o que geralmente gosto nos filmes. Estamos na Irlanda dos anos 80 e o protagonista, Bill Furlong, é um homem honesto, trabalhador e sensível, que cresceu apenas com a mãe. Sabe por isso como as mães solteiras são mal vistas e mal tratadas pela sociedade, e sente que não pode ficar calado quando percebe o que acontece às jovens que são entregues no convento para não envergonharem as famílias, mas que acabam por ser afastadas dos filhos e a ser exploradas pela Igreja. Ele não fala muito, é no seu olhar e nos seus actos que está tudo o que precisamos saber. O que falha, então, neste filme? Nem eu sei bem, mas sinceramente não consegui adorar. No final ficou só assim aquele ok.

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Maria

Não sei quem é que olha para a Angelia Jolie e vê a Maria Callas. Eu não consegui. Sempre vi só a Angelina com uns óculos enormes a esforçar-se por ser Maria e a falhar. Também não faço ideia se o que ali se conta sobre a famosa cantora tem algum fundo de verdade ou não, mas achei tudo um aborrecimento pegado. Uma curiosidade: o filme é realizado por Pablo Larraín, que também já tinha contado a história de outra paixão de Onassis, Jackie.

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Aqui

E por falar em aborrecimento, o que é isto? Robert Zemeckis realiza e Tom Hanks faz de Tom Hanks em Aqui, um filme que até parte de uma ideia interessante: o que acontece num mesmo local ao longo do tempo. Um local que já foi uma floresta, onde depois se derrubaram as árvores para fazer uma plantação e para construir uma casa. Uma casa que foi habitada por diferentes famílias em diferentes tempos. Um dos problemas é que são tantas as histórias intercaladas e algumas contadas tão pela rama que é difícil ir além dos clichés sobre cada época. Outro dos problemas é o excesso de efeitos digitais que em alguns momentos nos levam a questionar se estamos a ver um filme em live action ou em animação. E depois, não é só a câmara fixa que é aborrecida, é tudo tão previsível e tão lamechas e tão pouco profundo, mesmo quando ou sobretudo nos momentos em que aspira a sê-lo.

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Babygirl

Talvez com outra actriz tivesse resultado, mas com a Nicole Kidman definitivamente que não resulta. É que não me ocorre pessoa mais sem graça, sempre consciente de si, sempre tão rígida, até nos momentos em que deveria entregar-se à paixão parece sempre que está a fingir. E, no entanto, tem estado nomeada para imensos prémios (só para que vejam como eu não percebo nada disto). O filme é realizado por Halina Reijn, que eu não conhecia, e mostra-nos uma mulher que tenta controlar os seus desejos e ser apenas uma excelente profissional, uma mãe extremosa e uma esposa dedicada, mas que a determinada altura não consegue resistir aos encantos de um estagiário da sua empresa (interpretado por Harris Dickinson). Se calhar sou eu que não preciso de um homem a dar-me ordens e não gosto de me sentir dominada em contexto nenhum, e muito menos na cama, e por isso não consegui compreender totalmente aquela relação nem achar graça àquele miúdo estranho e com tendências para stalker. E, sem querer ser spoiler, mas aquele final assim que meio a desculpá-la também estraga um bocado a intenção do filme, não? 

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Queer

Realizado por Luca Guadagnino a partir do livro de William S. Burroughs e protagonizado por Daniel Craig, Queer é um filme muito bom até ao momento em que eles deixam a Cidade do México. Craig surpreende com o seu James Bond (sim, sim, está lá ainda um pouco de Bond) em versão gay, cheio de músculos mas totalmente só, perdido, frágil. A banda sonora também é inesperada, mas muito bem escolhida. Não imaginaríamos ouvir aqui, por exemplo, Come As You Are, dos Nirvana, mas acaba por ser bastante apropriado já que falamos de aceitação e de solidão. Acho óptimo que se normalizem cada vez mais as cenas de intimidade homossexual a ver se caem alguns preconceitos, e este filme faz a sua parte. [Não cheguei a escrever aqui sobre isso, mas Passages, de Ira Sachs, é um excelente filme sobre relações (de todo o tipo) e também tem algumas cenas de intimidade muito reais, lembrei-me disso enquanto via Queer.]  O filme só me perdeu durante a viagem, sobretudo quando entram na selva e têm aquelas experiências psicadélicas. Claro que isso é Burroughs e se calhar para os fãs de Burroughs faz todo o sentido. 

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publicado às 17:52

10
Fev25

"Didi"

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Porque há vida para além dos Óscares, hoje falo-vos de Didi, um filme de que gostei muito. É o primeiro filme realizado por Sean Wang, americano de uma família de Taiwan, e é semi-autobiográfico. A acção passa-se no verão de 2008, na Califórnia, tendo como protagonista um rapaz de 14 anos de uma família de Taiwan, que vive os dilemas de todos os adolescentes agravados pelo questionamento da identidade e das referências culturais pelo facto de a sua família ser imigrante. Os críticos chamam-lhe um "coming of age comedy-drama". O actor Izaac Wang conduz-nos por essa angústia adolescente, um pouco perdido entre os vídeos amadores e as tábuas de skate, o acne e o aparelho nos dentes, a mãe e os amigos, o advento da internet (o YouTube e o MySpace) e a miúda gira por quem tem uma paixoneta. É um filme sem grandes pretensões mas que acaba por encontrar o tom certo. 

publicado às 16:43


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